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3. SONHANDO O PROCESSO CRIATIVO – CORDEL DO SONHO SEM

3.3 PERCURSO ARTÍSTICO PEDAGÓGICO DO CORDEL DO

3.3.5 Jogos teatrais e improvisacionais

Categorias como jogos de observação, jogos de memória, jogos sensoriais, jogos de aquecimento, agilidade verbal, comunicação não- verbal etc. ampliam o limite tradicional da situação de aprendizagem, levando o aluno a adquirir habilidades de processo ao trabalhar com um sistema de percepção e comunicação que rompe a linearidade da forma discursiva. (KOUDELA, 2017, p. 44-45)

Os jogos teatrais e a improvisação tiveram importante função tanto no processo de integração entre os alunos, de criação e montagem do roteiro quanto nos ensaios, tendo adquirido um caráter de criação e manutenção do processo. Os jogos teatrais aqui referidos se baseiam na ordenação dramatúrgica proposta por Viola Spolin (2015): Onde (lugar/ ambiente); Quem (personagem/relação); O Que (atividade/ ação). O grupo trabalha em função do Foco, que é objeto de concentração do jogo, em que há mobilização de todos e o professor é o mantenedor dessa atenção durante o jogo.

Uma situação curta com os personagens da história era apresentada e em seguida era solicitada uma improvisação dos grupos de alunos que contivesse uma proposta de resolução da situação. O objetivo era fomentar improvisações mais estruturadas, ou quase cenas, o que confirma a improvisação como um importante aspecto propositivo na construção por meio do “dramaturgismo”.

A partir do uso de jogos teatrais foi possível reconstruir as relações entre as personagens na adaptação do texto original, visto que, já munidos dos outros recursos prévios utilizados como sinopse adaptada e pacote de estímulos, por exemplo, os

grupos apresentavam nas proposições produções de cena em que as relações entre os personagens já apareciam mais complexas. E foi também a partir da utilização dos jogos teatrais que foram se delineando quais atores fariam as personagens.

Em uma das proposições de jogos teatrais, os alunos se agruparam em uma roda. Cada integrante da roda deveria propagar um movimento com som (“Yá!”) previamente combinado, até que, seguindo uma sequência de integrantes, esse movimento voltasse para a pessoa que o iniciou. A seguir, outro movimento foi criado, mas com outra qualidade, a de mudar o sentido da sequência do primeiro movimento (“Rondom!”). O exercício, entre a fluidez do primeiro movimento e a quebra que seguia o segundo movimento, permitiu o surgimento de elementos utilizados mais adiante, transformados em “concordância corporal”, em que o aluno devia seguir ação do seu colega próximo e “negação corporal” em que o aluno bloqueava a ação do colega. O jogo, ao buscar essas qualidades de fluidez e quebra de sequência, foi importante para a construção dos corpos das personagens nomeadas a partir das características já conhecidas e propostas pelos alunos nas atividades anteriores.

No entanto, os jogos teatrais e improvisacionais foram especialmente preciosos para a encenação na presença dos elementos de fantasia do roteiro com os cantadores. Em umas das improvisações, por exemplo, foi proposto a construção de uma receita culinária para o sonho que, a priori, era sonho doce de padaria, mas que na história seria feito por uma das personagens. No entanto, o grupo utilizou a forma da receita para elencar quais seriam os possíveis ingredientes para “sonhar”: “farinha de inspiração”, “pitada de vontade” e “achego morno” foram alguns dos elementos criados pelo grupo, outros adicionados por mim na versão final do roteiro. A cada momento em que um elemento era apresentado, os atuantes agiam como se tivessem se deliciando com o doce sonho, mas também com a doçura do sonhar. A produção que partiu do jogo, se manteve quase completamente como cena no espetáculo.

Em outra cena, O chá de Artemísia, narrada e interpretada pelo mesmo grupo de cantadores e de personagens, já partia de uma informação que estruturava a improvisação. De acordo com os saberes populares, o chá da planta Artemísia tinha fama de causar sonhos lúcidos em quem o toma. Com esse mote, o grupo de cantadores deveria relacionar os sonhos dos personagens com a informação do chá, que desencadeou em um dos conflitos da história de melhor resolução cômica da peça (quase sem nenhum diálogo, inclusive). A resolução foi completamente inesperada e

o foco da cena estava bem estabelecido, fruto do jogo da contracena. É como argumenta Pupo citada por Carmela Soares em Pedagogia do Jogo Teatral:

Ambos, o jogo teatral e o jogo dramático, [...] prescindem da noção de talento ou de qualquer pré-requisito anterior ao próprio ato de jogar e apresentam propostas de caráter estrutural, derivadas da linguagem do teatro, que permitem a formulação pelo próprio grupo, das situações, temas, desejos, que quer trazer à tona. Quando se lança em um jogo teatral ou dramático, o jogador é convidado a formular e responder a atos cênicos, mediante a construção física de uma ficção composta por ação, espaço, fala, entre outros elementos possíveis. Essa construção ocorre através de relações que o jogador produz aqui e agora com seus parceiros, ambiente, relações essas que implicam em intencionalidade, mas incluem também, necessariamente, fatores aleatórios. (PUPO apud SOARES 2010, p. 22)

Nessa situação, é interessante atentar para a importância de prezar a qualidade do estado de jogo, e que se relaciona diretamente com a postura do professor que está observando o engajamento dos atuantes, que dá instruções provocadoras e não autoritárias, que garante um espaço de liberdade mesmo numa condição mais estruturada. O jogo partia de uma andança coletiva dos alunos. Um dos alunos devia lembrar alguma coisa importante e tinha que convencer os outros a fazerem essa coisa junto com ele, mas só poderia utilizar gestos para se comunicar. Inicialmente com o corpo inteiro e mais adiante somente com expressão facial. Em uma rodada, a cada vez que alguém tentava se comunicar, o aluno dava um salto e finalizava numa mesma “pose”. A partir dessa atividade foi acordada a partitura corporal das cenas coletivas dos sonhos, em que cada um saltava, contava seu sonho pessoal e finalizava com essa “pose”. Segundo Spolin (2015), os jogos teatrais são responsáveis por estabelecer uma conexão entre experimentação e técnicas teatrais em função de uma presença cênica mais fluida, favorável à ação espontânea.