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A Escola e a Pesquisa Escolar

“O Brasil ainda tem uma escola do século XIX, professores do século XX e alunos do

século XXI” (RAMOS, 2012, online). É o que declarou à mídia Mozart Neves Ramos,

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especialista em educação e integrante do Conselho Nacional de Educação. Esta afirmação é mais uma que vem elevando a agitação e os debates atuais sobre o declínio da educação e das práticas do ensino no cenário brasileiro. Autores declaram que as razões deste empobrecimento são inúmeras e não se permite delongar aqui discorrendo sobre todas. Elege- se especificamente a questão tecnológica: pode a tecnologia ser responsabilizada por isso?

A pesquisadora Paula Sibilia (2012) se dedica a estudar diversos temas culturais contemporâneos. Em um de seus trabalhos, ela reflete detalhadamente sobre o papel da escola e a preocupação se essa instituição se tornou obsoleta, em partes pela tecnologia. Esta inquietação resultou no livro ensaístico Redes ou Paredes, onde ela traça (na perspectiva do sujeito) o percurso da escola, desde a criação até a situação atual, que é colocada em decadência. Os substantivos que intitulam a obra, para a autora, representam aspectos essenciais da subjetividade da era moderna (paredes) e da era contemporânea (redes).

Sibilia discorre sobre alguns fatores, considerados por ela, essenciais para a compreensão dos problemas que afetam a educação; atrelados ao Estado e à sociedade: a família, o capitalismo e a tecnologia. O primeiro fator explorado por Sibilia (2012) refere-se à estrutura familiar. Segundo ela os pais, transferindo a responsabilidade e delegando à escola a tarefa de educar os filhos, permitiram que a escola “disciplinasse” o sujeito, moldando-o de acordo com os requisitos que o mundo disciplinar vigente exigia do indivíduo.

O condicionamento da escola às praticas capitalistas é outro fator citado por ela. Na anteposição da escola moderna com a atual a autora declara que a primeira foi concebida para

“produzir” subjetividades úteis para atender aos imperativos do mundo capitalista. Imperava a

pouca reflexão e voltava-se muita atenção para o consumo. Considerada na atualidade, é uma lógica que coloca o estudante como cliente, configurando uma relação estritamente monetária entre os alunos e as instituições de ensino.

Por fim, a autora apresenta a alegação de que a escola não estaria conseguindo acompanhar a celeridade das transformações ocorridas no mundo. Há diversas mudanças de paradigmas que causam desajustes históricos entre a escola vigente e as requisições do mundo contemporâneo. O discurso da escola e o discurso da sociedade não se encontram. Como exemplo, uma tendência destacada por Sibilia é que o espaço de privacidade e introspecção necessárias à leitura e à escrita vem cada vez cedendo espaço à exposição midiática, ao

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dispersão causada pelas novidades tecnológicas, o enfraquecimento da reflexão e a desvalorização do pensamento consciente. Isto tudo vem representado na luta dos professores concorrendo pela atenção dos alunos e também o fato da sensibilidade destes estar saturada por estímulos aleatórios que muito atrapalham. É neste contexto que a discussão central do livro se desenvolve: a falta de sintonia entre os alunos e a escola.

Sibilia (2012, p. 82) diz que não são novas as tentativas de atualizar a educação formal para torná-la mais agradável e eficaz ao longo do tempo. Ressalta-se a iniciativa do renomado educador Salman Khan, que propõe inverter o método tradicional da escola, que trabalha na

lógica “primeiro a obrigação depois a diversão”. Se a eficácia das práticas interativas era algo

difundido, além da introdução de jogos lúdicos e incorporação de outras mídias como jornal, cinema e televisão, destaca-se agora a Internet.

Transformar o aprendizado em algo mais atraente implica revolucionar a velha rotina escolar. Neste sentido ressalta-se outra fala de Ramos (2011, 2012) que dialoga muito com as ideias de Sibilia. Eles concordam que a escola deve ser melhorada com um currículo mais atraente e que prepare o estudante melhor. Segundo Ramos (2011, 2012), a escola do século

21 não consegue atrair os jovens, pois “tem um problema sério originado na incapacidade

motivar, atrair e dialogar com os alunos”.

Há um trocadilho explorado na escolha das palavras que intitulam a obra de Sibilia. Enquanto as paredes aludem à sociedade industrial (cujo confinamento garantido pelas paredes era imprescindível à educação e ao adestramento de cidadãos condicionados à economia capitalista), as redes retratam o momento contemporâneo, marcado pela cultura e sociedade afetadas pela Internet e globalização. A escola ideal necessita da alternância entre

momentos de “redes” e de “paredes”.

No capítulo “Salas de aula informatizadas e conectadas: muros pra quê?” (SIBILIA, 2012, p. 181-198) retrata a iniciativa de alguns países da América Latina, que vem inserindo a tecnologia na sala de aula. Enquanto o assunto permanece em discussão ou como experiências piloto em outros países (dentre os quais o Brasil), ela fala que iniciativas desta natureza partiram de uma constatação, segundo ela “agonizante”, de que existe uma defasagem:

Enquanto os alunos de hoje vivem fundidos com diversos dispositivos eletrônicos e digitais a escola continua obstinadamente arraigada em seus métodos e linguagens analógicas. Isso talvez explique porque os dois não se entendem. As coisas já não funcionam como se esperaria (...) Quase todos concordam em que tanto instituição de ensino em geral quanto

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desprestigiado papel do professor em particular deveriam se adaptar aos tempos da internet dos celulares e dos computadores (SIBILIA, 2012. P. 181).

A abertura das portas das escolas para entrada de dispositivos digitais é apontada por Sibilia (2012) como uma tendência a vigorar. Muitos alunos passarão a ser incluídos, o que representa uma vitória nas ações usualmente denominadas ‘inclusão digital’ ou ‘alfabetização

informacional’. As “marchas” (movimentos começados no final da primeira década do século

XXI em diversos países) e a iniciativa dos governos (que começaram a distribuir computadores portáteis aos alunos e disponibilizar banda largas nas escolas) são denominados por ela como o “primeiro passo”, considerado sem dúvida o mais fácil. Esta autora, porém, questiona: até que ponto a tecnologia se integrará ao projeto pedagógico, no que diz respeito à inovação e capacidade de concentrar a atenção dos alunos na aprendizagem?

Em uma ocasião em que o tempo e o espaço se tornaram confusos é fundamental pensar o papel da Internet na sala de aula: “o confinamento dos alunos em paredes nas escolas

perdeu o sentido” (p. 187). Ela ressalta a importância das redes e dos contatos mas, ao mesmo

tempo, insiste que os computadores, a Internet e os dispositivos tecnológicos não são recursos neutros, eles têm sua eficácia relacionada à utilização que é dada. Segundo ela “a sociedade

informacional não conecta, mas tende a desligar” (p. 186) sendo preciso desenvolver “estratégias ativas em busca da coesão do pensamento para evitar que tudo se dissolva” (p.

187).

A obra de Sibilia é bastante vasta e permite muitas interpretações. O que não deixa margens para dúvidas é o fato de a existência (ou falta) da tecnologia digital impactar a educação, mais precisamente a sala de aula. Trazendo estes questionamentos para a pesquisa, pergunta-se: a influência da tecnologia também se estende para a pesquisa escolar? O papel da pesquisa está ficando descaracterizado como método de aprendizado?

Diante das novas tecnologias, do copia e cola e demais práticas de difusão de informação e da pesquisa, torna-se interessante refletir sobre algumas tendências; primeiramente as Websquests. De acordo com Abar e Barbosa (2008), estas surgiram pela primeira vez em 1995 na disciplina Interdisciplinary Teaching With Technologies na Universidade de San Diego – Califórnia – e tiveram como idealizadores os Professores Bernard Dodge e Tom March. Na definição de Dodge, (1995, p. 9) a Webquest é “uma investigação orientada na qual algumas ou todas as informações com as quais os aprendizes interagem são originadas de recursos da Internet”.

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Abar e Barbosa (2008) destacam a importância da utilização dos recursos disponíveis na Internet nas práticas letivas diárias e convidam os professores a utilizarem essas novas metodologias que, segundo elas, são capazes de conduzir os alunos a várias informações e consequentemente à aprendizagem e ao conhecimento. Elas reforçam ainda a importância da utilização dos recursos disponíveis na Internet nas práticas letivas diárias. Na opinião das autoras, o fato de os docentes e discentes conhecerem as possibilidades do computador e da Internet e explorá-las em sala de aula, pode oferecer um ensino em consonância com as novas tecnologias de informação e comunicação e também favorecer a aquisição de múltiplas competências do currículo escolar.

Alega-se que as Webquests representam, portanto, uma nova modalidade de ensino e aprendizagem que trabalha uma forma cooperativa da construção do saber. Esta investigação, totalmente orientada com recursos computacionais da Web, intenciona instituir uma metodologia pedagógica na qual o professor cria um problema/situação de pesquisa para que os seus alunos possam buscar na Internet, por meio de sites previamente selecionados. Ainda que a metodologia das Webquests não se mostre uma prática unânime ou preponderante na realidade das escolas, o método tradicional de pesquisa escolar – cujo papel de importância continua reconhecido por inúmeros pesquisadores - mudou.

Carol Kuhlthau, pesquisadora referência na área de ação educativa da biblioteca escolar, ao falar sobre a pesquisa escolar mostra que essa também tem sido bem afetada:

Os profissionais da educação não estão satisfeitos com os rumos que a pesquisa escolar tem seguido atualmente. Os professores reclamam que os alunos copiam integralmente textos de enciclopédias e de sites da internet. Os bibliotecários queixam-se de que não tem condições de orientar os alunos adequadamente em suas buscas, por não conhecerem com antecedência os temas das pesquisas solicitadas. Já os alunos manifestam as dificuldades em pesquisar, pois na maioria das vezes não são orientados quanto aos objetivos da atividade proposta pelo professor. Diante disso, os pais, insatisfeitos e confusos, acabam fazendo a pesquisa escolar para os filhos (KUHLTHAU, 2006 p. 184).

Os estudos mais recentes de Kuhlthau (2010b) certificam que o século XXI imprimiu novas formas de se trabalhar a informação e trouxe então novas exigências para a pesquisa. Em uma de suas falas ela retoma os fatores elencados pelos pesquisadores mencionados acima (Ramos e Sibilia) para falar da escola e da biblioteca:

Alguns pensam que uma sala de aula com conexão de Internet é tudo o que é necessário para transformar uma escola do século XX em um espaço de aprendizagem do século XXI. Se fosse apenas isso seria simples. Alguns têm

47 presumido que a Internet torna as bibliotecas escolares obsoletas (KUHLTHAU, 2010b p. 1)20.

O que se observa, contudo, não é exatamente assim. Segundo Kuhlthau (2010a), educadores de todas as partes do mundo estão cientes destas mudanças e, portanto, envolvidos em desenvolver um método de aprendizado que permita aos estudantes viver e trabalhar em meios de informação complexos. Esta nova proposta, considerada a fundação da ‘escola da

era da informação’, consiste em um método denominado “guided inquiry”. No artigo que

reúne as notas do livro (Guided inquiry: Learning in the 21st century), Kuhlthau (2010b) diz ter ciência que o termo Inquiry, do inglês, pode não ser de fácil tradução para todas as línguas, mas reforça que o conceito essencial trata de uma abordagem de pesquisa para a aprendizagem.

A ideia é considerar uma questão ou problema que requer do aluno uma investigação aprofundada, através da qual este possa “aprender a aprender” e se tornar consciente do seu processo de aprendizagem. Através de buscas guiadas são integrados os objetivos da aprendizagem com a tecnologia, uma vez que uma das premissas do processo é ir além da mera capacidade de utilizar dispositivos, mas usufruir dos mesmos na criação do conhecimento. Kuhlthau diz que a busca guiada “prepara os alunos com habilidades e competências para enfrentar os desafios de um mundo incerto e em constante modificação” (2010b, p. 18).

Em resumo, os discursos sobre escolas modernizadas, computadores em sala de aula,

Webquests e buscas guiadas parecem ressaltar a importância da pesquisa (em novas bases)

para o aprendizado, ao invés de descaracterizá-la como prática pedagógica superada. São tendências que sugerem cada vez mais um movimento orientado à formação de competências que atuem na convivência com a Internet e a pesquisa. E como Kuhlthau (2010b, p.19) diz:

“Os professores não podem fazer isso sozinhos”. Em que a biblioteca pode contribuir com

estas novas tendências sugeridas?