• Nenhum resultado encontrado

2- A cidade e a cultura da modernidade na Era Vargas (1935-1945)

4.3 Pelo telefone

Outro serviço público, que estabelecia distinções sociais e econômicas, entre os diversos distritos da cidade, era o serviço de telefonia. Esse serviço a cargo da Companhia de Energia Elétrica da Bahia era limitadíssimo às áreas centrais da cidade e seu funcionamento também era bastante criticado.

A fiscalização procurava admoestar a Companhia para que ela melhorasse o seu serviço, porém, entre 1935 a 1945, não houve melhora do atendimento como pode ser percebido pelo seguinte relato:

A Cia não é de agora vem agindo sem ligar ao Governo e a Fiscalização, veja-se para isto o relatório, desta fiscalização, onde esta a denúncia da publicação de tarifas diferentes, para mais, a que foi autorizada pela fiscalização, em 4 de outubro de 1937. Finalizando foi multada essa Cia, porque, esta fazendo um mau serviço que se espera o ruído mais de 900 segundos, quando deve ser imediato, disca-se um número e atende outro; não se disca nenhum número e o aparelho fala, para outro; leva-se o dia a ouvir pelo telefone rádio, sem querer; as linhas encostam, levam dias e dias, sem que a Cia mande separa-las, disca-se para o número qualquer ouve-se o ruído de chamada e o assinante, junto do aparelho chamado recebe esse sinal; finalmente porque o serviço não presta e pelo contrato está passível dessa pena. Bahia 2 de maio de 1945229.

A Secretária de Viação e Obras Públicas não aceitava os serviços da Companhia de Energia Elétrica da Bahia e comparava os serviços das subsidiárias de outros Estados. A Cia, por sua vez, justificava que era a falta de conhecimento da população no uso do aparelho e a existência da guerra que impedia os melhoramentos necessários.

José Valladares, no Guia Turístico Beabá da Bahia, faz uma deliciosa crônica da cidade. Descreve, assim, o serviço telefônico em 1951 quando foi publicado o guia:

Na Bahia o modo mais seguro para se chamar a assistência, ou os bombeiros ou a polícia é gritar socorro. Para avisar, convidados ou informar um amigo, um menino de recado (...) na mais pacata das cidades do Brasil, nada existe mais temperamental, caprichoso e inconstante do que os telefones. Dias em que esta ótima, dias em que fica mudo ou que dá pipocos ensurdecedores. Basta um pouquinho de chuva para que todas as linhas se constipem230.

A posse do telefone era aspecto de distinção social, ainda que com todas as suas carências. A condição de possuir um telefone na residência era relevante no jogo das distinções sociais, na cidade da Bahia entre 1935 a 1945. Tanto assim que determinados cargos, na prefeitura, conferiam o prestígio do telefone, como pode ser entendido no

229

Arquivo Público do Estado. Secretária de Viação e Obras Públicas. Sub-série processos sobre multas datas limite 1945/ 1948.Caixa 2579 maço 49

230

seguinte relato do Diretor da Fiscalização ao Prefeito Durval Neves da Costa, em 4 de fevereiro de 1942.

Solicito de V. Excia. as necessárias providências no sentido que seja transferido para minha residência à Rua Barros Falcão , número 96(Brotas), o telefone número 1180 que se encontra instalado na casa de meu antecessor, à avenida D. João, número 158(Brotas)231

232

O número de assinantes de telefones na cidade era limitado. Segundo o Censo de 1940, havia na cidade 5.336 assinantes particulares de telefones em 1938. No ano de 1937, esse número era de 4.090. Já nas repartições públicas em 1938, o número de aparelhos era de 336 e um ano antes era de 308. Já, com relação às empresas, o número de aparelhos em 1938 foi de 21 e em 1937, esse número de ligações telefônicas foi de 46.

Observando que a cidade do Salvador, em 1940, possuía uma população de 290.443 habitantes, segundo o Censo daquele ano, o número de ligações telefônicas era muito reduzido, para um serviço que já era conhecido desde o final do século XIX. O número total de habitações na cidade, ainda segundo o censo de 1940, era de 45.210 prédios. Nesse mesmo ano, constatamos que somente 11,80 % dos prédios possuíam telefones. O que em si já tornava a eficiência do serviço bastante limitado, porque não se poderia ligar para 88,19% das residências em razão de não existirem os aparelhos. No censo de 1940, não se fala em telefones públicos e também nos jornais pesquisados não

231

Arquivo Histórico Municipal. Diretoria de Fiscalização Geral. Caixa não tem numeração.

232

vimos referência a esse serviço na cidade. Além dessa limitação do serviço de telefonia que era bastante deficiente, como já salientamos, a Companhia de Energia Elétrica da Bahia, fazia ampla publicidade da eficiência do serviço, usando a modernidade da comunicação.

233

A Companhia também “ensina” os assinantes a fazerem as ligações e culpava os próprios assinantes pela demora de dar linha, uma vez que falavam muito ao telefone. A fiscalização insiste que a Companhia não tinha o menor interesse na melhoria do serviço na Bahia e comparava com os serviços telefônicos realizados em Natal, é importante não esquecer da presença norte-americana, na capital potiguar, durante a Segunda Guerra Mundial, talvez explique muito da melhoria do serviço telefônico em Natal.

Em 21 de setembro esta fiscalização fazia um oficio à Cia, que não está citado neste recurso, nos seguintes termos “a Companhia da Cidade de Natal inaugurou um Serviço Telefônico de 1.000 aparelhos o que prova não haver impossibilidade de obter esse material” – essa Cia, pertence as Cias que pertencem a Cia. auxiliar das Empresas Elétricas. Em 27 de agosto do ano passado, foi dado a Cia, um prazo de três meses (90dias), para aumentar para três por cento (3%) o número de registros por serem os sessenta (60) existentes mais do que insuficiente para um central originalmente de 4100 linhas. Em 1a de dezembro foi intimada a fazer um bom serviço no prazo de sessenta dias. Em 7 de fevereiro deste ano foi dado um prazo de mais dois meses para normalizar o serviço. Examinamos as causas dadas pela Cia, como responsável pelo mau serviço. 1a a falta de ruído, devido ao abuso do uso dos telefones. Ninguém, em bom pensamento, pode

233

julgar que os telefones aqui, na Bahia, estão sendo usados como as cidades de Santos, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Vitória e Aracaju ou mesmo das cidades do interior paulista e de Minas Gerais, uma vez que se espera para ter o ruído em média, atualmente, 15 minutos ou sejam 900 segundos, para que estivessem sendo usados constantemente era preciso dar logo ligação. A falta de ruído é devido a insuficiência de “Registro”. Quando a Cia, substitui as telefonistas manuais só colocou sessenta, para uma estação de 4100 linhas, o que mais que insuficiente, pois só podem solicitar ligações ao mesmo tempo sessenta assinantes.234

A imprensa não dava trégua em mostrar a deficiência do serviço e reclamava da Prefeitura uma ação mais enérgica com relação à Companhia de Energia Elétrica da Bahia, que tinha a concessão do serviço de telefonia. Como pode ser visto nesta matéria do Diário de Noticias de 1941.

O Serviço Telefônico Esta Cada Vez Pior.Já não é de agora que se clama, inutilmente, contra os maus serviços telefônicos da cidade. A guerra tem sido depois de tudo a última desculpa com que se tenta justificar o pouco caso com que é tratado o assinante. Vá lá a desculpa de falta de material muito embora seja estranhável que somente o mercado europeu possa ser encontrado o material indispensável a serviço desta natureza. (...) É impossível falar com alguém, sem interromper, a cada instante, tal o número de ruídos. Reclama-se. Debalde. Não há preposto para o serviço. Ora convenhamos que urge, uma providencia, a respeito, e os diretores da Companhia não devem retardá-los 235

A energia elétrica, o telefone, o automóvel, a água encanada e outros objetos domésticos modernos constituíam ornamentos do prestígio social na comuna. Ao mesmo tempo, a cidade passou a se organizar para esses bens modernos industriais e de conforto material. Viver na cidade da Bahia era ser distinguido pela localidade, pela morada, pelo anel no dedo e pela utilização das novas máquinas, principalmente o automóvel.