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Antes de abordar a questão da escola como instrumento ideológico de poder para o grupo dominante, recorda-se que a divisão dos homens na sociedade capitalista dividida em classes sociais ocorre não pelo nascimento, mas, principalmente, pela exploração da força de trabalho. Esta é praticada por aqueles que detêm o poder ideológico e econômico, a fim de subjugar, de forma dócil, o trabalhador, por meio de um processo de revelação de ideias. Essa dominação efetiva-se à medida que o homem acredita ser inferior ao outro e concorda, conscientemente ou não, em ser dominado.

O aparelho repressivo do Estado, que agrega o governo, a administração e a magistratura, entre outros, garante, com sua legitimidade e poder de coerção, as condições políticas e ideológicas na produção e reprodução dessa conduta.

A escola, um dos aparelhos ideológicos do Estado, é reprodutora das relações de produção. Efetiva sua ação inculcadora mediante o processo de aprendizagem, que conduz à massificação ideológica pela classe hegemônica, justificada nas relações de exploração que caracterizam a sociedade capitalista.

Dore (1980) observa que:

[...] é a ideologia que faz os sujeitos pensarem que o sistema escolar é universal, quando ao contrário, ele serve para manter os interesses dos grupos dominantes. [...] abordagens similares vindas dos Estados Unidos, através dos sociólogos Bowles e Gintis, entendem que em lugar de

promover a igualdade de oportunidades, a escola perpetua as formas de consciência, de comportamento e personalidade, exigida para a reprodução das relações capitalistas de produção (DORE, 1980, p. 332).

Essa compreensão da escola como instrumento ideológico da classe dominante, que molda o indivíduo, insinuando-lhe pensamentos de submissão e aceitação do sistema vigente, é significativa, pois justifica a manutenção material e política de uma classe social sobre outra.

Assim, os indivíduos considerados “bons sujeitos” (ALTHUSSER, 1980) pela ideologia da classe dominante serão aqueles que seguem os modelos propostos pelo sistema, não contestam os padrões e concepções determinados e, livremente, se submetem aos padrões ditados pela classe de poder. Contrapondo os “maus sujeitos”, ainda não subsumidos à ordem dominante, estes necessitam do aparato repressor do Estado para moldá-los.

A escola transmite conhecimentos técnicos e práticos que assegurarão a supremacia da ideologia dominante, em contraposição ao conhecimento e à cultura da classe popular.

A Escola toma a seu cargo todas as crianças, de todas as classes sociais, e a partir da pré-primária, inculca-lhes durante anos, saberes práticos envolvidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo, a história, as ciências, a literatura), ou simplesmente, a ideologia dominante no estado puro (moral, instrução cívica, filosofia). Algures, por volta dos dezesseis anos, uma enorme massa de crianças cai ‘na produção’: são os operários ou os pequenos camponeses. A outra parte da juventude escolarizável continua: e seja como for faz um traço do caminho para cair sem chegar ao fim e preencher os postos dos quadros médios e pequenos empregados, pequenos e médios funcionários, pequeno-burgueses de toda a espécie. Uma última parte consegue acender aos cumes, quer para cair no semi- desemprego intelectual, quer para fornecer, além dos ‘intelectuais do trabalhador coletivo’, os agentes da exploração, (capitalistas, managers), os agentes da repressão (militares, políticos, policiais, administradores) e os profissionais da ideologia (padres de toda a espécie, a maioria dos quais são ‘laicos’ convencidos) (ALTHUSSER, 1980, p. 65).

Como se verifica por intermédio dos aparelhos ideológicos escolar e político do Estado, a escola atua como instrumento para a formação e o desenvolvimento ideológico do sujeito, tornando-o alienado e contribuindo para a reprodução da sua condição de classe.

Para que haja reprodução das forças produtivas, é necessário garantir a formação técnica, profissional e alienante que capacite e molde os indivíduos para o mercado. Preferencialmente, essa capacitação dos indivíduos ocorre fora da linha de produção e do mercado de trabalho e acontece na escola, em turmas com

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escolarização específica. A escola ainda é o ambiente tradicional para esse desiderato. À medida que capacita os indivíduos, “inculca-lhes uma certa ideologia que os faz aceitar sua condição de classe, sujeitando-os ao mesmo tempo ao esquema de dominação vigente” (FREITAG, 1980, p. 34).

Materializa-se, assim, a dominação de um indivíduo sobre outro, por intermédio de um ensino voltado à educação unilateral. Trata-se da educação para a formação de um homem não completo, alienado das possibilidades intelectuais, apropriado, pela sua condição de classe, a uma vida de subjugação.

Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção de vida e do homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência: as escolas de tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos, predominam sobre a escola formativa, imediatamente desinteressada. O aspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é louvado como democrático, quando, na realidade, não só é destinado a perpetuar as diferenças sociais, como ainda a cristalizá-las em formas chinesas (GRAMSCI, 2000, p. 49).

Causa indignação o quanto a escola pode ser danosa ao desenvolvimento intelectual e político do indivíduo, devido ao seu poder de inculcação, assim como reproduz as relações de produção do trabalho.

Para formar o homem para o trabalho, a escola básica tem sido chamada a assumir compromissos sociais significativos. Diante de situações diversas de violência social, a escola é instrumento de condução da coletividade humana a uma formação além da preparação ao mercado, ou seja, uma formação integral – a formação do homem omnilateral15.

A escola integral deverá promover a formação integral do sujeito com vistas à sua emancipação e formação para a plena cidadania, um homem completo. Essa outra tendência pedagógica de formação traduz-se pela necessidade de oferta ao aprendente de desenvolvimento, com garantia de “condições físicas, mentais, afetivas, estéticas e lúcidas do ser humano, capaz de ampliar a capacidade de trabalho na produção de valores e de uso em geral” (FRIGOTTO, 2003, p. 31).

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“A onilateralidade é, portanto, a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas, e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, além dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em consequência da divisão do trabalho” (MANACORDA, 2007, p. 90).

Essa é a escola almejada por educadores comprometidos politicamente com o cidadão brasileiro. No entanto, a classe dominante se sustenta no poder, disciplinando o ser que aprende para se amoldar aos ditames da escola unilateral.