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3. SONHANDO O PROCESSO CRIATIVO – CORDEL DO SONHO SEM

3.3 PERCURSO ARTÍSTICO PEDAGÓGICO DO CORDEL DO

3.3.3 Pacote de estímulos

Em um outro dia da aula, quatro caixas são dispostas com objetos e curtas informações sobre cada um dos personagens. Cada grupo se responsabiliza por desvendar uma história através dos objetos. Qual a história por detrás de cada caixa? O que ela revela sobre cada personagem? Em seguida o grupo ordena um conjunto de situações que possam responder as perguntas em forma de uma curta história. As histórias criadas eram encenadas pelos grupos.

O pacote de estímulos compostos é oriundo do drama como método de ensino, prática teatral que tem no seu cerne a utilização de diferentes recursos como textos, imagens, temas, objetos, espaços de ambientação que propiciem o desenvolvimento de um processo de ações dramáticas. Esse processo pode favorecer ou não a construção de um produto cênico final. John Somers, um dos principais pesquisadores do método nascido na Inglaterra, em seu texto “Narrativa, drama e estímulo composto”, traduzido por Beatriz Cabral, diz que

O estímulo composto inclui diferentes artefatos – objetos, fotografias, cartas e outros documentos, incluídos em um container apropriado. A significância é dada pela justaposição cuidadosa de seu conteúdo – o relacionamento entre eles e o detalhe dos objetos sugere motivação e ação humana. Aqui reside o segredo da criação de um estímulo composto. (SOMERS, 2011, p. 179)

Segundo SOMERS (2011), as caixas devem ter objetos que se relacionem com cada elemento da história, estabelecendo conexões entre si que não sejam nem óbvias e nem distantes, e a partir do fluxo dessa rede de relacionamentos possa surgir a narrativa. O conteúdo de cada caixa é montado com objetos que tem relação com cada elemento de uma história única e é a partir dessa história que será criada uma narrativa. A caixa de estímulos traz sempre um elemento que pertenceu a alguém, ao passo que cada objeto traz pistas de como seria essa pessoa. Cada elemento na caixa se conecta com outro, mas não de uma forma óbvia, o que fomenta um ambiente de mistério e investigação, o que se torna motivador para construção dessa história.

De modo mais operacional, as caixas foram organizadas de acordo com cada um dos quatro personagens extraídos da história original: Madalena, Carminha, Teresa e José. Os elementos incluídos eram objetos que se relacionavam com características dos personagens e alguns registros textuais como um bilhete, uma receita e frases que se relacionavam (mas não repetiam) as propostas dos alunos das

aulas anteriores com os pré-textos. Os alunos sabiam que as caixas pertenciam aos personagens, mas não sabiam a qual e qual história por trás da caixa.

Na caixa de Teresa, por exemplo, continha entre alguns dos objetos uma pena de ave e um pedaço de um programa de divulgação de um espetáculo de teatro, que conectam a proposição resultante do pré-texto.

Figura 12 - Pacote de estímulos de grupo – Caixa de Teresa

Fonte: Acervo pessoal

Alusões poéticas foram feitas pelos alunos aos objetos: a pena como símbolo da liberdade, da vontade de Teresa viajar e ganhar o mundo e o programa de teatro como meio para atingir essa liberdade. As histórias encenadas pelos grupos já apontam para ordenação mais complexa da estruturação dramatúrgica, como nas particularidades das situações-problema dos personagens. Era necessário conectar as novas histórias das personagens para se ter uma ideia geral da narrativa. E assim, iniciamos a investigação e construção da narrativa geral.

Sinopse aberta da obra a partir da criação de narrativas com “O que, Quem, Onde”, indicadores de dramaturgia presentes nos jogos teatrais organizados por Viola Spolin:

Teresa é irmã de Madalena e moram juntas. Elas sentem falta de algo pra realizar. Teresa tem um grande sonho, Madalena já perdeu as esperanças. José acha que só pode realizar o sonho dele se for com Teresa. Teresa conhece outra pessoa, que acaba a inspirando a seguir o seu grande sonho. Madalena aconselha José a descobrir o que realmente ele almeja sem precisar de Teresa. José tenta sonhar junto com Teresa, não consegue e acaba atrapalhando a vida dela.

Teresa fica arrasada, que deixa José arrasado, que deixa Madalena indignada. Madalena pede a Teresa que não desista de sonhar por um motivo. Madalena se percebe voltando a sonhar, e, sem querer, inspira José e Teresa, que volta a sonhar. Todos se tornam felizes e esperançosos. (Sinopse adaptada modificando as razões dos personagens).

Para criação de uma sinopse da história foram mantidos os personagens eixo da história original, modificando as motivações de cada personagem a partir da pergunta: qual seria o sonho de cada um deles nessa história? Cada grupo recebia uma pequena sinopse escrita num papel com indicação de tempo (se ocorria nos tempos atuais ou algum tempo do passado) a partir da recriação da história e dos conflitos entre os personagens, com base nos sonhos de cada personagem. Cada grupo propôs uma versão para a história de acordo com a sinopse e improvisou uma cena a partir dela.

Figura 13 - Perguntas sobre os sonhos

Fonte: Acervo pessoal

A partir dessa experiência, foi feita por mim, em comum acordo com o coletivo, a seleção das proposições mais coerentes com a trajetória de investigação dos personagens e os direcionamentos para reconstrução dramatúrgica ficaram mais fáceis de serem visualizados. O mote dessa reconstrução foi o entendimento que as situações de conflito da história se baseavam na realização ou não dos sonhos criados para esses personagens. Dessa sinopse surgiram as seguintes situações: Teresa

queria fazer teatro e viajar; Madalena se considera velha demais para realizar o seu sonho e tem medo de sair de casa; Carminha não investe nos seus talentos culinários como deveria; José sonha em casar e morar com Teresa.

Algumas trajetórias dos personagens se assemelham com as do texto original, como as de Madalena e José, no entanto foi possível perceber outras abordagens interessantes nesse processo de recriação. Durante a intervenção dos alunos na recriação das histórias a partir dos sonhos de Teresa e de Carminha, foi possível identificar que existiu uma dimensão coletiva, cultural e ao mesmo tempo pessoal do olhar criador dos alunos, presente especialmente no uso de referências pop e de quadros de programas televisivos (em que há um apelo assistencialista na realização do sonho de algum telespectador) e de reality shows. Revisando os sonhos individuais, alguns já sinalizam essas mesmas referências, mas em outro âmbito, o mais pessoal. Umas das alunas sonhava em ganhar o The Voice Kids16, por exemplo. As proposições de cenas para os sonhos, na altura desse processo, partiram dos resultados das articulações entre os sonhos pessoais e os coletivos, tornando as narrativas mais complexas e com mais detalhes e nuances. A Teresa recriada na história, a partir desse momento, sonhava em ganhar o mundo dançando e interpretando; Carminha, a irmã que cozinhava os sonhos iria ganhar o programa MasterChef17.