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A energia, a iluminação e a máquina da cidade

2- A cidade e a cultura da modernidade na Era Vargas (1935-1945)

4.3 A energia, a iluminação e a máquina da cidade

A intervenção do poder público sobre a rua foi uma constante para transfiguração da cidade de antiga para moderna. Os planos concebidos pelos intelectuais urbanistas e pela imprensa da época viam nas ruas, becos, avenidas e praças a condição de mudança da cidade. Porém não foram os únicos móveis de transformação urbana. Como já salientamos, os equipamentos modernos como energia elétrica, telefonia, água encanada, serviço de limpeza pública, condição das casas e suas fachadas, aeroporto, bondes e automóveis constituíram meios da tão sonhada modernidade da cidade.

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LE CORBUSIER.Urbanismo. p. 158.

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Diante do contexto citado, em 1935, na I Semana de Urbanismo da Bahia, os urbanistas defenderam uma cidade nova e o fizeram, à moda de Le Corbusier, comparando a cidade com a máquina, que era, então, o símbolo da perfeição. É importante recordar que Le Corbusier, em Por uma Arquitetura, obra de 1923, compara a cidade a três máquinas: o automóvel, o transatlântico, e os aviões.

é lógico que se façam casas antes de traçar-se ruas? Entretanto é o que tem acontecido em quase todas as partes novas desta Capital. Não se constrói uma casa sem elaborar-se-lhe um projeto; não se fabrica qualquer máquina sem planejá-la para que haja harmonia no seu conjunto; não se escreve um livro ou pinta um quadro sem primeiro esboça-lo. Um plano é essencial á perfeição de qualquer empreendimento. Porque então não deve tê-lo uma cidade, complexa como é?.208

E continua o nosso urbanista da I Semana de Urbanismo de 1935:

Urbanismo é jamais consentir que se façam Avenidas Candeias e becos do Frazão. É não deixar que as ruas fiquem sem passeios ou que os mesmos não tenham a largura conveniente; é evitar que o calçamento se faça antes da colocação dos tubos d´água e de esgotos; é tornar acessíveis e confortáveis as escolas; é exigir obediência as leis sanitárias; é resolver os problemas de transportes e segurança pública. Urbanismo é incentivar amor cívico e cooperar com os poderes públicos209.

Outro palestrante, da mesma Semana, defendia a cultura do urbanismo como meio de se elevar à cidade do Salvador de uma cidade arcaica para uma cidade moderna.

O urbanismo não nos parece exigir luzes especiais, e sim um pouco de orientação pelo bem coletivo. Organizar as vias públicas, por uma distribuição harmoniosa do terreno, dar a arquitetura o meio de criar formas que acomodarão por um traçado discreto e prudente, mais simples e humano, por tudo isto dar permissão para desenvolver-se as mais belas perspectivas – todos esses pontos de vista, urbanísticos, não constituem tarefa impossível para inteligências claras e que tanto podem discernir o bom do ruim. Tão não devemos considerar impraticável, mesmo diante das disparidades já existentes, como acontece por aqui, porque por um consenso geral, afastados pequeninos interesses, poderemos ter os meios de, se não fazer tudo de novo e certo, pelo menos, remediar a situação presente, dando-lhe uma melhor estrutura, onde se ajusta os interesses ambos, dos habitantes e dos poderes públicos, na movimentação prática de uma cidade, na segurança do seu estilo, na facilitação de suas comunicações, não importando que se tenham os extremos, tais como observamos nesta legendária cidade do Salvador, do Porto da Penha à Amaralina, por enquanto.210.

Esses são exemplos de homens que viviam na cidade do Salvador na metade da década de trinta, e exigiam, dos habitantes e dos poderes públicos, mudanças da cidade.

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COSTA, José Lourenço. “Propaganda do urbanismo”. p. 103.

209

Idem. p. 103.

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Para os palestrantes da I Semana, o planejamento urbano seria a solução para os males da cidade “do Porto da Penha à Amaralina”. Mas, o urbanismo também era uma atitude cultural, que os moradores da cidade deveriam ter de “amor cívico e cooperar com os

poderes públicos”.

É dentro desses limites do entendimento do urbanismo que vamos apresentar e discutir o ataque dos poderes públicos sobre a cidade do Salvador, sendo que um dos serviços essenciais para que a cidade fosse considerada moderna, era a iluminação pública elétrica.

A iluminação pública e particular da cidade era realizada por um contrato celebrado em 28 de maio de 1929 entre a Prefeitura Municipal do Salvador e a Companhia de Energia Elétrica da Bahia. Pelo exame, dos relatórios municipais, o serviço de energia elétrica da cidade era bastante deficiente e abrangia muito pouco as áreas ou distritos da urbe. As queixas da população e do poder público quanto à ausência de iluminação pública das vias era uma constante nas décadas de trinta e quarenta.

Esse era o caso do rádio-telegrafista da Agência Nacional, Melchiades da Silva, que pede ao prefeito Helenauro Sampaio, em 25 de julho de 1947, um favor, em nome dele, e de todos os moradores da travessa Paulo Bispo, nos Barris. Esse favor era de colocar um poste com uma lâmpada, no centro da travessa, nos seguintes termos:

Como já vêm os moradores à travessa Paulo Bispo, por detrás do colégio Góes Calmon, para conseguirem dessa comuna um só poste de luz, colocado no centro da referida travessa, sem jamais verem satisfeito o justo pedido, venho, agora, em nome de todos e no meu próprio pedir a V. Excia, se digne ordenar com possível brevidade, a colocação de um poste de luz à travessa Paulo Bispo, acima referida, de vez que ali se vive em completa escuridão, correndo perigo a noite não só pelo abrupto despenhadeiro onde é localizada, citada travessa, como por que se torna de ótima penetração aos larápios que nas suas investidas ao alheio são capazes de crime maiores211

A iluminação pública não era concebida como direito do povo da cidade e a reivindicação popular “pelo poste de luz” era, antes de tudo, um pedido e, nesse pedido, se apelava para razões humanitárias do governante municipal, alegando-se para o perigo, inclusive o da criminalidade da cidade. No final da petição de Melchiades ao prefeito Helenauro Sampaio, destaca que “certo que desta vez, seremos atendidos em

nome de todos os moradores e no meu, de já hipoteco sincero agradecimentos, apresentando-me particularmente, como criado de V. Excia”. Certamente, aí está, um

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Arquivo Público Municipal. Diretoria de Máquinas e Construções. Documento avulso. Não há número nas caixas.

dos elementos da política populista que será marca do Brasil após a ditadura de Vargas, no qual há uma barganha de direitos e interesses das populações que chegam à cidade e dos lideres populistas que conseguem garantir algum benefício para a população. Por ora, nos interessa evidenciar a ausência e deficiência do serviço.

Pelo relatório municipal de 1940/1941, a iluminação da cidade apresentava uma situação um pouco melhor em relação ao ano de 1940, pois o número de pontos luminosos na cidade foi elevado para 6.745 postes. Esse número de postes de luz era superior ao ano de 1940 em 414 pontos luminosos. Ainda, pelo Relatório de 1940/1941, a distribuição de iluminação pública por zona era assim classificada nas principais áreas da cidade: Zona da Sé e do Paço, 496 lâmpadas; zona de Santana e de Nazaré, 626; zona de S. Pedro e da Vitória, 2.275; zona de Santo Antônio, 910; zona de Brotas, 649; zona da Conceição da Praia e do Pilar, 612; zona dos Mares, 662 e zona da Penha, 515 lâmpadas.212

Pela concentração de postes de luz, pode-se analisar os locais de importância econômica e social da cidade e explicar como o poder público privilegiava segmentos sociais em detrimento de outros. Os serviços urbanos de água, esgoto, iluminação, transporte, telefonia e segurança eram distribuídos na cidade para aqueles que gozavam de poder econômico, político e social. A cidade urbanizada não era para todos e se constituía em claro marcador social em relação às distinções entre uma área e outra.

As ruas “eram ladrilhadas de pedrinha de brilhante (serviços urbanos)” para determinadas classes sociais. Já aqueles que estivessem fora de determinadas representações sociais, econômicos, culturais e políticos não pertenceriam à cidade, entendendo-se esta, como lugar dos serviços urbanos e públicos.

O jornal Diário de Notícias, em janeiro de 1942, clamava em favor da população do subúrbio, que segundo o matutino, quase não possuía iluminação elétrica e os serviços eram caros e as interrupções eram constantes:

Agora que s.s tem planos diversos sobre o melhoramento suburbanos, a população do arrabalde em apreço pede por intermédio da imprensa, nova revisão nos serviços de iluminação local, a fim de que sejam diminuídas, os preços atualmente exigidos sobre cauções, kilowats, gastos e reduzidas as interrupções que, ainda, de quando em vez, ali se registra213

Sendo um serviço limitado aos distritos privilegiados socialmente, vamos começar a nossa análise da parcialidade do serviço pela zona de S. Pedro e da Vitória

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Relatório 1940-1941. Durval Neves da Rocha. p. 80

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que possuíam 2.275 lâmpadas. A primeira pergunta é por que essa área em relação a outras gozava do maior número de lâmpadas públicas? Esse espaço era cortado pela avenida, para alguns a única avenida, Sete de Setembro que ligava os extremos da cidade alta da Sé ao porto da Barra.

No bairro de São Pedro e Vitória, existia a presença do poder público com o Palácio da Aclamação, residência oficial do governador, além da principal praça da cidade, que era o largo 2 de julho ou, simplesmente, Campo Grande e era o núcleo das residências dos indivíduos mais abastadas da cidade. Esses atrativos políticos e sociais eram suficientes para justificar tal concentração de iluminação pública.

Pelo Indicador e Guia Prático da Cidade do Salvador de Lauro Sampaio de 1928, somando-se a zona de São Pedro e da Vitória, estas duas áreas possuíam juntas 3.120 prédios, distribuídas em 61 ruas (em S. Pedro: a Praça Castro Alves, a Rua Carlos Gomes, Rua da Piedade, Rua General Labatut, Rua de São Bento). Já a Vitória contava com 86 ruas entre elas a estrada 2 Julho (hoje Vasco da Gama), Rua Senador Costa Pinto, Conselheiro Pedro Luiz, Politeama, Rua da Graça, Avenida Araújo Pinho, Ondina que era uma região quase rural, inclusive o Parque de Exposição de animais era ficava nessa localidade.

No outro extremo, temos a zona de Brotas (3422 número de residências), Santo Antônio (6733 número de residências) e Mares (2315 número de residências), Penha (5385 número de residências) que contavam 649, 910, 662 e 515, postes de iluminação, respectivamente.

Para efeitos comparativos, utilizando-se do número de postes de luz como um indicador sócio-econômico, pode-se perceber como essas últimas áreas (Brotas, Santo Antônio, Mares e Penha) eram desfavorecidas em relação à iluminação pública elétrica em relação à zona de São Pedro e Vitória.

As quatro zonas tinham 2736 pontos luminosos, enquanto São Pedro e Vitória possuíam 2.275 lâmpadas, portanto a diferença entre as quatro zonas para as duas primeiras era de 461 lâmpadas, o que mantém a diferença significativa de atenção do poder público sobre os distritos da cidade.

A zona de Brotas possuía 3.422 prédios em 1928, superior, isoladamente, a S. Pedro e a Vitória. A diferença, em favor de Brotas, era de 302 prédios, já em número de ruas Brotas, possuía 64 ruas. A zona ou distrito de Santo Antônio Além do Carmo, pelo levantamento do Indicador Prático, tinha 6.733 prédios e era constituída de 115 ruas e, por isso mesmo, o maior distrito de Salvador, mas só possuía 910 postes de luz. Santo

Antônio possuía mais do dobro de prédios em relação a S. Pedro e Vitória. Finalmente, os distritos da Cidade Baixa, Mares e Penha. Os Mares possuía 33 ruas e 2.135 prédios, enquanto a Penha era formada por 57 ruas e 5.385 prédios. À exceção do distrito dos Mares todos os outros três tinham mais prédios do que S. Pedro e Vitória juntos. Mesmo assim, a diferença entre S. Pedro e Vitória para os Mares em número de prédios era de 985 prédios. A justificativa, então, não poderia recair sobre o número de prédios, número de habitantes ou número de ruas, pois a diferença de lâmpadas entre os Mares para a zona de S. Pedro e Vitória era de 1.613 lâmpadas, em favor desses últimos.

Ainda com relação aos pontos luminosos, a deficiência do serviço público e privado foi uma constante, ainda que nos anos seguintes houvesse um pequeno acréscimo do número de lâmpadas nos postes. Em 1943, em toda a cidade, existiam 7.061 pontos de iluminação nos logradouros públicos, já em 1944, houve um pequeno aumento dos pontos de luz passando para 7.321 pontos de iluminação214.

Nesse período, o serviço de iluminação pública elétrica chegou à rua Carlos Gomes, que se modernizou, incluindo aí os trechos da praça Castro Alves e ruas Santa Teresa e Gustavo Santos. Como grande novidade, temos a chegada da luz elétrica aos abrigos de passageiros na praça Adriano Gordilho, antiga praça da Boa Viagem, na Cidade Baixa e também na Praça Cayru.

Os subúrbios e áreas rurais da cidade se ressentiam do serviço de iluminação elétrica tanto pública como privada. As localidades de Candeias, Plataforma, Periperi, Praia Grande, Escada, Itacaranha, Paripe e Coutos contavam com 294 pontos de iluminação pública215. Em Candeias e nos subúrbios o serviço de iluminação elétrica pública ficava a cargo da prefeitura.

Os jornais da cidade relatam as dificuldades da população diante da falta de luz e das ruas escuras. José Valladares, quando escreveu o seu guia turístico, Beabá da Bahia, em 1951, evidencia que, mesmo no início da década de cinqüenta o problema permanecia. E com humor discorre como o soteropolitano lidava com o problema.

A energia elétrica é também muito caprichosa. Gosta de fazer vergonha. Certo governador idealista convidou um grupo de industriais do sul para que vissem as enormes vantagens de montar fábricas entre nós. Na noite de sua chegada, faltou luz mais de meia hora(...) Enquanto espera uma solução, diz ao visitante o baiano atrapalhado que no meio do jantar se vê as escuras. – Faz parte da cor local. E grita tragam um candeeiro daí de dentro216

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Relatório de 1944. Elisio Lisboa. p. 101.

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Relatório de 1944. p. 102.

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Boa parte da cidade convivia com a escuridão noturna e abrigava formas antigas de iluminação. O candeeiro e as lanternas a querosene eram artigos comuns na cidade do Salvador, como pode ser visto no anúncio acima em jornais de ampla circulação. A presença da publicidade, nos jornais, revela que a cidade da Bahia utilizava as lanternas e candeeiros para possuir iluminação artificial em suas casas.

A própria Prefeitura não estava satisfeita com o serviço prestado pela companhia de Energia Elétrica da Bahia. Ao mesmo tempo, a Companhia usava e abusava da publicidade, nos jornais da época para defender as maravilhas do senhor “Kilowatts”. Como pode ser vista na publicidade abaixo, o objetivo da Companhia de Energia Elétrica era atrair maior número de consumidores para o serviço, porém, além de ser dispendioso e caro, o fornecimento de energia, inclusive tinha que feito com o pagamento em caução, por isso parte da população não se sentia incomodada em não possuir a energia elétrica que era vista como coisa de rico.

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Em 1939, a cidade da Bahia sofreu com as interrupções constantes de energia elétrica, o que obrigou o prefeito Durval Neves da Rocha criar uma comissão para estudar a solução do grave problema. A limitação de energia era um obstáculo ao acesso de vários bens da modernidade como o rádio, a geladeira e a vitrola. A pequena voltagem de energia, em certas áreas da cidade, era tão limitada que segundo os jornais não era suficiente para acionar um rádio219.

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Os maravilhosos bens da modernidade eram amplamente divulgados pelos jornais e anúncios. O rádio era uma maravilha, por ele chegava a música e a voz do Brasil, como também partidas de futebol já começavam a ser irradiadas como se dizia na época. Não possuir o rádio pela limitação da energia elétrica era uma grande decepção. Os jornais apresentavam vários modelos e condições de pagamento do precioso eletrodoméstico.

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Jornal A Tarde. Abril de 1940.

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Diário de Notícias. Mais Luz para Plataforma e Peri-Peri. Salvador 3 de Janeiro de 1942.

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A Comissão organizada pelo Prefeito para diagnosticar o problema tinha, na presidência, o engenheiro Américo de Simas que conjuntamente com Oscar Carascosa e o também engenheiro civil Alípio Viana buscaram sugestões, para o melhoramento do serviço de grande necessidade para a modernidade da máquina na cidade. A comissão chega às seguintes conclusões em relação à escassez de energia elétrica na cidade e às providências que o poder público deveria tomar.

A primeira conclusão da Comissão foi que o rio Paraguassu deveria ser preferido para fornecer energia elétrica para Salvador, como também para outras localidades do Estado, em razão da sua capacidade de fornecer uma potência superior a 150 mil cavalos. Outra conclusão era a necessidade da Companhia de Energia Elétrica da Bahia ampliar a capacidade instalada de Bananeiras que fornecia energia para a capital, devendo construir novas barragens, como Timbóra. E, finalmente, aventava a possibilidade, do Estado da Bahia, assumir o controle da geração e fornecimento de energia elétrica. A Comissão lembrava ao Prefeito que o fornecimento e ampliação do serviço de energia elétrica era fundamental para o progresso da cidade e do Estado222.

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Jornal. A Tarde. Abril de 1942

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Relatório Apresentado pelo Prefeito Durval Neves da Rocha ao Interventor Landulfo Alves de Almeida. 1938-1940. pp. 149-150.

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Ruth Landes, em Cidade das Mulheres, faz referências à energia elétrica na cidade e também como a posse do serviço distinguia socialmente determinada pessoa como pode ser percebido do seguinte diálogo com a Mãe de Santo Sabina, que morava na região da Barra. Nesse diálogo, Sabina conta à antropóloga norte-americana, a sua desavença com outra Mãe de Santo de nome Constância.

− Eu estava muito bem vestida, mas com roupa comum. Não gosto de sair em trajes de baiana. Constância fingiu contentamento por me ver e disse: - ah!, minha filha! Muita honra para esta casa de pobre! Você é rica, tem mobília da moda e luz elétrica224

Possuir luz elétrica era uma expressão de riqueza na cidade da Bahia, durante a Era Vargas. Assim como o rádio, a geladeira e principalmente o automóvel. Já vimos que pelo censo de 1940, havia 1645 automóveis na cidade em 1939. Assim, também, analisaremos, no quarto capítulo, como rádios e relógios eram objetos prioritários dos ladrões da cidade, evidenciando o seu valor e objetos desejados.

Edson Carneiro descrevendo a casa do pobre e a casa do Candomblé dá a impressão de que a luz elétrica convivia com a luz das lamparinas e dos candeeiros. Nesses pequenos relatos, do intelectual baiano, fica perceptível a compreensão de que a iluminação elétrica não era total na moradia, podendo ficar, às vezes, restrita aos locais nobres da casa, como a sala de visita.

A luz natural é deficientíssima: mesmo de dia, é necessário usar luz artificial, porque a natural não se filtra suficientemente por entre telhas ou as palhas do teto. As portas e janelas, quase sempre fechadas, não deixam entrar a luz do sol, que pára nos umbrais. Á exceção das salas

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Jornal A Tarde. Agosto de 1940

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que limitam a casa, no sentido da extensão, o barracão inclusive, todos os compartimentos são verdadeiras furnas. As mulheres da casa resolvem a dificuldade acendendo candeeiros a querosene ou a carbureto, sendo mais comum o uso de fifós e bibianos, que custam mais barato e não necessitam de mangas de vidro. (...) Ás vezes há luz elétrica, mas como a instalação nunca passa dos lugares mais importantes da casa, ou seja o barracão, a sala de estar e talvez o quarto dos orixás, há coexistência da luz elétrica e do candeeiro a querosene225.

A energia elétrica modificava a cidade e a inseria na modernidade da máquina, uma vez que possibilitava o acesso de certos confortos da vida moderna. O primeiro deles, a luz artificial, que garantia comodidade no lar e prolongava certos afazeres domésticos. Outro benefício da energia era a possibilidade de possuir o rádio e dessa forma entrar em contato com as ondas curtas ou médias com outros espaços sociais e culturais. E também a geladeira que, além de guardar os alimentos, possibilitava uma maior durabilidade dos mesmos, conservando-os.

Ganhei dele como presente de casamento, um rádio de cabeceira. Por falar em rádio, o nosso primeiro rádio foi tipo capelinha, redondo e de madeira e, se não me engano, da Philco. Só meu pai tinha acesso para ouvir noticiários e, minha primeira impressão, era que havia apenas tal tipo de transmissão; mais tarde descobri a parte musical A geladeira chegou depois, já na casa da Faísca .Era uma Westinhouse branca e o