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2. SONHANDO A ESCOLA

2.2 O PROFESSOR DE TEATRO NO CONTEXTO ESCOLAR

O sistema político, social e econômico que vivemos é muito completo e isto não pode roubar as nossas forças. É verdade que tal afirmativa exige do professor uma postura constante de vigilância, reflexão, colaboração, humildade, sentido de transformação e aprimoramento. Garantir um espaço de criação dentro da escola exige o esforço consciente do professor para não se render às armadilhas sutis do sistema que desmobiliza as energias, a confiança, o entusiasmo e o compromisso de todos.” (SOARES, 2010, p. 26)

A citação de Carmela Soares, professora e pesquisadora do ensino de teatro, retoma a missão do professor de teatro no contexto escolar que está atento às

conjecturas políticas e sociais da atualidade. Notícias falsas ou sem credibilidade, crises políticas, deposição da presidenta e uma sucessão de medidas governamentais arbitrárias são comunicadas a todo instante, tornando a população

cada vez mais tolerantes e indiferentes à violência, aos abusos de poder, as agressões aos grupos sociais desprivilegiados. E, por consequência, a memória significativa e o aprendizado pelas experiências estéticas acabam sendo privados no dia-a-dia escolar.

Ao entender esse desafio, é importante ressaltar que é preciso criar espaços de experimentação na sala de aula em que a colaboração e a autonomia sejam estimuladas no vocabulário cotidiano do ensino de teatro. Japiassu diz que “[…]

recuperar a autonomia do sujeito criador e a autoconsciência de suas criações artísticas seria essencial no processo de esclarecimento deflagrado pelo ensino pós- modernista de teatro” (2009, p. 16), especialmente num contexto de uma indústria cultural deformativa que busca desapropriar os indivíduos da própria compreensão de suas experiências.

A disposição para uma criação cênica comprometida com o coletivo, a partir do jogo teatral e da improvisação, do compartilhamento de experiências e histórias pessoais são elementos possíveis para construção de relação ensino-aprendizagem pautada na horizontalidade das relações. Segundo SOARES (2009), partindo de uma reflexão sobre a exploração de um espaço não convencional da escola, a experiência

auxilia a romper com uma condição de confinamento, a que estão submetidos os alunos na escola; propõe uma atitude dinâmica e

ativa diante do conhecimento; aumenta a proximidade entre professor e aluno; questiona as relações de saber e poder, características do ensino tradicional; suscita uma experiência de prazer e de liberdade junto ao espaço e nos permite superar o espaço atravancado de carteiras.(SOARES, 2009, p.57)

Nesse sentido, para Arão Paranaguá (2013), o estímulo às formas dialógicas de interação e comunicação genuína são atributos que contribuem para horizontalidade na relação professor-aluno, e vislumbra um aprendizado que valoriza a escuta e participação dos sujeitos em prol de uma coletividade ativa, mas que contemple e respeite a experiência individual, ao passo que propicie um desenvolvimento pessoal e seja capaz de aprender os conteúdos escolares.

O autor ainda afirma que grupos teatrais contemporâneos que buscaram desenvolver processos criativos numa perspectiva colaborativa souberam captar o espirito do educador Paulo Freire (1999), pensador de uma educação pautada na autonomia, nas suas rotinas de grupo, quando se colocaram atentos a estratégias e enfoque na criação, sempre dispostos pelo diálogo. Deste modo, a criação artística devolve à pedagogia contemporânea a responsabilidade de uma atuação docente na escola mais proativa e em prol do coletivo.

Outro aspecto importante de ser suscitado sobre o professor é que o ensinar teatro está diretamente associado à experiência artística de quem ensina. No reconhecimento do arcabouço de experiências teatrais, processos criativos como artista e espectador que o professor tem a possibilidade de construir, adequar, reinventar sua prática pedagógica. E é dessa premissa que se baseia o conceito do professor-artista, que sabe articular processos pedagógicos em teatro, contemplando criativa e esteticamente os processos de ensino-aprendizagem.

O conceito de professor-artista10 em teatro está atrelado às pesquisas de vários autores como Beatriz Cabral (2010) e Marcos Bulhões Martins (2004), que preferem

10 Célida Salume Mendonça, no artigo “Montagem em sala de aula: princípios norteadores do processo”, atribui a denominação professor-encenador de Peter Brook: “Alguns pesquisadores utilizam os termos professor/diretor como Beatriz Cabral ou mestre-encenador como Marcos Bulhões Martins, expressões que definem o papel do professor de teatro como condutor dos processos criativos. Encontramos ainda as designações professor-artista, professor dramaturgo, artista-docente, encenador-pedagogo, encenador/instrutor e professor-pesquisador-encenador.”(2013,s/p).

utilizar o termo mestre-encenador11. As pesquisas desses autores mostram o diálogo entre as atribuições de professor e artista, em que processos criativos e pedagógicos se encontram articulados na prática de ensino e por isso defendem uma formação do professor que garanta as atribuições artísticas na sua constituição profissional.

Cabral diz que durante o processo de criação a postura como professor-artista dá suporte para suprir demandas de relações no processo de criação, “alternando, portanto, mediação (como pedagogo) com intervenção (como personagem ou [também pode ser lido como artista]).” (CABRAL, 2010, p. 11). Marcos Bulhões compara o mestre-encenador com um mestre de obras em uma construção, “um bom artífice da construção” que deve saber liderar e administrar uma equipe e investigar soluções criativas sem perder de vista o estímulo ao aprendizado dos iniciantes (MARTINS, 2002). No entanto, a ideia de “mestre” evocada pelo termo de Bulhões, pode remontar a relação mestre-aprendiz das casas de ofícios, em que mestre era aquele que detinha o saber e o aprendiz, aquele que deveria ser o pupilo, revelando, ao meu ver, um sólido grau de hierarquia e um modo de aprender verticalizado.

Diante dos autores, me afino com o termo professor-artista por de fato buscar agenciar essas duas funções na minha formação. No meu trabalho em sala de aula, em que contempla um processo de criação, por exemplo, a minha atuação como educadora e artista estará imbricada, podendo uma e outra sobressair mais em determinadas circunstâncias.

Mais adiante, ao me debruçar sobre o processo de criação da pesquisa, menciono os termos professora–dramaturgista (durante o processo organização da dramaturgia) e professora–encenadora (durante o processo de montagem e agenciamento das escolhas estéticas da cena), ambos tendo como referência base a concepção de professor artista de Beatriz Cabral (2008).