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3. SONHANDO O PROCESSO CRIATIVO – CORDEL DO SONHO SEM

3.2 O PERCURSO ARTÍSTICO PEDAGÓGICO

3.2.3 Elementos de colaboratividade dramatúrgica

As condições prévias para a preparação do processo de criação com os alunos em sala de aula partiram de escolhas não colaborativas. A escolha do tema gerador “Sonho”, que partiu de mim, das minhas inquietações enquanto artista (já delineadas no capítulo introdutório) e a escolha do texto teatral sugerido pela professora regente da turma (Cordel do Amor sem Fim de Cláudia Barral), considerado uma novidade na tradição de montagens teatrais da escola a partir de textos literários. Desse modo, sinto a necessidade de compartilhar algumas informações sobre o texto e autora.

Dramaturga, roteirista, contista e poetisa natural de Salvador-BA, Cláudia Barral é formada em Interpretação Teatral pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, mesma universidade em que me graduei e onde realizo essa pesquisa, além de possuir formação internacional na Academia de Arte de Moscou e em Roteiro pela Academia Internacional de Cinema. Sua produção em dramaturgia recebeu diversas premiações, destacando O Cego e o Louco (Prêmio Copene 2000, que possui versão roteirizada para a TV Cultura em 2007), Cordel do Amor sem Fim (Prêmio Funarte 2004; Indicação ao Prêmio de Melhor Texto no Festival Internacional de Angra dos Reis, 2013) e Hotel Jasmim (Prêmio Heleny Guariba de Dramaturgia Feminina, 2013), este último com curta de mesmo nome.

Também tem um repertório de experiências13 em dramaturgia e colaboração para grupo teatrais brasileiros, entre montagens, leituras dramáticas e filmagens. Seus textos teatrais têm produções no Brasil, Portugal, Alemanha e Itália. Com a premiação do texto Cordel do Amor sem Fim, o texto conseguiu ser acessado no âmbito nacional, ocasionando uma numerosa quantidade de montagens por grupos teatrais, desde 2006 até então.

13 Cláudia acumula, entre outras, colaborações com a Casa Laboratório ("Estudo sobre o Urbano / Figurantes", 2008) e “Cambaio” (2000), musical de Chico Buarque de Holanda e Edu Lobo, com direção de João Falcão.

Na trama original de Cláudia Barral, Cordel do Amor sem Fim, Carminha e Madalena são irmãs de Teresa e moram em Carinhanha, numa cidade em pleno sertão nordestino. Teresa, a mais nova, acaba se apaixonando por um viajante, que promete busca-la. A história se desenvolve a partir da espera de Teresa pela volta do seu amado e das relações das irmãs diante dessa atitude da caçula. E chega ao clímax quando José, amigo da família e eterno apaixonado por Teresa, confessa a Madalena ter matado o viajante, a paixão da amada. A história se finda de modo surpreendente, com Madalena omitindo o acontecimento para Teresa, deixando a irmã ter sempre a esperança de que seu amor irá, em algum dia, voltar para busca-la.

De forma altamente poética, sem obrigatoriedade de cumprir as rimas, a estrutura de cordel e diálogos, com canções escritas por Claúdio Barral, remonta uma linhagem dramatúrgica que reverencia a cultura popular nordestina e foi inspirada nas memórias do seu pai, que morou em Carinhanha-BA, cidade do sertão baiano próxima ao Rio São Francisco. Os temas do amor, o infinito, o sertão, se relacionam enquanto ação, tempo e lugar, respectivamente, na construção poética da dramaturgia, em que o amor de Teresa representa uma força de transformação, de uma esperança de uma realidade que não teme o sonho.

O desenrolar da história entre as irmãs se relaciona com as projeções dos sonhos que as irmãs fazem da espera de Teresa. Carminha, a irmã do meio, incentiva a irmã a aguardar pelo seu amor para que José, a quem Teresa estava prometida, possa descobrir seu amor misterioso. Já Madalena tenta dissuadir a caçula dessa espera para que ela se case com José e partilhe os próprios sonhos não realizados.

Ao identificar as conexões entre o tema gerador e o texto original, compreendi a potência para se desdobrar em uma livre adaptação a partir de uma escrita processual denominada Cordel do Sonho sem Fim.

Entendendo que, naquele momento, não tínhamos tempo para estudar toda a obra original de modo mais consistente em grupo, então resolvi propor uma sequência de aulas focadas em obter material cênico a fim de estruturar um roteiro a partir de uma gama de recursos metodológicos em que, através da cena, a história pudesse ser recriada. Esse encaminhamento exigia de mim uma postura ativa no registro das proposições de cena dos alunos para organizar as ideias em roteiro e propor um novo texto.

Nessas aulas, durante a criação, me posicionei como condutora e mediadora do processo artístico-pedagógico, mas estive especialmente como dramaturgista. Segundo Fischer (2010) o dramaturgista

[...] é o responsável pela textualização da encenação, partindo e intervindo na criação durante os ensaios, em parceria com a equipe criadora. Da fase preparatória, até a realização concreta da produção, o dramaturgista tem a função de assistir o diretor e atores na pesquisa por soluções e sentidos da obra. Sua tarefa é participar e coordenar as pesquisas teóricas, conceber textos a partir da ideia da cena, traduzir e adaptar textos quando necessário, pautando sua criação na necessidade do coletivo. (2010, p. 188)

O trabalho em sala consistia em anotar as ideias-eixo das improvisações dos alunos, frases interessantes dos depoimentos das rodas de avaliação ou das dinâmicas realizadas que poderiam contribuir para a construção dramatúrgica do processo. Os registros do processo eram feitos através de fotos, gravação de vídeos no celular e murais que davam forma à documentação, na tentativa de ordenar a narrativa. Essa ordenação móvel dialogava diretamente com a qualidade das proposições dos alunos. A tentativa de ordenar acabava favorecendo um estado de abertura do roteiro com ideias propostas, a organização de uma estrutura dramatúrgica flexível. No entanto, o processo de adaptação e as circunstâncias já dadas exigiam um preparo prévio da minha parte como professora-dramaturgista no que diz respeito ao entendimento da obra original, a fim de facilitar a identificação da narrativa e dinamizar a adaptação.

Para facilitar no processo, estudei o texto original pontuando as informações e estruturas dramatúrgicas que poderiam ser mantidas na adaptação. Os personagens da história original, bem como os seus conflitos iniciais, por exemplo, foram mantidos. No entanto, o enredo restante e a finalização ficariam a cargo das experimentações compartilhadas com caráter improvisacional e da sedimentação dos elementos presentes no bloco de coleta14 no círculo de sonhos e dos elementos de criação dramatúrgica.

Para facilitar o entendimento dos dispositivos de experimentação compartilhadas para criação dramatúrgica, foi importante visualizar as escolhas de investigação: círculo de sonhos, texto como pré-texto, pacote de estímulos, sinopse aberta, música

e jogos improvisacionais, a fim de, na duração desse processo, dispor material e estímulos para reescrita da narrativa do texto e na encenação.

3.3 PERCURSO ARTÍSTICO PEDAGÓGICO DO CORDEL DO SONHO SEM FIM