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A ESCOLHA DO CONTEXTO: SITUAÇÃO ARRANJADA

CAPÍTULO 3 METODOLOGIA, CONTEXTO E SUJEITOS DE PESQUISA

3.2. A ESCOLHA DO CONTEXTO: SITUAÇÃO ARRANJADA

Meu planejamento inicial era desenvolver a pesquisa em um contexto em que a prática de modelagem já fora antes desenvolvida ou com um professor que já houvesse desenvolvido um projeto de modelagem em suas aulas de matemática. Buscando contextos em que atividades de modelagem fossem desenvolvidas, encontrei poucas indicações de tais locais. Assim, passei a considerar o seguinte critério como campo de pesquisa: um local em que trabalhassem professores que programavam atividades de modelagem em suas aulas de matemática ou que estivessem dispostos a trabalhar com modelagem.

Minha lista inicial de possíveis professores tinha oito nomes. Por motivos diversos, os professores indicaram a impossibilidade de realizar a pesquisa em suas turmas. Fiz uma nova lista, incorporando quatro professores que atuavam no nível Superior de ensino e indicações da orientadora desta pesquisa. Obtive os

assentimentos de um professor que atuava no Ensino Superior e de uma professora que atuava na Educação Básica. O professor que atuava no Ensino Superior costumava desenvolver atividades de modelagem em suas aulas, enquanto que a professora que trabalhava com os níveis Fundamental e Médio de ensino havia pesquisado sobre modelagem em sua Especialização, mas não tinha desenvolvido atividades de modelagem em suas práticas. Optei por realizar a pesquisa na escola em que trabalhava a professora que atuava na Educação Básica. Esta escolha ocorreu em virtude da localidade e do calendário das escolas. Isso é natural, pois

a escolha do campo onde serão colhidos os dados, bem como dos participantes é proposital, isto é, o pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do estudo e também das condições de acesso e permanência no campo e disponibilidade dos sujeitos (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 86).

Como a professora não tinha por hábito desenvolver atividades de modelagem em suas aulas de matemática, era necessário que criássemos um ambiente de modelagem para que eu pudesse desenvolver a pesquisa. Podemos entender tal organização a partir da noção de situações de Skovsmose e Borba (2004). O contexto educacional encontrado antes da realização da pesquisa é denominado pelos autores de situação corrente (SC). As aulas de matemática da escola em que a professora atuava se caracterizavam como expositivas e eram organizadas a partir de um livro didático. A professora passava determinado conteúdo no quadro, de acordo com a organização do livro, em seguida apresentava exemplos. Posteriormente, os alunos realizavam exercícios do livro, semelhantes aos exemplos propostos.

Um ambiente de aprendizagem no qual os alunos de uma turma desenvolvessem um projeto de modelagem sob a orientação da professora era uma situação imaginada (SI), se comparada à situação corrente. Situações imaginadas são “visões sobre as possibilidades de alternativas” (SKOVSMOSE; BORBA, 2004, p. 213) para a situação corrente. Segundo os autores, a passagem da situação corrente para a situação imaginada se dá por meio de imaginações pedagógicas (IP), que têm a situação corrente como ponto de partida e consistem na exploração de alternativas educacionais para a situação corrente. A imaginação pedagógica pode ser definida como sendo o processo que nos ajuda a perceber que as coisas poderiam ser feitas de um modo diferente, isto é, ela é o ato criativo de imaginar

uma alternativa para a situação corrente. O conhecimento teórico e o conhecimento prático do professor são citados como fontes para a busca dessas alternativas.

Esta era uma alternativa imaginada, mas não foi concretizada da forma idealizada. Como a professora não tinha experiência com atividades de modelagem, ela pediu que eu atuasse no planejamento e execução do projeto, me colocando à frente das orientações para o desenvolvimento da atividade. Assim, um ambiente de aprendizagem em que, sob minha orientação e da professora, fosse desenvolvido um projeto de modelagem foi a situação sobre a qual a pesquisa foi inicialmente desenvolvida, situação denominada por Skovsmose e Borba (2004) de situação arranjada (SA).

Os autores denominam a relação entre a situação corrente e a situação arranjada de organização prática (OP), que pode ser definida como o planejamento de atividades práticas que criam uma situação que se aproxime da situação imaginada. A situação corrente é o ponto de partida para a organização prática, que pode ser entendida como uma versão mais plausível da imaginação pedagógica. Sendo assim, a organização prática foi um processo de negociação e cooperação entre mim e a professora: o projeto de modelagem seria desenvolvido paralelamente à dinâmica habitual das aulas.

Para transitar entre as situações imaginada e arranjada, Skovsmose e Borba (2004) propõem o raciocínio exploratório (RE). Trata-se de uma estratégia analítica para analisar situações imaginadas com base em observações particulares de situações arranjadas. O raciocínio exploratório representa uma interação crítica entre a imaginação pedagógica e a organização prática. Nesse sentido, o contexto da pesquisa é a situação arranjada, mas ainda se tem em mente a situação imaginada. Desta forma, esta situação arranjada se transforma em uma “janela” através da qual podemos entender melhor e qualificar a situação imaginada. Um modelo, proposto por Skovsmose e Borba (2004), mostrando as situações e os processos que podem se estabelecer em uma pesquisa, é indicado na Figura 2.

Araújo, Campos e Camelo (2015) discorrem sobre a criação de práticas pedagógicas simultaneamente à realização de uma pesquisa. Segundo os autores, “como fruto das práticas pedagógicas e das pesquisas [...], conseguimos construir

novas compreensões não apenas das situações corrente e arranjada, mas também da situação imaginada” (ARAÚJO; CAMPOS; CAMELO, 2015, p. 56).

Figura 2 - Modelo de pesquisa indicando as situações e os processos

Fonte: SKOVSMOSE; BORBA, 2004, p. 216

Nesse sentido, há um direcionamento a uma compreensão para a dialética prática pedagógica|pesquisa26 (ARAÚJO; CAMPOS; CAMELO, 2015). Partimos da problematização de uma situação corrente, vislumbrando outro cenário (situação imaginada), passando pela realização de uma pesquisa em uma situação arranjada que vai se desdobrando até chegar a uma nova situação corrente.

Considerando a concepção de matemática que norteou o desenvolvimento desta pesquisa, a metodologia de pesquisa está em ressonância com as preocupações da educação matemática crítica. Segundo Skovsmose e Borba (2004), a noção de ressonância tem a finalidade de conceituar a adequação entre perspectiva teórica e metodologia de uma abordagem de pesquisa.

A ressonância se deve ao fato de esta pesquisa ter considerado não apenas o que estava ocorrendo, como também o que poderia ter tomado lugar e o que poderia ser imaginado como alternativa possível para o que estava ocorrendo (SKOVSMOSE; BORBA, 2004).

26

A notação, com a barra vertical, utilizada por Araújo, Campos e Camelo (2015), faz menção a: GOULART, Maria Inês Mafra; ROTH, Wolff-Michael. Margin|centre: toward a dialectic view of participation. Journal of Curriculum Studies, British Columbia, v. 38, n. 6, p. 679-700, 2006.

Descrito o processo de escolha do contexto e a configuração das situações da pesquisa (SKOVSMOSE; BORBA, 2004), contemplo, na seção a seguir, uma breve descrição do contexto da pesquisa.