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Como se verifica, a ideologia é a representação das ideias que envolvem o espírito do homem ou de um grupo de homens em um dado momento temporal e espacial. Tais convicções representam as concepções que os homens absorvem do mundo que os cerca, a partir das imagens que fazem da sua realidade.

Essas imagens podem não refletir a realidade, mas podem estar eivadas de representações falseadas do mundo, à medida que a classe dominante tem o poder de inserir, mediante seu aparato ideológico, a conduta a ser seguida por toda a coletividade. O grupo hegemônico terá a possibilidade de “moldar” e reestruturar as ideias e imagens do mundo real, criando suas próprias verdades.

Assim, os vários aparelhos ideológicos, como a igreja, a escola, a família, a cultura e o sindicato, traduzirão a sua ideologia, assegurada pela subsunção à aquela dominante. Como realça Althusser (1980, p. 78), “estas concepções do mundo são na sua grande parte imaginárias, isto é, não correspondentes à realidade”, e por interesse do grupo dominante são impostas ideias e pensamentos a serem seguidos pela coletividade.

As causas de deformação da realidade se fundamentam em dois grandes pressupostos: a ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência e tem uma existência material (ALTHUSSER, 1980).

Primeiramente, fundamentar-se-ia na existência do grupo detentor do poder que, assentado na sua dominação, cria representações falsas do cotidiano, a fim de subjugar os demais, dominando-os por meio de representações irreais, das imagens sociais. O autor esclarece que

[...] toda a ideologia representa, na sua deformação necessariamente imaginária, não as relações de produção existentes (e as outras relações que delas derivam), mas antes de mais a relação (imaginária) dos indivíduos com as relações de produção e com as relações que delas derivam. Na ideologia, o que é representado não é o sistema das relações reais que governam a existência dos indivíduos, mas a relação do imaginário destes indivíduos com as relações reais em que vivem (ALTHUSSER, 1980, p. 82).

Já o segundo pressuposto, que justifica a deformação do imaginário da coletividade, assenta-se na alienação material baseada nas condições de desigualdade existencial dos homens em sociedade. Essa materialidade se traduz pela assimilação que o indivíduo fará das ideias a ele apresentadas. Uma vez assimiladas, ele as compreenderá, inscrevendo-as nos atos de sua prática cotidiana e material. “Assim estabelecido, o comportamento do dito sujeito, decorre naturalmente” (ALTHUSSER, 1980, p. 86).

A fim de melhor esclarecer essa contextualização, se o indivíduo crer no dever, terá comportamentos correspondentes inscritos nas práticas cotidianas, entendidos como válidos, conforme os ritos e costumes da maioria. Da mesma forma, se acreditar na justiça, submeter-se-á às regras do direito, criadas pelo grupo.

Althusser (1980, p. 86) declara que

[...] todo o sujeito dotado de uma consciência e crendo nas ideias que a sua consciência lhe inspira e que aceita livremente, deve agir segundo as suas ideias, deve, portanto, inscrever nos atos da sua pratica material as suas próprias ideias de sujeito livre.

Isto significa que o indivíduo, ao admitir algo como real, deixa de ser apenas indivíduo para se tornar sujeito com consciência. Esta consciência lhe dará capacidade de discernir e distinguir com clareza os valores morais e sociais que entender relevantes para sua vida em sociedade.

Aliás, é próprio da ideologia impor (sem o parecer, pois que se trata de evidências) as evidências como evidências, que não podemos deixar de reconhecer, e perante as quais temos a inevitável reação de exclamarmos (em voz alta ou no silencio da consciência): é evidente! É isso! Não há dúvida! (ALTHUSSER, 1980, p. 97).

É por essa razão que Althusser (1980, p. 94) enfatiza que “o homem é por natureza um animal ideológico”, quando suas práticas ideológicas são aceitas e estabelecidas pela coletividade, pois já estavam sedimentadas na comunidade muito antes de o indivíduo vir ao mundo.

O homem, ao nascer, ocupará seu lugar no concreto social, o que lhe possibilitará vivenciar, desde os primeiros anos de vida, os rituais próprios da sua vida em comunidade, tais como ter um nome familiar ou mesmo pertencer a uma classe social.

Marx e Engels mostram que as relações dos indivíduos com sua classe é uma relação alienada. Ou seja, assim como a Natureza, a Sociedade e o

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Estado aparecem para a consciência imediata dos indivíduos com os poderes separados e estranhos que os dominam e governam, assim também a relação dos indivíduos com a classe lhes aparece imediatamente como uma relação com algo já dado e que os determina a ser, agir e pensar de uma forma fixa e determinada (CHAUÍ, 1994, p. 77).

Percebe-se que essa consciência social só existe pela constituição dos sujeitos concretos em sujeitos ideologicamente envolvidos nas práticas sociais, o que lhes enseja assimilar as regras e condutas transmitidas pelos aparelhos ideológicos.

Para que ocorra esse processo ideológico, segundo Althusser (1980), é necessário que: haja a interpelação dos indivíduos como sujeitos; ocorra a submissão desses ao sujeito (entendido aqui como o grupo que está no poder) e exista o reconhecimento e inculcação de todos quanto ao papel que ocupam na sociedade, sem qualquer oposição.

Os sujeitos ‘andam’, ‘andam sozinhos’ na imensa maioria dos casos, com exceção dos ‘maus sujeitos’, que provocam a intervenção deste ou daquele destacamento de aparelho (repressivo) de Estado. Mas a imensa maioria dos (bons) sujeitos anda bem ‘sozinha’, isto é, pela ideologia (cujas formas concretas são realizadas nos Aparelhos Ideológicos de Estado). Inserem-se nas práticas, regidas pelos rituais dos AIE. ‘Reconhecem’ o estado de coisas existes (das Bestehende), que ‘é verdade que é assim e não de outra maneira’ [...] o indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para que se submeta livremente à ordem do Sujeito, portanto para que aceite (livremente) a sua sujeição, portanto para que ‘realize sozinho’ os gestos e os atos da sua sujeição (ALTHUSSER, 1980, p. 112; 113).

Na verdade, essa subsunção do sujeito ao “sujeito” só existe por causa da luta de classes sociais e na forma pela qual a ideologia da classe dominante se realiza e se fortifica pelos aparelhos ideológicos.

A classe hegemônica se torna dominante quando se concretiza a subjugação das classes dominadas, e os aparelhos ideológicos cumprem o papel de dominação, como elementos de sujeição de sujeitos concretos em sujeitos ideológicos.

A ideologia é uma constância nas relações humanas. Não tem história, está dentro do homem e manifesta-se pela representação imaginária que o indivíduo faz de suas relações existenciais, interpelando-se numa dialética constante. Essa ideologia materializa-se nos aparelhos ideológicos e nas suas práticas, pela sujeição e assimilação do outro por meio de toda uma ação política.

Tanto a ideologia quanto os aparelhos ideológicos do Estado serão fundamentais como alicerces do social, coesos à classe dominante, para superar

determinadas restrições e resistências sociais, a fim de sujeitar os indivíduos ao determinismo da classe dominante.