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O Estado Novo e a criação da cultura nacional

2- A cidade e a cultura da modernidade na Era Vargas (1935-1945)

2.3 O Estado Novo e a criação da cultura nacional

Observando a história (historiografia) do Brasil, na perspectiva das classes sociais, podemos afirmar que os condutores dos destinos internos do país, desde a emancipação política em 1822, mantiveram um eficiente domínio sobre as classes e suas frações subalternas. Os proprietários de terra, exportadores, senhores de minas e, por quase todo o século XIX, os senhores de escravos produziram uma superestrutura de dominação que procurava dissuadir a ação das classes subalternas. Ainda que trabalhadores, pequenos comerciantes, libertos e escravos lutassem contra esse poder, poucas concessões foram obtidas no período, excetuando-se a luta abolicionista.

A República Velha (1889-1930) não alterou essa dominação, pois os proprietários de terra e exportadores impediram a organização das classes médias e dos trabalhadores, dissuadindo-as da sua organização. Foi por meio da violência física como os casos de Contestado, Pau de Colher, Juazeiro, Canudos, o cangaço e tantos outros movimentos sociais. A dominação foi também ideológica como, por exemplo, a instituição do sistema de sufrágio universal, porém de natureza limitada aos homens, maiores de 21 anos e alfabetizados, restringindo a cidadania ativa a pouco mais de 5% da população brasileira.34

Além desse aspecto, o sistema de representação política, adotada na República Velha, possibilitava à classe proprietária de terras a captura dos eleitores dependentes economicamente, já que o sistema tinha como base o voto não secreto. Dessa forma, a legitimidade do sistema de representação não chegou a se constituir e a violência física utilizada pelo poder privado jamais deixou de ser utilizada. A Guarda Nacional e os batalhões patrióticos podem ser vistos como exemplo desse privatismo.

O golpe do Estado Novo, em 1937, adotou a via prussiana para estabelecer o domínio de Vargas sobre o governo e o Estado e procurou também estabelecer novas formas para legitimar o poder do ditador. Um dos meios foi a propaganda, que buscou recriar uma nova imagem do governante como também no imaginário social uma nova representação do Brasil perante as classes subjugadas.

O objetivo imediato da propaganda realizada era persuadir as classes subalternas de que a ideologia, tal como objetivada na organização e estruturação do Estado e nas diretrizes propostas e implementadas, correspondiam aos seus interesses e mais aos interesses gerais da “nação”. Como objetivo mediato o que se visava era reproduzir a

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subordinação ao Estado e assim, indiretamente, aos interesses do capital por aquele assumidos.35

A ditadura de Vargas criou um aparato institucional para disseminar essa “nova” concepção de Estado e de nação. Entre esses instrumentos os mais visíveis eram a escola, o sindicato, o rádio, os jornais, mas também o teatro e o cinema. Criou igualmente um sistema de controle desses meios, que ia da censura pura e simples aos meios de propaganda explicita ou não com a supervisão do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A forma de construir os cenários favoráveis ao regime “... as idéias a

serem propagadas deveriam ser bastante simplificadas e repetidas para despertarem atenção, serem entendidas e memorizadas”36.

Fica claro a eficiência do DIP na montagem da doutrina estado- novista. Funcionando como organismo onipresente, que penetra todos os poros da sociedade, essa entidade constrói uma ideologia que abarca desde cartilha infantis aos jornais nacionais, passando pelo teatro, música, cinema e marcando presença inclusive no carnaval. Pode-se mesmo afirmar que nenhum governo anterior teve tanto empenho em se legitimar nem recorreu a aparatos de propaganda tão sofisticado conforme fez o Estado Novo37.

Essa ação pode ser ilustrada com a organização do DEIP e da Guarda Civil na Bahia, onde os instrumentos de massificação ideológica criavam mecanismos para controlar a ação da população e, ao mesmo tempo, instituir instrumentos de comportamentos favoráveis ao regime de Vargas, como pode ser percebido pelo relato abaixo:

Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) O DEIP, está sendo orientado, nos seus trabalhos, por superiores propósitos, aos quais procura a sua atividade: colaboração na política de guerra, defesa e divulgação dos princípios do regime, propaganda da Bahia, incentivo a propaganda da cultura. (pág. 17) (...) Difusão Pelo Rádio. O serviço de Rádio mantém rigorosamente em dia o “Boletim Informativo”, que é lido ao microfone da emissora local e ganhou bastante, em qualidade e quantidade da matéria de que consta. Tem esse Serviço organizado também programas comemorativos de datas de significação cívica ou cultural, merecendo destaque os preparados para 19 de abril, 2 de julho e de 7 de setembro, e por ocasião dos centenários de Francisco Manoel e do Visconde de Taunay. (pág. 18- 19). Produção Filmes – Foi deveras intenso e coroado do melhor êxito, o trabalho levado a cabo pelo DEIP em matéria de propaganda pelo cinema. Graças a esse trabalho vem o Estado realizando, “o único gênero de propaganda que dá lucro”(...) Dez filmes produziu o DEIP em 1943. Subordinados, todos, ao título geral de “Vida Bahiana”, focalizam fatos de que participa o Governo do Estado, aspectos da Bahia e suas tradições, e assuntos diversos, como a campanha da

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GARCIA, Nelson. Estado Novo: Ideologia e Propaganda Política. p. 73

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Idem, ibidem.

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borracha, a atividade da LBA, as festas de 2 de julho etc.(pág.19) Publicações – O DEIP, preparou e editou diversas publicações, durante o ano anterior. Foram as intituladas - “O grande Presidente”(dedicada ao Presidente Getúlio Vargas) “19 de Abril na Bahia”( as festas do aniversário do Presidente G. Vargas, nesta Capital), “A conquista da Independência”(histórico sucinto da campanha da Independência, na Bahia, e perfis biográficos das suas principais figuras) e “Esforço de Guerra na Bahia”(folheto referentes à exposição patrocinada pelo Governo do Estado e organizada pelo DEIP).”38

A forma como o Estado Novo estabelecia a construção da sua imagem e a do Brasil era com base na modernidade, racionalidade e brasilidade; valores que deveriam prevenir o Brasil da ameaça extremista representada pelo integralismo e o comunismo. Nessa construção discursiva e ideológica, havia um outro componente que era fundamental – a ordem.

O estabelecimento da ordem deveria ser obtido através de um governo forte, com autoridade suficiente para organizar a nação e exercer de modo efetivo o controle de todas as atividades sociais. O fortalecimento do estado seria realizado através da centralização político administrativa, pela criação de uma estrutura governamental hierarquizada, sob a direção de uma autoridade suprema, um Chefe. As instituições apregoadas pelo liberalismo clássico deveriam ser suprimidos. Não se admitiria a existência de partidos e seriam extintos os existentes, o sufrágio universal seria eliminado, o Legislativo reformado.39.

A ordem e a importância do Chefe eram recursos discursivos ideológicos que fundiam a sociedade brasileira em um só interesse – a união nacional. A colaboração entre as diversas classes era fundamental para o crescimento e a prosperidade do país, ao mesmo tempo, suprimia o individualismo e o regionalismo.40

Nenhum outro instrumento foi mais importante para a construção de nacionalidade, modernidade e brasilidade do que a ação dos intelectuais eruditos e populares, em seus diversos espaços, para criar a sensação de um país único e dotado de um Estado forte.

No Estado Novo a questão da cultura popular, busca das raízes da brasilidade ganham uma outra dimensão. O Estado mostra-se mais preocupado em converter a cultura em instrumento de doutrinação do que propriamente de pesquisa e reflexão. Assim a busca da brasilidade vai desembocar na consagração da tradição, dos símbolos e heróis nacionais. Temos então, a história dos grandes vultos, das grandes efemeridades, do Brasil “impávido e colosso”.41.

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Mensagem do Interventor no ano de 1938

39

GARCIA, Nelson Jahr. op. cit., p. 83

40

Idem. ibidem.

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A ação de brasilidade estava presente, nas cartilhas do DIP, no cinema, peças encenadas e também na música popular que passou a ser um fino instrumento de construção da brasilidade. A música popular era um veículo importantíssimo pela assimilação relativamente rápida da população como também pela massificação do rádio no novo Brasil urbano.

Chegou a hora dessa gente bronzeada. Mostrar seu valor Eu fui à Penha fui pedir à padroeira para me ajudar Salve o morro do Vintém, Pindura-Saia, Eu quero ver Eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro Para o mundo sambar O Tio Sam está querendo conhecer A nossa batucada Anda dizendo que o molho da baiana Melhorou seu prato Vai entrar no cuscuz, acarajé e abará A Casa Branca já dançou a batucada De Ioiô e Iaiá.42

Como explica, Eneida Maria de Souza, essa música procurava celebrar a boa vizinhança entre o Brasil e os Estados Unidos da América. É inegável que o samba- exaltação no qual “chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar o seu valor” estava a fagocitação da América pelo Brasil, pois “o molho da baiana melhorou seu prato”. Outro grande momento de afirmação da brasilidade pela música popular foi o quase hino “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, de 1939:

Ó, abre a cortina do passado Tira a mão preta do serrado Bota o rei congo no congado Brasil Brasil Pra mim Pra mim Deixa cantar de novo o trovador À merencórdia luz da lua Toda a canção do meu amor Quero ver essa dona caminhando Pelos salões arrastando O seu vestido rendado Brasil Brasil Pra mim Pra mim”43 42

SOUZA, Eneida Maria de. Carmen Miranda: do Kitsch ao Cult., “Brasil Pandeiro”. p. 77

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Estava presente o som, a cor, a luz que torna a brasilidade do Brasil. O chefe Vargas usou e abusou da construção da imagem do Brasil. O uso da cultura popular e da nascente indústria cultural era organizado de forma a capturar a intelectualidade brasileira para a modernidade “estado novista”. “Dentro do projeto educativo há que distinguir dois níveis de atuação e estratégia: o Ministério da Educação (dirigido por Gustavo Capanema) e o do Departamento de Imprensa e Propaganda (encabeçado por Lourival Fontes). Entre essas entidades ocorreria uma espécie de divisão do trabalho, visando a atingir distintas clientelas: O Ministério Capanema voltava-se para a formação de uma cultura erudita, preocupando-se com a educação formal; enquanto o DIP buscava, através do controle das comunicações, orientar as manifestações da cultura popular.”44

O DIP era o principal aparato de controle do Estado Novo e foi organizado em cinco divisões: Divulgação, Radiofusão, Cinema e Teatro, Turismo e Imprensa. É importante lembrar que o DIP era diretamente subordinado ao presidente da República.45 Essa organização obedecia à lógica do controle e da censura, mas, também criava uma imagem moderna do Brasil.

No Estado Novo “as realizações eram apresentadas de forma dramática e

maniqueísta em que, no período anterior a 30, nada se havia feito, enquanto que no posterior muito se fazia. Assim é que, para quarenta anos de República, havia onze decretos referentes à legislação social, agora, para dez anos de governo, havia mais de duzentos decretos de amparo ao trabalhador brasileiro”46

Não podemos deixar de lembrar do papel de Villa-Lobos que como intelectual da música erudita desenvolveu o projeto de “nacionalização da cultura” com a união entre erudito e o popular. “Sua contra-ofensiva orfeônica – pelo poder de imantação

social atribuído à música – contou com todo o respaldo do regime, ao buscar reconquistar para a grande Arte seu papel de portadora do sentido da totalidade.”47Assim, ao que parece, havia por parte do Estado uma diretriz para uma nova reconfiguração do Brasil. O povo e a cultura popular passaram, por meio da indústria cultural, a criar uma nova imagem do país.

44

VELLOSO, Mônica Pimenta. op. cit., p. 149.

45

GARCIA, Nelson Jahr. op. cit., p. 100

46

Idem, p. 93.

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II

“ A Insânia de Nero é o orgulho do Urbanista”

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:

A cidade da Bahia em tempos de urbanização 1890-1945

Com o capitalismo, a cidade passou a ser o grande centro das transformações econômicas, sociais, culturais, políticas, religiosas, sexuais e mentais. Foi o espaço do encontro das classes e dos seus conflitos. A técnica, a produção, a difusão cultural, a constituição do saber, a moradia, a individualidade, a sexualidade, a alegria, a festa e os conflitos de classe se processaram com maior intensidade, nas cidades modernas ou burguesas, a partir do século XIX.

Muito do dinamismo da cidade foi fruto da expansão da cultura capitalista de produção que teve, nesse espaço, local privilegiado da reprodução do capital. O capital procurou exercer o controle da cidade, porém esse controle esteve repleto de mediações, transações e conflitos.49

Há rupturas físicas como a própria extensão da cidade, o sistema de transporte, a chegada do imigrante e dos migrantes, as novas formas de trabalho, a organização do trabalho, a mudança da família, a segurança e a visualização do poder. A inserção da cidade no capitalismo foi constituindo novos valores culturais e mentais que iam da matematização do tempo, com a difusão do relógio, às novas técnicas de construção, com verticalização da morada, da criação de novos espaços de sociabilidade, da intensificação da indústria cultural, entre eles, os jornais, revistas, publicidade, cinema, e rádio. Mas, a cidade também comporta novos comportamentos que agridem ou transformam as maneiras tradicionais de organização da vida social. O cinema, o telégrafo e a locomotiva foram expressões dessas transformações e, com a velocidade da máquina, redefiniam a cultura social ou a sociabilidade antiga.

A ação da máquina sobre a cidade não foi neutra e ocorria dentro de um novo sistema de produção capitalista que, além de se apropriar da força de trabalho, se apropriava da cidade. A máquina e a velocidade foram agentes técnicos e sociais de mudança da organização dos espaços da cidade e também da criação e extinção de várias formas de trabalhos e serviços. Essa apropriação da cultura capitalista sobre a cidade e a imposição de um novo redesenho urbano determinaram choques entre concepções de mundo já estabelecidas e novos valores econômicos, sociais, culturais e

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ABREU, Jayme da Cunha Gama. “Comissão do Plano da Cidade do Salvador”. p. 130.

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mentais. Os trabalhadores com os seus ofícios há muito constituídos tiveram que ceder as suas ferramentas e instrumentos de trabalho para novas formas de produção com base na técnica e na máquina. O teatro e o circo, antes espaços absolutos da diversão urbana, cedem lugar para o cinema que, como arte reprodutível, se desloca no espaço. A própria produção e deslocamento dos homens foram afetados pelos bondes, automóveis, ônibus e outros meios sobre roda.

Entre os novos valores que foram constituídos ou intensificadas no processo de dominação do capital sobre a cidade, podemos citar: a individualidade, as atitudes diante da fé, da morte, a universalização do sistema de ensino, o papel do aprendizado, o indivíduo e a família e a relação familiar e comunitária. A cidade contemporânea (capitalista) era um mundo novo com várias promessas e repleto de medo e angústia, as promessas do progresso e as angústias das mudanças.

Essas transformações operadas podem, primeiro, ser observadas com o impacto demográfico. A multidão passou a ser um novo fenômeno social, político e econômico que se materializava na cidade. Os serviços urbanos tinham que levar em conta esse novo agente social que era a multidão. Nos século XIX e XX, a multidão dará origem a uma sociedade de massa e, conseqüentemente a produção de massa que alterou completamente a ordem urbana. Ainda sobre o efeito populacional, sobre a cidade, Rene Ramond, na sua análise, apresenta as seguintes informações:

A partir de 1800, com intervalo e bruscas acelerações, o fenômeno urbano sofreu um impulso irresistível. As cidades de outrora transformaram-se em grandes cidades, as grandes cidades tomaram proporções gigantescas e o número total de cidades se multiplicou. Embora, ao mesmo tempo, a população global tenha aumentado de modo vertiginoso, a parte da população cresceu mais depressa ainda. O fato se manifestou primeiramente na Europa. Em 1801, em todo o continente, não havia mais de 23 cidades com mais de 100.000 habitantes, agrupando menos de 2% da população da Europa. Em meados do século seu número já se elevava para 42; em 1900, eram 135 e, em 1913, 15% dos europeus moravam em cidades. Quanto ás cidades de mais de 500.000 habitantes, que na época, pareciam monstros, só existiam duas no início do século XIX; Londres e Paris. Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, elas já eram 14950

Lewis Mumford, em seu clássico livro, A Cidade na História, chega à conclusão semelhante quanto ao aumento populacional das cidades européias como também as cidades na América e na Ásia, demonstrando que o desenvolvimento do capitalismo afetou primordialmente a cidade:

Em 1850, Londres tinha mais de dois milhões de habitantes e Paris mais de um milhão de habitantes; e embora outras cidades aumentassem rapidamente, mais de um milhão de habitantes tinham passado a existir, inclusive em

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Berlim, Chicago, Nova Iorque, Filadefia, Moscou, São Petersburgo, Viena, Tóquio e Calcutá51

As transformações operadas nas cidades não se limitaram ao impacto demográfico, ainda que em essas transformações foram bastante expressivas. O rápido incremento populacional da cidade decorreu de múltiplos fatores como a revolução industrial, a revolução médico-sanitária e as transformações sociais e políticas que afetaram sensivelmente a vida no campo. Com o crescimento dos habitantes na cidade por um processo industrial ou sobre os efeitos desse processo industrial, os habitantes, tiveram que modificar as suas formas de viver. Entre outros fatores, podemos salientar a forma do trabalho que obriga o trabalhador ir ao espaço do trabalho. O tempo é outra invenção da cidade moderna que passou a regular a vida dos seus habitantes e criou um cotidiano da vida urbana. O calendário e os dias da semana são sensivelmente modificados a partir da cidade, assim como a moradia e os seus utensílios, a organização da própria casa. Além dos ciclos da vida que também foram modificados na cidade.

Essas transformações se multiplicaram e afetaram a sociabilidade dos habitantes das cidades com forte repercussão na cultura, no lazer, no cotidiano e, por fim, nas mentalidades. A cidade redefiniu o ciclo da vida. Para Castells, a cidade era organizada com base nos seguintes elementos:

o lugar geográfico onde se instala a superestrutura político- administrativa de uma sociedade que chegou a um ponto de desenvolvimento técnico e social (natural e Cultural) de tal ordem que existe diferenciação do produto em reprodução simples e ampliada da força de trabalho, chegando a um sistema de distribuição e de troca, que supõe a existência: 1 de um sistema de classes sociais; 2 de um sistema político permitindo ao mesmo tempo o funcionamento do conjunto social e o domínio de uma classe; 3. De um sistema institucional de investimento, em particular no que concerne á cultura e a técnica; 4 de um sistema de troca com o exterior 52.

Esse conceito de Castells nos é bastante útil na analise da cidade do Salvador entre 1935-1945, pois o conceito abarca as condições vividas pela cidade na materialização da cultura da modernidade, uma vez que o sistema de classes sociais produzidos em Salvador determinava que a classe detentora do poder público tinha como um dos seus objetivos a modernização da cidade para a máquina.

51

MUMFORD, Lewis. A Cidade na História. p. 571

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Já de uma forma mais poética Le Corbusier enxerga a cidade como: “o domínio

do homem sobre a natureza. É uma ação humana contra a natureza, um organismo humano de proteção ao trabalho. É uma criação.”53, no entanto essa criação que é a cidade moderna, na visão de Le Corbusier, não era harmoniosa como uma poesia. E o mestre indagava, por quê?

A cidade moderna é a principal materialização do capitalismo. Primeiro, porque a constituição das classes ocorre no processo produtivo gestado nas cidades, segundo porque o domínio da classe burguesa sobre o proletariado ocorria, sobretudo, na cidade, por meio da dominação política, mas também essa dominação ocorre por meio de outras formas de poder, podendo ser simbólicos e culturais e, finalmente, porque as cidades e as suas ideologias (urbanismo) constituem o laboratório da reprodução das classes. Como salienta Castells, a própria cidade perdeu a sua autonomia em favor do sistema econômico que tem por base a mercadoria. 54

A cidade é múltipla, ao longo do tempo, porém, na cultura capitalista, a cidade tornou-se o centro de irradiação do capital e materializou o espaço da fábrica, a segregação espacial entre o produtor direto e o proprietário dos meios produtivos, espacializou a morada e as suas formas. Assim, na Europa ocidental, e depois na América do Norte, a cidade foi forçada a se organizar de acordo com a indústria e seu processo produtivo com base na máquina e na organização do trabalho assalariado. Nas áreas dependentes do capitalismo, a cidade obedeceu a outras formas de constituição,