• Nenhum resultado encontrado

Com relação à biblioteca da escola

Na escola em questão, viu-se que a biblioteca não é considerada espaço de acesso às fontes de informação pelos alunos (pondera-se sobre a condição financeira do alunado, que usufrui de dispositivos digitais e opta pela posse dos livros). Representa para eles o fantasioso, refúgio, um lugar de bem estar. Em um modo generalista, mais que pelo seu acervo, a biblioteca seduz pelo espaço, pelo que emana. Os entrevistados, contudo, exaltaram bibliotecas que não frequentam. Reconheceram sua importância, contudo para usufruto de terceiros ao invés deles próprios.

Curiosamente, ao final da coleta de dados, houve a notícia do desmembramento da biblioteca da escola. A bibliotecária foi demitida e os livros subiram para estantes das salas de aula, divididos de acordo com assunto e a faixa etária dos alunos. Isso motivou a realização de outra entrevista; com o vice-diretor, para conhecer a nova proposta de (não) biblioteca. Apareceram alguns fatores como, transcender a materialidade, o “não depósito de livros”, eliminar a necessidade de deslocamento e a censura.

166

FIGURA 19: Desmembramento do acervo

FONTE: Fotografia tirada pela autora. Dados da pesquisa, 2014.

Descrevendo a situação da biblioteca, segundo o vice-diretor, o espaço estava sendo pouco e mal utilizado, desmotivando ou injustificando investimentos de revitalização. Havia prateleiras mofadas e escuras e os próprios professores não tinham consciência das múltiplas opções de recursos que estavam encerrados nas estantes. Ao ser questionado se isto não seria uma deficiência na coordenação da própria biblioteca, como acervo não catalogado, informação não divulgada; o que caracterizaria uma biblioteca não integrada com a sala de aula, ele ponderou e reforçou o interesse em experimentar uma nova proposta de biblioteca;

sem a obrigatoriedade de “acertar” na primeira tentativa. Esta iniciativa não é somente

interessante como abre um leque de outros pensamentos sobre a área. A escola teve o ímpeto de reconhecer que a biblioteca não estava sendo devidamente explorada e teve o dinamismo de tentar outro modelo. Por outro lado, surgem outras questões sobre os critérios de desmembramento, a possibilidade do acesso fora do período de aulas, dentre outras.

Na visão da Escola, a concepção de biblioteca no cenário contemporâneo remete à ideia de imaterialidade. O vice-diretor acredita que a biblioteca não é um edifício e que não

devem existir livros confinados ou “guardados a sete chaves”. O princípio vital de uma

biblioteca, segundo ele, deve satisfazer duas condições: estar relacionado a um conceito comunitário e participativo, reflexo do interesse do sistema social e estar determinado a servir

167

o patrimônio público comum da humanidade, que é o conhecimento. Não importa a materialidade.

Na decisão de fragmentar o acervo a ideia principal foi democratizar o acesso. Surgiu de alguns princípios básicos da escola existentes e constituintes da proposta pedagógica. Como é uma instituição privada, a Escola atende as políticas educativas e a LDB, mas alguns valores fundamentais internos foram mais decisivos; como a valorização e respeito pela democracia. Assim como a biblioteca, acreditam que uma escola também não é um edifício; tem que ser um sistema relacional onde predomine o senso de coletividade; uma comunidade de aprendizagem onde as pessoas aprendem umas com as outras.

Evocando um conceito de Paulo Freire – midiatizados pelo mundo – o vice-diretor declara que, tradicionalmente, enxerga-se a escola como a instituição social que prepara o sujeito para a vida e o faz cidadão de direito. O problema diagnosticado por ele – aproximando-se também das ideias de Sibilia (2012) – é que a maioria das escolas permanece

cerrada em suas próprias paredes constituindo “prisões” onde os alunos são doutrinados de

uma forma engessada e artificial.

Quando ele se refere em “midiatizados pelo mundo” ele alarga isso a todos os tipos de

ângulos possíveis. Ele atribui à forma com que as pessoas se relacionam na Escola e como se relacionam com o conhecimento como o fator mais determinante para desmembrar a biblioteca. Segundo ele, incorporar este postulado na concepção de um acervo implica conceber múltiplas portas de entrada e múltiplos olhares para a coleção. Do ponto de vista dos princípios pedagógicos e da didática o mundo por si só não é um acervo, um acervo deve ser multifocal e tem que ser disponibilizado para quem desejar e souber usufruir. A biblioteca enquanto patrimônio (ele não fala material, pois associa o material àquilo que é usual) imaterial é uma porta de acesso à cultura e deve ser um dispositivo central no dia a dia dos alunos.

Com este fenômeno de dispersão do acervo o que ele espera realmente é que os livros sejam usados, eliminando a barreira que ele sentiu estar havendo entre os alunos e a coleção. Ele espera que isso contribua em parte para facilitar o acesso dos estudantes ao conhecimento e democratizar o acesso evitando atitudes tendenciosas nos tipos de obras que se disponibiliza.

168

Na concepção dele, se a biblioteca é um espaço privatizado pela bibliotecária e administrado segundo seus próprios critérios (como se esta disponibilizasse somente as obras que considera interessante) neste sentido se exerce instrumento de dominação e poder. Ele reconhece que existe classificação indicativa e faixa etária para as obras, mas diz que isso é um consenso social; enquanto for a “cultura do quintal; entra quem eu quero” existe uma relação de poder que tem que ser extinta. Aqui fica outro questionamento: no entender da biblioteconomia, a classificação indicativa por faixa etária pode ser questionada por, de certa forma, constituir um tipo de censura. No entanto, ao dividir o acervo nos salões adotando este critério, de certo modo, é isto o que está sendo praticado.

Outro fator interessante citado por ele: “hoje em dia nós estamos muito midiatizados

pelas novas tecnologias de informação e comunicação”, as quais considera fantásticas, mas “fantásticas para dar muito errado”. De acordo com ele, quando nós transitamos para este tipo

de organização estruturante não adianta colocar amarras nos alunos; pelo contrário faz-se preciso disponibilizar prontamente uma oferta de informação criteriosa, de rigor científico.

Para isso é preciso uma pessoa formada na área para orientar uma espécie de “curadoria”,

sendo a talvez a principal função atribuída ao bibliotecário.

Neste modelo, certamente surgirão desafios a serem contornados, como a disposição e organização do acervo, controle e circulação do material distribuído nos salões; estatísticas de empréstimo, avaliações de uso, etc. Com relação a estes aspectos técnicos, ao ser questionado como imagina a própria questão da rotina da biblioteca; catalogação, empréstimo, segurança, localização dos livros e a circulação ele diz que isso é um desafio, mas se mostra bastante confiante e otimista, pensando em um modelo auto gerenciado pela comunidade escolar:

é fácil eu falar isto, mas o primeiro princípio quando nós transitamos pra esse plano de organização, nós tivemos que ter a certeza que a escola é a casa das pessoas que a frequentam. A relação de confiança entre os alunos, aqui é um espaço onde todos nós temos que nos sentir confortáveis e saber organizar.

Diariamente transitam na Escola em média mais de 500 pessoas. Os livros poderão ser usados ou não usados, com um bom uso ou não. Isto ele coloca como questão de princípios e é para isto que a Escola serve (e por extensão, a biblioteca): o conceito de senso comum e o sentido de comunidade, respeito e responsabilidade:

Se todo mundo tem uma relação de confiança ao ponto que nos enxergamos como seres responsáveis, autônomos e com sentido crítico fazendo propostas para melhorar a organização; estamos a partir de um princípio: a questão técnica, o desempenho da função bibliotecário é um espaço com enorme potencial de aprendizagem.

169

A Escola pretende manter um bibliotecário até a organização total dos acervos e depois pretende investir em uma conscientização dos alunos. De forma experimental, o modelo prevê que alunos e professores vão assumir plena responsabilidade e o bibliotecário vai ficar com uma porcentagem da resolução dos problemas mais específicos:

o bibliotecário vai assumir devido à competência técnica. Os demais problemas estão ao alcance da resolução de qualquer pessoa que tenha um mínimo de capacidade intelectual para resolver. E se não tiver ótimo porque é um espaço de aprendizagem é muito bom.

Diante disso, ao pensar em relação à presença de um bibliotecário nesta escola específica, e como ele poderá contribuir com os estudantes, retoma-se um dos itens relatados pelo vice-diretor a – midiatização pelas novas tecnologias de informação e comunicação – juntamente a outro identificado na coleta (Queixas). Quando perguntados se nunca tiveram a curiosidade de pesquisar mais a fundo as questões sobre o Google e a Internet, constatou-se uma certa lacuna; na qual foi possível constatar que este assunto não é claro para eles. Os alunos indicaram a vontade de ter mais debates com relação às questões apresentadas. Como exposto, esses debates poderiam contribuir no alargamento do referencial que os mesmos têm, bastante enraizado na lógica digital.

Uma vez que a escola deseja implantar uma consciência coletiva que extrapole a materialidade da antiga biblioteca e consolide uma cultura de biblioteca (um ideal/uma mentalidade de biblioteca) identifica-se a emersão de um bibliotecário com perfil de educador/mediador para influenciar na aprendizagem e cooperar em uma consciência de que biblioteca não se restringe a livro, mas também às ferramentas de buscas automáticas, os bancos de dados e demais aspectos relativos ao universo informacional. O foco se desloca da organização da informação para o doutrinamento do usuário e a mediação dos processos de busca de informação orientados para uma maior autonomia e segurança do sujeito. Salienta-se que a organização da informação não deixa de ter sua devida importância.

Pelo constrangimento de tempo, até a finalização deste trabalho não se conseguiu verificar tecnicamente o método de organização escolhido pela Escola para gerenciar o acervo após a fragmentação. Como a escola pretende proceder nas demais questões práticas, características da rotina da biblioteca, também não pôde ser avaliado. Igualmente nem o impacto que isto teve nos respondentes (ou que poderá ter em outros alunos), que mais valorizavam justamente o que lhes foi tirado: o espaço. Foi uma opção da escola, proceder na

170

fragmentação de forma experimental, de onde partirão as inferências de como será a nova proposta de biblioteca da escola. São questões que permanecem para investigações futuras.