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A empresa em rede: novas formas de cooperação

PARTE II – Empresas e consumidores em rede: protagonistas da controvérsia

Capítulo 3 – As empresas e as redes digitais: desafios e dificuldades

3.4 A empresa em rede: novas formas de cooperação

“O verdadeiro legado da Internet não é o nascimento de milhares de novas companhias virtuais, e sim a transformação das empresas existentes. Podemos ver seu sinal em tudo, das lojinhas de bairro aos grandes conglomerados transnacionais. [...] O papel realmente importante que as redes desempenham consiste em ajudar as organizações estabelecidas a adaptar-se rapidamente

às mudanças das condições de mercado”έ

BARABÁSI, 2009, p. 191.

As formas de cooperação que as empresas têm adotado nesse milênio – colaboração mais ampla na cadeia produtiva, investimentos em start-ups, open innovation, redes internas

156 colaborativas, relações mais estreitas e abertas com as universidades e centros de pesquisa, redes interativas com os consumidores – rompem com as dicotomias típicas da modernidade. Gradativamente, tornam-se tênues as separações entre os diversos atores socioeconômicos, substituídas por uma nova forma habitativa (conteúdo do termo no capítulo 1).

As empresas operam em rede, independente de sua escala de produção; na sociedade contemporânea uma empresa não sobrevive sem acesso à internet e sem fazer uso das tecnologias digitais. “Os usos adequados da Internet tornaram-se uma fonte decisiva de produtividade e competitividade para negócios de todo tipo. O que está surgindo não é uma economia ponto.com, mas uma economia interconectada com um sistema nervoso eletrônico” (CASTELLS, 2001, pp. 56-57). As tecnologias digitais:

Promovem a cooperação entre pequenas e médias empresas, entre as mesmas e as grandes corporações, e entre os atores de uma mesma cadeia produtiva; facilitam alianças estratégicas entre as corporações e as suas subsidiárias; facultam o acesso imediato à informação e pesquisa; perpassam toda a atividade econômica, ampliando oportunidades ao oferecerem canais de conexão imediatos e de baixo custo (KAUFMAN; ROZA, 2013, p. 18).

Diante da necessidade de se tornarem mais maleáveis e atender às demandas de um novo ambiente de negócio, a chamada economia da informação em rede, as empresas buscam renovados modelos de organização. “O fato mais visível dessa reestruturação é a passagem de uma organização em árvore para uma organização em teia ou rede, plana, com muitos links transversais entre os nós” (BARABÁSI, 2009, p. 184). As empresas se estruturam para permitir uma circulação ininterrupta em suas redes – internas e externas – de informação e comunicação. “As informações circulam pelas redes: redes entre empresas, redes dentro de empresas, redes pessoais e redes de computadores. As novas tecnologias de informação são decisivas para que esse modelo flexível e adaptável realmente funcione” (CASTELLS, 2009, pp. 222-223).

De burocracias verticais, as empresas migram para burocracias horizontais.

A empresa horizontal parece apresentar sete tendências principais: organização em torno de processo, não da tarefa; hierarquia horizontal; gerenciamento em equipe; medida do desempenho pela satisfação do cliente; recompensa com base no desempenho da equipe; maximização dos contatos com fornecedores e clientes; informação, treinamento e retreinamento de funcionários em todos os níveis (idem, p. 221).

157 A revolução digital faz das redes a unidade operacional (e não as empresas); “mediante a interação entre a crise organizacional e a transformação e as novas tecnologias da informação, surgiu uma nova forma organizacional como característica da economia informacional/global: a empresa em rede” (idem, p. 232). Castells define a “empresa em rede” como a empresa:

Cujo sistema de meios é constituído pela intersecção de segmentos de sistemas autônomos de objetivos. Assim, os componentes da rede tanto são autônomos quanto dependentes em relação à rede e podem ser uma parte de outras redes e, portanto, de outros sistemas de meios destinados a outros objetivos. Então, o desempenho de uma determinada rede dependerá de dois de seus atributos fundamentais: conectividade, ou seja, a capacidade estrutural de facilitar a comunicação sem ruídos entre seus componentes; coerência, isto é, à medida que há interesses compartilhados entre os objetivos da rede e de seus componentes (idem, p. 232).

A empresa em rede surge das convergências entre suas características e os atributos da economia informal. Castells chama a atenção para esse fato.

As organizações bem sucedidas são aquelas capazes de gerar conhecimentos e processar informações com eficiência; adaptar-se à geometria variável da economia global; ser flexível o suficiente para transformar seus meios tão rapidamente quanto mudam os objetivos sob o impacto da rápida transformação cultural, tecnológica e institucional; e inovar, já que a inovação torna-se a principal arma competitiva. [...] Nesse sentido, a empresa em rede concretiza a cultura da economia informacional/global: transforma sinais em commodities, processando conhecimento (idem, pp. 232-233).

A unidade básica da economia deixa de ser um sujeito individual (empresário ou a família empresarial) ou um coletivo (classe capitalista, a empresa ou o Estado), e passa a ser a rede. Castells admite que as estratégias de formação de redes adotadas pelas empresas tornaram os processos mais flexíveis, mas não foram suficientes. “Para conseguir absorver os benefícios da flexibilidade das redes, a própria empresa teve de tornar-se uma rede e dinamizar cada elemento de sua estrutura interna: este é na essência o significado e o objetivo do modelo da ‘empresa horizontal’” (idem, p. 222). Todavia, um dos maiores entraves a essa

158 transformação é a rigidez da cultura corporativa, que inclui a resistência dos próprios funcionários, que não lidam facilmente com modelos que têm o potencial de deslocá-los de suas zonas de conforto: “Atuar num ambiente colaborativo, no qual predominam a transparência, os interesses coletivos e a partilha de informações, não é trivial, sobretudo para aqueles que se formaram antes da era digital” (KAUFMAN; ROZA, 2013, p. 21).

A empresa em rede insere-se na cultura do mundo virtual e, para sobreviver, precisa manter-se dinâmica, em mutação permanente como um organismo vivo: “qualquer tentativa de cristalizar a posição na rede como um código cultural em determinada época e espaço condena a rede à obsolescência, visto que se torna muito rígida para a geometria variável requerida pelo informacionalismo” (CASTELLS, 2009, p. 258).

A origem da empresa em rede se deu a partir da evolução da combinação de várias estratégias de interconexão.

Em primeiro lugar, a descentralização interna de grandes corporações, que adotaram estruturas enxutas, horizontais, de cooperação e competição, coordenadas em torno de metas estratégicas para a firma como um todo. Em segundo lugar, a cooperação entre empresas pequenas e médias, reunindo seus recursos para alcançar uma massa crítica. Em terceiro, a conexão entre essas redes de pequenas e médias empresas e os componentes diversificados das grandes corporações. E, por fim, as alianças e parcerias estratégicas entre grandes corporações e suas redes subsidiárias. [...] A empresa em rede não é, portanto, nem uma rede de empresas nem uma organização em rede intrafirma. Trata-se de uma agência enxuta de atividade econômica, constituída em torno de projetos empresariais específicos, que são levados a cabo por redes de composição e origem variadas: a rede é a empresa (CASTELLS, 2001, p. 58).

As redes têm papel central nos processo de inovação como mencionado no capítulo 2, em que descrevemos a plataforma de open innovation, InnoCentive.

No capítulo 1, comentamos o pensamento de Mark Granovetter (1983), para quem as redes de Laços Fracos promovem a circulação e o acesso à informação, sem as quais os indivíduos permaneceriam isolados nos grupos formados por seus amigos íntimos. Por conseguinte, os Laços Fracos são essenciais para a integração entre os indivíduos e a difusão das inovações. O mesmo raciocínio se aplica às empresas, que também estão conectadas com redes de Laços Fracos, sejam pequenas e médias empresas ou indivíduos – e até mesmo grandes corporações com as quais não possuam uma relação de proximidade – que têm o

159 potencial de agregar valor ao colaborar na solução de problemas, às vezes, mais rápido e com mais eficiência. As empresas, assim como os indivíduos, necessitam formar, desenvolver e manter conexões de “vínculos fracos”, um dos benefícios da arquitetura rede de redes.

Don Tapscott e Anthony D. Williams (2007, 2011) investigam o novo ambiente colaborativo a partir do advento das tecnologias digitais. Parte dos resultados dessas investigações está nas publicações Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio e Macrowikinomics: reiniciando os negócios e o mundo. Os autores descrevem o que estaria acontecendo em diversos setores – desde a educação, a cultura, a medicina, até a economia – em consequência da denominada “colaboração em massa”. Segundo eles, “as redes sociais estão atuando como processo de produção social, em que grupos de pares auto- organizados podem conceber e produzir tudo, de software a motocicletas” (TAPSCOTT, WILLIAMS, 2011, p. 26).

Sob muitos aspectos, essas mudanças são impulsionadas por tecnologias disruptivas que impregnam as sociedades, provocando mudanças fundamentais na cultura e na economia. Porém, a internet de hoje é a mais poderosa plataforma de todos os tempos para facilitar e acelerar disrupções ou rupturas criativas (idem, p. 19).

Os dois pesquisadores consideram que para um número crescente de organizações, “abertura não é apenas a obrigação de divulgar informações para partes interessadas externas, como reguladores ou investidores institucionais; é uma nova força competitiva e pré-requisito indispensável para o desenvolvimento de relacionamentos produtivos com colaboradores potenciais” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2011, p. 27).

Tapscott e Williams (2007) analisam distintas experiências de mercado, desde a relação da IBM com o código aberto, particularmente no sistema operacional Linux, passando pelas plataformas colaborativas da multinacional de produtos de consumo Procter & Gamble (P&G) até a experiência de construção de um avião da multinacional aeroespacial Boeing. Esse último, basicamente “um monte de peças Lego, desde o início, fornecidas por centenas de empresas diferentes e montadas em um chão de fábrica global, em uma gigantesca e impressionante colaboração” (idem, p. 273).

Uma das experiências mais interessantes, citadas com certa frequência em fóruns de debate sobre como as redes colaborativas estão se embrenhando na produção é a organização chinesa Lifan. Trata-se de uma fabricante de motocicletas que, como seus pares Zongshen,

160 Longxin, Jialing, Jianshe e Dachangjiang, impulsionaram a produção de motocicletas chinesas, que passaram a representar 50% do total do mercado mundial. O elo comum entre essas fabricantes é que os seus produtos são construídos por centenas de empresas e indivíduos que colaboram tanto na elaboração como na execução dos veículos (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 267).

Outra dinâmica que tem potencial de afetar as empresas é a convergência entre produção e consumo, que vem perdendo sua tradicional linha divisória.

Um dos grandes exemplos é a área de software livre, mas proliferam na internet as plataformas para produção e distribuição de bens pelos próprios internautas. Em paralelo, cotidianamente surgem novos sites que ligam diretamente produtores e consumidores nos mais variados setores, substituindo os intermediários (KAUFMAN, ROZA, 2013, p. 19).

A verdade é que o mercado está repleto de experiências colaborativas, que fazem parte, inclusive, da pauta diária dos jornais e revistas especializados em negócios. Podemos afirmar que, na sociedade da informação em rede, dificilmente uma empresa opera sem estar de alguma forma conectada a uma rede colaborativa. No capítulo 2 dessa tese, dedicado à conceituação da “Nova Economia”, e no subcapítulo 2.1, voltado à reflexão do impacto das redes na economia, destacamos dois fenômenos que, de certa maneira, estão moldando a cultura, o comportamento e o funcionamento das empresas do século XXI: (a) as experiências colaborativas de “desintermediação”, isto é, que passam ao largo das grandes empresas e/ou da economia dominante, e (b) o perfil do consumidor conectado, que requer outras estratégias de marketing e comunicação. Esse consumidor conectado é uma mistura de “Prosumer” e ativista das redes, como será visto no capítulo 5.

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