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O debate sobre realidade e modelagem matemática na IX CNMEM

CAPÍTULO 1 REALIDADE E MATEMÁTICA NO ÂMBITO DA MODELAGEM:

1.2. A ABORDAGEM SOBRE REALIDADE E MATEMÁTICA NA MODELAGEM

1.2.1. O debate sobre realidade e modelagem matemática na IX CNMEM

Anastácio (2010), em outro momento, retomou duas unidades significativas que descrevem as características do trabalho com a modelagem: i) modelagem matemática e seus procedimentos e ii) concepções de realidade e de matemática. Em relação à segunda unidade, a autora mencionou que a questão da realidade no ambiente da modelagem é algo corrente, porém não se constitui como foco, pois não há muitos autores que se dedicam a discutir sobre essa questão, buscando debater sobre outros aspectos. Talvez este cenário esteja, aos poucos, mudando.

Na IX CNMEM, o debate referente à realidade na modelagem se configurou de maneira marcante na palestra de abertura, conduzida pela Profa. Dra. Gelsa Knijnik (Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Rio Grande do Sul), e no debate temático intitulado “Diálogos e debates da Modelagem Matemática e outras Tendências: Práticas e Pesquisas”, com os convidados Profa. Sofia Marinho da Natividade (Escola de 1º Grau Ernestina Carneiro e colaboradora da UFBA), Profa. Dra. Denise Vilela (Universidade Federal de São Carlos), Prof. Dr. Jonei Cerqueira Barbosa (Universidade Federal da Bahia), tendo a Profa. Dra. Jussara Loiola Araújo (Universidade Federal de Minas Gerais) como moderadora do debate.

Gelsa Knijnik, em sua palestra, apontou alguns questionamentos sobre discursos que integram a educação matemática na contemporaneidade. Segundo Knijnik, um discurso que ganha especial ênfase no campo da modelagem e da etnomatemática refere-se à importância de trazer a realidade para as aulas de matemática.

Em um estudo, Knijnik e Duarte (2010) apontam que o enunciado que menciona a importância de trazer a realidade do aluno para as aulas de matemática é tratado, de maneira geral, como possibilidade de significado aos conteúdos matemáticos, suscitando nos alunos o interesse pela aprendizagem, e como importante para transformar socialmente o mundo. Na análise feita para o âmbito da modelagem, identificaram o enunciado relacionado à possibilidade de significado aos conteúdos matemáticos.

Na palestra, Knijnik questionou o que tem sido feito no processo de escolarizar práticas de fora da escola. Nesse sentido, Knijnik, apoiada em Wittgenstein, apontou que práticas matemáticas de formas de vida não escolares, quando transportadas para formas de vida escolares, acabam sendo pedagogizadas, são capturadas pela maquinaria escolar, tornando-se práticas da escola e não, como se poderia idealmente desejar, práticas da “realidade” que, de modo intacto, seriam introduzidas da escola.

Knijnik alertou que, ao trabalharmos com situações da realidade nas aulas de matemática, temos que ter clareza de que as lógicas que regem as práticas de fora da escola são diferentes das lógicas que regem as práticas escolares. Entrelaçando

as ideias, Knijnik também asseverou que não existe apenas uma matemática, a saber, a matemática que é ensinada e praticada nas escolas; há outras matemáticas regidas por lógicas diferentes.

No debate temático, a fala em particular, com a qual me interessa dialogar nesta dissertação, é a da professora Denise Vilela. Vilela tratou, do ponto de vista filosófico, da ideia de realidade. A professora pontuou que é uma boa intenção que a modelagem tenha como proposta partir da realidade nas aulas de matemática. Entretanto, esclareceu que é preciso ter clareza que a noção de realidade é muito complexa no campo da filosofia. A fim de mostrar esta complexidade, considerou uma periodização por paradigmas da história da filosofia. Em um primeiro momento, as perguntas pairavam sobre a realidade em tom da existência da mesma. Essa problematização é associada à possibilidade de se conhecer o real, independentemente do sujeito. Vilela mencionou que esta suposição é problemática porque, além da independência do sujeito ser algo questionável, demandaria que se explique o real a partir de uma linguagem que dê conta de uma maneira precisa e suficientemente clara.

Como conhecer a realidade diretamente não se mostra uma ideia fecunda, em um segundo momento, que se pode associar ao período da modernidade, buscam-se entender e conhecer quais são os limites da razão, no sentido de o que é possível conhecer sobre a realidade. Esse momento é chamado de virada epistemológica. Em um terceiro momento, denominado virada linguística - que não necessariamente elimina os paradigmas dos anteriores -, são questionadas as possibilidades da linguagem e os limites de se conhecer a realidade pela linguagem. Vilela esclareceu que, em um paradigma denominado giro discursivo, se tem a ideia de que os significados estão no uso e nos jogos de linguagem16, em que o pensado e o dito contêm representações da realidade.

Vilela finalizou sua fala enfatizando que a modelagem, ao propor partir de situações da realidade, deve problematizá-la, colocando sob suspeita e questionando certezas acerca das questões que permeiam essas situações, bem como sugerindo uma possibilidade de pesquisa em que a prática de modelagem

considere suposições distintas, não negando a realidade, mas considerando outras vertentes diferentes das já apontadas na literatura da área.

Entendo que esta pesquisa atende ao que foi proposto pela professora Vilela. Pretendo aqui discutir as relações entre realidade e matemática a partir da ótica dos alunos, e para tal considerarei uma vertente distinta das já apontadas na literatura (BIEMBENGUT; HEIN, 2005; BEAN, 2001, 2005; BASSANEZI, 2004) para direcionar minhas observações17.

A temática realidade também se apresentou na IX CNMEM por meio de duas comunicações científicas: Oliveira, Souza e Almeida (2015) e Rocha (2015)18.

Na comunicação de Oliveira, Souza e Almeida (2015), o objetivo foi compreender como a relação entre realidade e matemática está expressa nos esquemas de modelagem matemática. Pautados nas ideias de uso e formas de vida apresentadas por Ludwig Wittgenstein, os autores identificaram, nos esquemas de modelagem, os usos que são feitos dos termos realidade e matemática, com o intuito de perceber a relação entre eles, bem como se atentaram para as formas de vida nas quais esses esquemas de modelagem estão inseridos para justificar a(s) relação(ões) identificada(s).

A opção pelos usos de uma palavra é justificada pela configuração da linguagem de acordo com as experiências, pela compreensão destas em cada contexto específico. Em relação às formas de vida, segundo os autores, é a “expressão utilizada por Wittgenstein para designar nossos hábitos, costumes, ações e instituições que fundamentam nossas atividades em geral, envolvidas com a linguagem” (OLIVEIRA, SOUZA; ALMEIDA, 2015, p. 3).

Os esquemas escolhidos por Oliveira, Souza e Almeida (2015) são evidenciados em Bassanezi (2011)19, Kaiser (2005)20, Borromeo Ferri (2006)21 e

17 Na seção 1.4. apresento a lente teórica que direcionou o olhar nesta pesquisa.

18 Esta comunicação é de minha autoria e fruto desta dissertação de mestrado. Por conter dados que

serão aqui apresentados, optei por não descrevê-la.

19 BASSANEZI, Rodney Carlos. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática. 3. ed., 3ª

Almeida e Silva (2012)22. Nos esquemas de Kaiser (2005) e Borromeo Ferri (2006), os autores identificaram que os usos das palavras indicam uma divisão entre realidade e matemática. Nos esquemas de Almeida e Silva (2012) e Bassanezi (2011), os autores não identificaram uma separação explícita entre realidade e matemática. Mas, no caso de Bassanezi (2011), apontaram que o autor coloca em congruência “realidade” e “não matemático”, o que pode estabelecer, assim, uma relação de separação entre realidade e matemática.

A comunicação de Oliveira, Souza e Almeida (2015) por buscar compreender o uso das palavras realidade e matemática, assim como a relação entre elas, se aproxima da discussão desta pesquisa que, recordando, busca compreender as relações estabelecidas entre realidade e matemática. A diferença entre as pesquisas é que Oliveira, Souza e Almeida (2015) observam a relação entre realidade e matemática a partir de alguns esquemas da modelagem e esta dissertação busca observar essa relação a partir da ótica dos alunos envolvidos em uma prática de modelagem.

Antes de sinalizar como especificamente essas relações serão discutidas nesta dissertação, apresento, na próxima seção, a concepção de educação matemática assumida nesta pesquisa, convergente com a concepção de modelagem que orientou a prática.