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2. SONHANDO A ESCOLA

2.4 A PROPOSTA

2.4.1 A Escola em Questão – a Experimental

A Escola Experimental é localizada no bairro de Vila Laura, Salvador-BA, bairro considerado de classe média, característico por ser domiciliar e pela presença de muitas escolas. A Experimental contempla os ensinos infantil e fundamental I (até o 5º ano), foi fundada há cinquenta e quatro anos e apresenta como principal aspecto o fato de ser a primeira escola autodenominada construtivista da Bahia. A história, segundo a revista comemorativa do cinquentenário da escola, se iniciou quando a fundadora Amabília Almeida, professora primária da rede pública e militante da categoria no período do regime militar, que após perder o direito de exercer uma função pública com suspensão dos direitos políticos, se propôs a criar uma escola que pretendia “praticar a liberdade de pensamento e formar alunos como verdadeiros cidadãos.” (EXPERIMENTAL, 2015, p. 07).

A idealizadora da escola é defensora do modelo de educação marcado pela educação em tempo integral e que se importa com as condições e oportunidades de desenvolvimento da criança, implantado pelo educador Anísio Teixeira, seu mentor nos tempos em que ela trabalhou na Escola Parque, também em Salvador-BA. As principais inspirações e bases teóricas de Amabília na construção do projeto político- pedagógico da Experimental são o próprio Teixeira, Paulo Freire e Rubem Alves, bem como Jean Piaget, Henry Wallon e Lev Vygotsky, tríade de pensadores defensores de

uma aprendizagem interacionista, estruturantes para o entendimento do modelo construtivista.

Para explicar melhor o modelo, Mario Carretero, professor e pesquisador da Universidade Autônoma de Madrid (ES), apresenta o conceito de construtivismo

Que é o construtivismo? Basicamente se pode dizer que é a ideia que sustenta o indivíduo – tanto nos aspectos cognitivos e sociais do comportamento como nos afetivos – não é um mero produto do ambiente nem um simples resultado de suas disposições internas, mas, sim, uma construção própria que vai se produzindo, dia a dia, como resultado da interação entre esses dois fatores. Em consequência, segundo a posição construtivista, o conhecimento não é uma cópia da realidade, mas sim uma construção do ser humano. Com que instrumentos a pessoa realiza tal construção? Fundamentalmente com os esquemas que já possui, isto é, com o que já construiu em sua relação com o meio que a rodeia. (CARRETERO, 1997, p. 10)

Na proposta construtivista há uma busca de entender o professor como um mediador e fomentador de situações que permitam conflitos e promovam o processo de aprendizagem do aluno, valorizando a sua individualidade, o desenvolvimento do seu raciocínio lógico e da sua capacidade de julgar e argumentar.

Existe vasta literatura sobre o construtivismo e as aproximações de Jean Piaget, Henry Wallon e Lev Vygotsky. De modo bastante sintético, é possível elencar as principais contribuições dos autores a fim de não me aprofundar nas questões relativas às complexidades de abordagem, somente com objetivo de contextualização. Piaget, teórico que fundamentou os princípios do construtivismo, que propôs as fases de desenvolvimento da mente da criança, com atenção diferenciada às etapas de processo de ensino-aprendizado escolar. O autor também investigou o desenvolvimento intelectual e emocional do sujeito, concebendo a ideia de equilíbrio e equilibração, que consiste num processo em que o aluno é estimulado pelo professor em diversos momentos do seu desenvolvimento cognitivo a sair da sua zona de conforto para lidar com novas circunstâncias de aprendizado e assim criar uma zona de conforto ao ampliar sua base prévia de conhecimentos

Em complementação aos estudos de Piaget, as teorias de Vygotsky (1896-1934) visam fomentar educadores a refletirem sobre as relações estreitas entre o processo de ensino-aprendizado e os fatores socioculturais. A partir da interação social (sujeito- ambiente) é possível trabalhar com o “espaço” que se firma entre o pensamento potencial (em desenvolvimento) do sujeito e o seu pensamento real (desenvolvido),

denominado Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Para ter esse espaço em vista, os educadores devem observar e analisar os alunos e saber atuar adequadamente nos estágios de aprendizado e assim propiciar oportunidades de interação entre os alunos que, por sua vez, possam estimular o aprendizado entre si de uma fase potencial para uma nova fase real.

Para Wallon, o conceito de afetividade diz respeito a característica de contágio que as emoções possuem e que refletidas no meio social ocasionam novas emoções nos sujeitos envolvidos. Deste modo, o ambiente de situações dos sujeitos é fruto da qualidade das emoções propagadas.

É possível concluir, a partir desses conceitos, que o ambiente escolar é crucial para a criança e para o jovem cidadão, visto que supostamente nesse espaço tem-se liberdade para questionar, pesquisar, construir conhecimento, se autoafirmar, exercer liberdade criativa, em suma, para o desenvolvimento integral do sujeito. É possível verna Figura 5 alguns dos valores que a escola preza no processo formativo dos alunos.

Figura 4 - Escada principal da Escola Experimental

Fonte: Acervo pessoal

A prática pedagógica da escola em questão tem como pilar a pedagogia de projetos, que segundo a concepção de Fernando Hernandez (1998), tem a função de propiciar a criação de mecanismos de organização dos conhecimentos escolares no que diz respeito ao trato da informação e a relação com os diferentes conteúdos em torno de problemas ou questões hipotéticas que contribuam para que os alunos construam seus conhecimentos.

Nesse sentido, o projeto político-pedagógico da escola acaba sendo um “documento vivo”, segundo a diretora Thais Costa (EXPERIMENTAL, 2015), que a partir do referencial curricular e fundamentado nos autores do construtivismo, deve fazer sentido para professores e alunos e que está sempre em fase de aprimoramento, reavaliando práticas e métodos didáticos. Segundo a diretora:

Tais estratégias só podem ser devidamente pensadas por meio de um planejamento detalhado e reflexivo, pautado na ousadia e na criatividade, pois cada situação de aprendizagem deve ter uma abordagem metodológica que considere todos os fatores antes apontados de forma criativa, lúdica e motivadora. (EXPERIMENTAL, 2015, p. 23)

Assembleias escolares são um exemplo de procedimentos curriculares da instituição que têm como objetivo democratizar as relações e resolver conflitos na sala de aula e da escola como um todo. Os professores e todos os alunos do grupo se reúnem periodicamente (e/ou caso haja uma situação demandada) a fim de apresentar temas, discutir e propor soluções coletivas que favoreçam a convivência, organização escolar e as relações interpessoais no âmbito de cada classe.

Outro aspecto importante de ser dito é que faz parte da política da escola um incentivo a postura do professor pesquisador e, para garantir isso, busca-se promover uma formação continuada desses profissionais ao longo do ano letivo. Cursos fora da escola são disponibilizados para alguns professores que tem a missão de socializar a experiência com os colegas, além de atividades de formação interna que ocorrem junto com gestores e equipe especializada. A maior parte do conteúdo dos cursos tem natureza na psicologia da educação e diz respeito a praticas de orientação educacional, gestão de conflitos e abordagens do desenvolvimento da criança. O site da escola aponta duas formações ligadas a arte, uma sobre ensino de arte a partir dos PCNs e outra abordando a arte como desenvolvimento das inteligências múltiplas. Leia-se que esses conteúdos de arte, mesmo postos de modo abrangente, estão mais atrelados aos de Artes Visuais do que de teatro, visto que os ministrantes tem formação e produção de conteúdo na primeira modalidade artística.

Gostaria de fazer uma ponderação acerca da corrente pedagógica construtivista referida pela Escola Experimental. Desde a sua fundação, como mencionado pela sua mentora professora Amabília, a Experimental nasceu conectada com os princípios do construtivismo e de seus principais autores base. Como podemos perceber no projeto atual, sua configuração apresenta forte indício de adaptações da proposta construtivista à realidade local. O uso de fardas, a regulação mais rígida de um cronograma de aulas, o controle e aprovação por parte da direção dos materiais propostos pelos professores (como aprovação do texto teatral para a mostra) refletem incorporação de características de escolas privadas convencionais de Salvador. Acredito ser importante essa estratégia adaptativa com o propósito de dimensionar a

implementação do construtivismo no espaço, já que houve razões para impossibilidade ou inviabilidade de cumprimento à risca da proposta original - o que não pretendo discutir nesse trabalho. A pontuação é pertinente para perceber como essas adaptações acabam interferindo na visão de arte da escola.