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O Estado como instrumento hegemônico das classes dominantes sobre as

Só faltava uma coisa: uma Instituição que não só protegesse as novas riquezas individuais, que não só consagrasse a propriedade privada, antes tão pouco estimada, e declarasse essa consagração como a finalidade mais elevada da comunidade humana, mas também imprimisse o selo do reconhecimento da sociedade às novas formas de aquisição da propriedade, que se desenvolviam umas sobre as outras e, portanto, a acumulação cada vez mais acelerada das riquezas; uma instituição que não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a classe possuidora explorar aquela que pouco ou nada possuía e a dominação da primeira sobre a segunda. E essa Instituição nasceu. Foi inventado o Estado (ENGELS, 2006, p. 115).

Das afirmações de Engels (2006), depreende-se que o Estado, como limitador das condutas sociais, é o produto e a criação dessa mesma sociedade. Ele adquire personificação quando a sociedade alcança, conjuntamente, um determinado grau de desenvolvimento em suas relações interpessoais, e desequilíbrio quando esse mesmo agrupamento de homens não consegue dialogar em igualdade de condições e desenvolve conflito e oposição entre as classes e estamentos6 formados.

6 “Estamento é camada social, semelhante à casta, porém menos fechada. O estamento (estate, état,

stand) é menos fechado do que a casta e não é ritualizado como esta. Contatos físicos com membros de outros estamentos não poluem o indivíduo e não envolvem a necessidade de ritos expiatórios. Essa diferença faz com que os estamentos sejam menos segregados uns dos outros do que as castas. Outro característico do estamento é o conceito específico de honra. Esse conceito determina não somente o modo de viver materialmente, mas também a admissibilidade de certas atividades, assim como a maneira de exercê-las. A sociedade feudal da Idade Média ocidental constitui exemplo de uma sociedade estratificada em estamentos. Os estamentos da sociedade feudal não foram castas, porque a nobilitação assegurava o acesso às camadas superiores da sociedade. Além disso, faltava-lhes o ritual que caracteriza as castas indianas (E.W.) V. estratificação social, classe social” (WILLEMS, 1961, p. 122).

O Estado é o produto da sociedade quando esta conquista determinado grau de desenvolvimento, criado quando a comunidade se encontra enredada em contradições provocadas por ela mesma, por meio de suas classes e estamentos sociais. Apresenta-se com poder aparentemente acima da sociedade, pois, na realidade, é criado para dar sustentabilidade ao domínio da classe dominante sobre a classe dominada, tendo em vista ser concebido para amortecer o choque entre as várias classes sociais, a fim de manter a sociedade dentro de determinados limites e conservação da ordem.

E como o Estado surgiu das classes sociais para dirimir o conflito entre as várias camadas sociais, ele representa a classe mais poderosa economicamente, a classe dirigente7. Classe que por intermédio do Estado, adquire o status da classe politicamente dominante, passando a deter os meios de repressão e exploração das classes oprimidas.

Assim, o Estado antigo era, sobretudo, o Estado dos donos de escravos para manter os escravos subjugados, tal como o Estado feudal era o órgão de que se valeu a nobreza para manter a submissão dos servos e camponeses dependentes. E o moderno Estado representativo é o instrumento da exploração do trabalho assalariado pelo capital (ENGELS, 2006, p. 183).

O Estado é representado, na maioria das vezes, pelo domínio e a ideologia das classes dominantes, social e economicamente constituídas sobre as classes menos favorecidas. Esse processo ideológico, segundo Mészáros (2004), é aquele sistema socialmente estabelecido e preponderantemente proposto pela classe superior, que exerce sua influência de modo a apresentar, ou mesmo desviar, suas próprias regras de seletividade, preconceitos e distorções sistemáticas, a fim de serem entendidas como normais e legítimas pelas demais classes subalternas. A determinação ideológica dos valores instituídos pelas classes dominantes é tão intensa que as classes dominadas são levadas a aceitar sem qualquer questionamento as diretrizes como legitimas a todos, sem ter consciência da manipulação.

Naturalmente, aqueles que aceitam de modo imediato a ideologia dominante como a estrutura objetiva do discurso ‘racional’ e ‘erudito’ rejeitam como ilegítimas todas as tentativas de identificar os pressupostos

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“O Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns” (MARX e ENGELS, 1998, p. 76).

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ocultos e os valores implícitos com que está comprometida a ordem dominante (MÉSZÁROS, 2004, p. 58).

Infiltram-se os discursos ideológicos nos mais variados segmentos sociais, tendo em vista o domínio que apresentam sobre as instituições sociais e políticas da sociedade, robustecendo-se na relação de forças que se estabelece. Tal sistema de medidas sociais, movido pela ideologia, é viciosamente tendencioso. A ordem dominante precisará aplicar, para si mesma, critérios radicalmente diferentes dos aplicados para aqueles que devem ser mantidos em posição subordinada. Transformam-se estas classes, fortificadas pelo Estado, nas camadas sociais politicamente dominantes, tendo em vista o empoderamento que lhes é outorgado pela exploração dos segmentos sociais inferiores.

No Estado moderno, tem-se o poder ideológico determinante das condutas da maioria da sociedade, legitimadas pela sua aprovação e aceitação, tendo em vista que “onde há governantes e governados, onde há homens que mandam e homens que obedecem, há os que detêm o poder e os que a ele se sujeitam” (BONAVIDES, 2004, p.108).

O Estado atua no ambiente coletivo quando necessário, com imperatividade e firmeza, na formação de um círculo de segurança e ação. Neste se movimentam outros círculos menores, dele dependentes ou a ele acomodados, cujas existências passam a ganhar certeza e personificação, na imposição de condutas limitadoras, fundadas em pressupostos legais de coerção (ALTHUSSER, 1980).

Nesse sentido, é imprescindível reanalisar o significado do poder do Estado por meio de seus aparelhos repressivos e ideológicos. E, de que forma esses últimos serão necessários para a sustentação do Estado como representação do poder, de domínio da classe dominante sobre as classes dominadas.

O aparelho repressivo do Estado, que age mediante a força pública institucionalizada, compõe-se, exemplificativamente, do governo e da administração, assim como das várias formas de expressão do poder de polícia e até mesmo das instituições prisionais. Não obstante, o aparato ideológico de poder se apresenta, na maioria das vezes, sob a forma privada, por intermédio de instituições distintas e especializadas, como os templos religiosos, os sindicatos, as escolas e outras mais, que atuarão para fortificar as ideias do grupo dominante pelo proselitismo ideológico. Para Althusser (1980, p. 49), “nenhuma classe pode duravelmente deter o poder de Estado sem exercer simultaneamente a sua hegemonia sobre e nos

Aparelhos Ideológicos de Estado”. Sob tal perspectiva, percebe-se a grande importância que os aparelhos ideológicos exercem na sustentação do poder do grupo dominante, pela figura e representação do Estado.

Observa ainda Althusser (1980) que:

[...] o papel do Aparelho repressivo do Estado consiste essencialmente, enquanto aparelho repressivo, em assegurar pela força (física ou não) as condições políticas da reprodução das relações de produção que são em última análise relações de exploração. Não só o aparelho de Estado contribui largamente para se reproduzir a ele próprio, mas também e sobre tudo, o aparelho de Estado assegura pela repressão, as condições políticas do exercício dos Aparelhos Ideológicos de Estado. São estes de fato que asseguram, em grande parte, a própria reprodução das relações de produção ‘escudados’ no aparelho repressivo do Estado. [...] É por intermédio da ideologia dominante que é assegurada a ‘harmonia’ (por vezes precária) entre o aparelho repressivo de Estado e os Aparelhos Ideológicos de Estado, e entre os diferentes Aparelhos Ideológicos do Estado (ALTHUSSER, 1980, p. 55).

Desse modo, a lei é uma afirmação do grupo de poder para manter a ordem ditada, usando, se necessário, a força física ou psíquica para a conformidade dessa imposição ou mesmo de sanções pela sua violação. Influi a lei, então, na estrutura de toda a ordem jurídica para a distribuição do poder político ou ideológico.

Nesse sentido, entende-se poder como a possibilidade de realização da vontade própria, de um indivíduo ou de um grupo, em uma ação comunitária, até mesmo contra a resistência de outros que participem da ação (WEBER, 2013).

Na verdade, o homem não luta apenas pelo poder com o objetivo de enriquecer. Essa busca é também condicionada pelas “honras sociais” que traduzem a forma pela qual as benesses sociais são distribuídas numa comunidade, entre grupos típicos que participam dessa distribuição, chamada ordem social. Weber (2013, p. 127) explica que: “a ordem social é a forma pela qual os bens e serviços são distribuídos e usados. Nesse sentido classes e estamentos são fenômenos da distribuição de poder dentro de uma comunidade”.

Apoiadas nos elementos de distribuição do poder, pode-se entender que as classes sociais são bases possíveis e frequentes pelas quais se manifestará a ação comunal, delimitadora das condições de vida e de experiências de uma determinada sociedade. Da mesma forma, os estamentos são os portadores específicos de todas as convenções, manifestas pelo estilo de vida adotado pelo grupo.

O aparelho repressivo do Estado, que agrega o governo, a administração e a jurisdição, tem a função de garantir, pela coerção e ideologia, as condições políticas

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da reprodução dessa relação. A ideologia passa, assim, a ter uma função de extrema significância à classe dominante, na medida em que garantiria seu status de poder. Como ela está presente na formação das classes sociais por meio da instauração dos aparelhos ideológicos do Estado, preservaria as condições de reprodução de dominação e poder.

Assim, os indivíduos, considerados “bons sujeitos” pela ideologia da classe dominante, serão aqueles que seguem os modelos propostos pelo sistema, ou seja, aqueles que não contestam os padrões e as concepções determinadas e que livremente se submetem aos padrões ditados pelo grupo de poder. Em contrapartida, os “maus sujeitos”, são aqueles ainda não subsumidos à ordem dominante e que necessitam do aparato repressor do Estado para moldá-los (WEBER, 2013). É por meio do aparelho político do Estado que se garantirá a reprodução das competências entre as classes e os segmentos de classe.