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Os intelectuais orgânicos funcionais e suas atribuições

Considera-se a grande importância que terão os intelectuais orgânicos funcionais como instrumentos de coerção à classe dominante (GRAMSCI, 2000). Esta, para se sustentar no poder, utilizar-se-á desses teóricos para a sujeição das massas a seus determinismos nos processos de alienação.

Todo o grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também social e político. [...]Formam-se assim, historicamente, categorias especializadas para o exercício da função intelectual; formam-se em conexão com todos os grupos sociais, mas sobre tudo em conexão com os grupos sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante. Uma das características mais marcantes de todo o grupo que se desenvolve no sentido do domínio é sua luta pela assimilação e pela conquista ‘ideológica’ dos intelectuais tradicionais, assimilação e conquista que são tão mais rápidas e eficazes quanto mais o grupo em questão for capaz de elaborar simultaneamente seus próprios intelectuais orgânicos (GRAMSCI, 2000, p.15; 18).

A ideologia elaborada pelo grupo que se firma no poder tem sua sistematização feita pelos seus intelectuais (GRAMSCI, 2000). A finalidade é desenvolver fundamentações teóricas que confirmem e legitimem princípios, ideais, convicções, crenças e representações cultivados por essa classe, além de justificar sua atuação dominante como válida e real a ser seguida por todos.

Essa sujeição é assegurada por meio de aparelhos ideológicos. Seus intelectuais criarão teorias com o objetivo de persuadir e convencer as classes subalternas de sua desigualdade, em decorrência da condição social de nascimento ou como consequência do talento pessoal e subjetivo de cada indivíduo.

A ideologia burguesa, através de seus intelectuais, irá produzir ideias que confirmem a alienação, fazendo, por exemplo, com que os homens creiam que são desiguais... [...] Ou então, faz com que creiam que são desiguais por natureza, mas que a vida social, permitindo a todos o direito de trabalhar, lhes dá iguais chances de melhorar – ocultando, assim que os que trabalham não são senhores de seu trabalho e que, portanto, suas ‘chances de melhorar’ não dependem deles, mas de quem possui os meios e condições de trabalho. Ou, ainda, faz com que os homens creiam que são desiguais por natureza e pelas condições sociais, mas que são iguais

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perante a lei e perante o Estado, escondendo que a lei foi feita pelos dominantes e que o Estado é instrumento dos dominantes (CHAUÍ, 1994, p. 79).

Essa alienação gerada pela ideologia não é um processo social, coletivo e integral que se produz, espontaneamente, pela inexatidão da percepção das ideias que os homens fazem da sua realidade. É, na verdade, própria da ação do grupo dominante que, utilizando dos intelectuais orgânicos funcionais (GRAMSCI, 2000), inserirá teorias que naturalizam a desigualdade entre os cidadãos e justificam o processo de submissão das classes subalternas à classe dominante, a fim de que creiam serem reais e significativas para todos.

Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência, e consequentemente pensam; na medida em que dominam como classe e determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é evidente que esses indivíduos dominam em todos os sentidos e que tem uma posição dominante, entre outras coisas também como seres pensantes, como produtores de ideias; que regulamentam a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época; suas ideias são, portanto as ideias dominantes de sua época (MARX, 1998, p. 48).

A inculcação feita pelos intelectuais orgânicos funcionais (GRAMSCI), submete a massa, que passa a acreditar que todos terão as mesmas “chances de prosperar”. No entanto, justamente devido à desigualdade no Brasil, muitos nem finalizam a educação básica e já são introduzidos no mercado de trabalho. Uma pequena parcela avança no processo de escolarização e alcança o nível superior, essa pequena parcela pertence à classe dominante, “atinge o vértice da pirâmide escolar. Estes vão ocupar os postos próprios dos ‘agentes da exploração’ (no sistema produtivo) dos ‘agentes da repressão’ (nos aparelhos repressivos do Estado) e dos ‘profissionais da ideologia’ (nos aparelhos ideológicos de Estado)” (SAVIANI, 2012, p. 22).

Na verdade, esse processo de controle ideológico, desenvolvido pelos intelectuais orgânicos funcionais (GRAMSCI), manipulará todo o corpo social para que os indivíduos creiam que as verdades proclamadas e sustentadas pelo grupo dominante sejam a verdade de todos.

Os intelectuais são os ‘comissários’ do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso ‘espontâneo’ dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce ‘historicamente’ do prestígio (e, portanto, da confiança) que o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função

no mundo da produção; 2) do aparato de coerção estatal que assegura ‘legalmente’ a disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo (GRAMSCI, 1978, p. 11).

Isso significa que, mesmo que se conheça a divisão de classes na sociedade, tendo cada qual a sua própria orientação e formação, a dominação intelectual da classe dominante sobre as demais fará com que só sejam consideradas as ideias apresentadas pelos detentores dos bens materiais, a classe privilegiada.

Para que isso efetivamente ocorra, é fundamental que as massas não percebam a incontestabilidade dessa divisão social, imprimindo-se à coletividade a ideia de que todos são iguais.

A classe dominante age para que os “desiguais” creiam que essas diferenças não provêm efetivamente da divisão de classes, mas de suas desigualdades pessoais (ROUSSEAU, 2007). Portanto, estas são consideradas como desigualdades menores e irrelevantes para serem mudadas.

É fundamental o poder simbólico14 dos aparelhos ideológicos, tais como a igreja, as escolas e os sindicatos, entre outros. O objetivo é instrumentalizar e materializar as ideias e doutrinas levadas a efeito pelos intelectuais orgânicos funcionais, para convencer as massas de que tais ideias não emanam do grupo dominante, mas são decorrentes do pensamento e da inspiração de toda a sociedade (GRAMSCI, 2000). “Todos esses procedimentos consistem naquilo que é a operação intelectual por excelência da ideologia: a criação de universais abstratos, isto é, a transformação das ideias particulares da classe dominante em ideias universais de todos” (CHAUÍ, 1994, p. 95).

Esses intelectuais são membros provindos da classe dominante ou da classe média, aliados naturais da classe hegemônica que, incumbidos de seu papel, sistematizam as ideias de dominação, agregando “verdades” como representações coletivas e universais para todos.

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“O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder: só se pode passar para além da alternativa dos modelos energéticos que descrevem as relações sociais como relações de força e dos modelos cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na condição de se descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de

eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objetivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia” (BOURDIEU, 2002, p. 15).

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Independentemente das teorias que julgam que o homem é resultado de um longo processo de evolução ou da representação do mundo ditado por normas e leis sociais, os indivíduos são moldados inconscientemente, conforme cada época, por meio de esquemas de pensamento que adaptam o real a aquilo que é socialmente aceito como real.

Inculca-se o pensamento em toda a coletividade, sem que os indivíduos tomem conhecimento dessa manipulação, impondo “de maneira tanto mais total por não haver a necessidade de ser explícita uma vez que ela [a manipulação] aparece como se estivesse depositada nos instrumentos de pensamento que os indivíduos recebem no curso de sua aprendizagem intelectual” (BOURDIEU, 2015, p. 212). É neste sentido que a escola desempenhará o papel de manipuladora de poder da classe dominante na subjugação das classes dominadas.