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1.2 O POVO POTIGUARA: SUA HISTÓRIA

1.2.1 A Escola Cacique Iniguaçú e a educação escolar na aldeia Tramataia

A Escola de Educação indígena de Ensino Fundamental e Médio Cacique Iniguaçú (Figura 11) fica situada no Município de Marcação-PB, na aldeia Tramataia, localizada, aproximadamente, a 12 km da zona urbana. Fundada em 2003, atualmente funciona nos turnos manhã e tarde, com turmas do 4º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, com aproximadamente 280 alunos matriculados, indígenas e não indígenas. A Escola tem como gestor o professor Daniel Silva Leonço, indígena, formado em Pedagogia e concluinte do curso de Licenciatura em Geografia, há sete anos nesta função.

Figura 11 – Faixada da E.E.I.E.F.M Cacique Iniguaçú – março de 2018

A unidade escolar recebe este nome por uma manifestação da comunidade, que faz referência ao Cacique Potiguara Ininguaçu, em meados do século XVI, o qual circunscreve um acontecimento histórico chamado de tragédia de tracunahém28. O Professor Aldir Pereira faz o seguinte relato sobre a história da escola:

Daí o nome da escola quem buscou? Não foi prefeito, não foi governador, não foi vereador. Foi a comunidade, devido a outra comunidade escolar que já existia no munícipio e foi transferida para aqui alguns alunos. E o nome da escola Cacique Iniguaçú só pelo motivo de Cacique a gente já sabe que é uma liderança indígena e Iniguaçú é um nome tupi que significa ‘rede grande’, como 70% da população sobrevive29 disso. (Entrevista realizada em maio de 2018)

O acesso à escola é feito por estrada de terra que corta os canaviais, sendo muito esburacadas e com pontos bastante escorregadios. A escola é situada no centro da aldeia como símbolo da importância da educação para os Potiguara.

Figura 12 – Estrada de acesso à aldeia Tramataia, no Munícipio de Marcação – PB – março de 2018

Fonte: Acervo do pesquisador

O corpo docente é composto por 17 professores, sendo 16 indígenas e 1 não indígena. Os professores têm formação superior específica nas suas áreas de atuação, a maioria mora na própria aldeia. O professor de matemática, o único não indígena, é casado com uma potiguara e reside na aldeia há 15 anos. O fato de os professores serem indígenas, e residirem na aldeia ou em aldeias próximas, aproxima o contexto cultural Potiguara dos currículos oficiais.

28 Disponível em: http://www.efecade.com.br/1574-massacre-de-tracunhaem/ e

https://geologiamineracao.wordpress.com/tag/a-tragedia-de-tracunhaem.

Para Gersem Baniwa (2012, p. 133) “a crescente produção de material específico e bilíngue e os processos crescentes de formação de professores indígenas, que já representam 96% atuando nas escolas das aldeias, representam importante avanços”. Outro ponto importante a ressaltar é que essas escolas possuem um certo grau de autonomia, do ponto de vista pedagógico e administrativo, o que faz com que sejam, de fato, indígenas e não monopólio do homem branco, representado no poder do Estado.

A unidade escolar também tem 15 funcionários, todos indígenas. Quanto à estrutura, existem quatro salas de aula; biblioteca; sala de informática com sinal de internet, mas sem computadores; cozinha; banheiros masculino e feminino; secretaria; sala dos professores; e ampla área aberta para as aulas práticas de Educação Física, conforme as Figuras 13 e 14.

Figura 13 – Pátio frontal da escola – março de 2018

Fonte: Acervo do pesquisador

Figura 14 – Área posterior da escola – março de 2018

A educação escolar para as etnias indígenas representa uma forma de manter sua cultura, como também a oportunidade de ter acesso aos conhecimentos trazidos pelo mundo acadêmico, possibilitando aos Potiguara assumir outros campos da sociedade, a exemplo do ensino superior. Nesse sentido, vejamos a fala do gestor Daniel Silva:

Eu acho que representa muito... e é uma responsabilidade muito grande pra nós. Nós como uma escola indígena botamos dentro de nossa comunidade [pausa], preparando o jovem para o futuro... que nós vemos tanta dificuldade no mundo de hoje... tanta disputa por espaço... e nós estarmos aqui com esta responsabilidade todinha de preparar os jovens para as dificuldades (Entrevista realizada em fevereiro de 2019).

Figura 15 – Ritual de formatura do Ensino Médio da EEIEFM Cacique Iniguaçú30 – Setembro de 2019

Fonte: Daniel Silva

Para os Potiguara, a escola representa um elo entre o conhecimento institucionalizado e conhecimento das tradições. Ao ser questionado sobre a importância da escola para aldeia Tramataia, o Cacique Elias responde com muita simplicidade que a “escola é conhecimento e com o conhecimento a gente conquista o mundo” (Entrevista realizada em maio de 2019). Assim, conforme enfatiza Baniwa (2012, p. 134), “cabe [...] aos índios se apropriarem dessas escolas, transformá-las e gerenciá-las segundo suas demandas e interesses, como instrumento de empoderamento, protagonismo e autonomia”.

De acordo com o professor Aldair Pereira, a escola tem buscado uma educação indígena diferenciada, pautada na LDB:

30 Os ritos é algo marcante na cultura indígena sobretudo na cultura Potiguara. Ao se vestir com os adornos

típicos de sua cultura, de pés descalços, em círculo, no lugar sagrado para este Povo Originário, as margens do Rio Mamanguape, lugar onde este se encontra com o Oceano Atlântico, os Potiguara reverenciam os encantados agradecendo por mais uma etapa conquistada.

[...] nossa escola realmente faz a educação específica e diferenciada. Ela é diferenciada até no nome, por exemplo, começa a diferença ai. E ai depois começa a escolha dos funcionários, os funcionários não é escolhido por partido político. Funcionário é escolhido pela comunidade. (Entrevista realizada em maio de 2018)

O que significa, então, uma educação indígena diferenciada? Como olhar para esta escola e suas relações pedagógicas? Qual o papel da escola na formação deste Povo? Para Gersem Baniwa (2012, p. 132),

A educação tradicional sofreu abalos e perdas muito grandes no processo de colonização por meio da escola colonial. É importante reconhecer que muitas culturas, conhecimentos e valores indígenas se perderam por imposição da escola. Mas muitas culturas, conhecimentos, valores e pedagogias indígenas continuam existindo, povos cultural e etnicamente diferenciados. O esforço hoje é para que a escola não faça mais, isso e, ao contrário, passe a contribuir com a valorização e perpetuação dos modos próprios de educação dos povos indígenas, e já podemos observar resultados muito positivos, como a valorização das línguas indígenas, dos saberes orais dos mais velhos.

Ao meu ver, a educação escolar diferenciada para os indígenas é aquela que aproxima o conhecimento universalizado sem perder de vista as tradições e os saberes historicamente construídos pelos Povos Indígenas. Na ótica do professor Aldir Pereira, o sentimento dos Potiguara com relação à educação escolar pode ser representada da seguinte forma: “ai a gente ver a escola como ponto de resgate da nossa cultura, da nossa língua, nossa tradição, a escola trabalha em cima disso de resgatar, de trazer de volta o que nos roubaram”. Neste sentido, destacam-se as palavras da professora Iara Tatiana Bonin, que estuda as questões indígenas há algum tempo:

A escola é uma instituição que adquiriu grande relevância na modernidade em sociedades ocidentais, e nelas se consagrou como espaço central de socialização da pessoa, bem como de aquisição de conhecimento tidos relevantes para a inserção do sujeito no mundo do trabalho. A escola não apenas produz socializa saberes, ela produz experiências cotidianas que vão nos integrando em uma lógica de sociedade e, ao mesmo tempo, produzindo o lugar social que podemos/devemos ocupar (BONIN, 2012, p. 33).

A escola é um ponto de entrecruzamento de culturas, de saberes, de convívio de diversos pontos de vista, a partir do qual se estabelece o impossível em um emaranhado de conhecimentos. Assim, cabe à escola a missão de organizar todo esse aprendizado. De acordo com o professor Aldair Pereira, a escola indígena

[...] nunca deixou de ver o mundo do branco... A escola ela é interdisciplinar... vemos das duas formas de ver a cultura branca... a cultura do negro... a cultura do

índio e assim sucessivamente... A gente não deixa de maneira alguma descartar... e principalmente a questão da droga. (Entrevista realizada em maio de 2018)

Desse modo, o Povo Potiguara consegue estabelecer o convívio intercultural sem perder suas origens, “consequência desse atual momento histórico educacional é o trabalho de ‘resgate’ das tradições, associado aos estudos dos problemas atuais que acontecem com o Povo Potiguara” (BARCELLOS, 2012, p. 96). Assim, a educação escolar vai cumprindo seu papel de disseminar o conhecimento e promover a amplitude social, em uma constante disputa com os conhecimentos científicos universais, dito do currículo formal, e os conhecimentos tradicionais. Nesse contexto, o gestor reflete sobre as principais dificuldades no trabalho escolar:

Acho que dificuldade mesmo é mais com a participação dos pais em tá dando suporte para nós. Porque hoje em dia nossos alunos estão muito soltos, muitos alunos não querem coisa com coisa ficam naquela de não querer algo para seu futuro, a gente busca a família e muitas não estão para nos dá suporte. (Entrevista realizada em maio de 2019)

É necessário ponderar que a escola e a família são o ponto de conexão com o saber institucionalizado e o saber tradicional advindo da comunidade. E nesta intersecção, escola e família têm papéis distintos, mas que se complementam, de forma conectada, articulada e coordenada, em busca do fortalecimento étnico do Povo Potiguara.

1.3 A DECOLONIALIDADE: ASPECTOS PARA PENSAR A CULTURA CORPORAL NA