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A Escrita como objecto de ensino e de aprendizagem

CAPÍTULO I – Para uma concepção de Didáctica de Línguas e da Escrita

4. A Didáctica da Escrita – contributos para uma disciplina multirreferenciada

4.7. A Escrita como objecto de ensino e de aprendizagem

A centralidade da escrita na escola e na sociedade hodierna comporta exigências escriturais acentuadas, que vêm desnudar dificuldades relativas ao escrever, ao aprender a escrever e, logo, ao ensinar a escrever, para além de que aumenta a responsabilidade de quem ensina. A provar a complexidade da escrita, vários caminhos investigativos têm consolidado o seu contributo para uma ciência que os procura integrar de forma global – a DE – de forma a poder relevar que conhecimentos é preciso ter para (ensinar a) escrever – linguísticos, ao nível da frase (ortografia, léxico, sintaxe) e ao nível do texto (coerência, coesão); ao nível da situação de comunicação – destinatário, objectivos comunicativos, postura do escritor/enunciador; tema/assunto do texto; modelos textuais/géneros textuais inseridos em determinados contextos de acção/comunicação – e modos de acção didáctica que os integrem.

A investigação sobre a Escrita que interessa à DE tem acentuado estes diversos aspectos, a equacionar, na nossa perspectiva, em complementaridade – os textos escritos e as suas características, como forma de preparar textos a escrever; as actividades e as estratégias postas em acção para escrever os textos e o contexto em que são escritos; o caminho investigativo parece caminhar, assim, do produto ao processo textual; do texto ao Sujeito que o produz.

As várias perspectivas investigativas dão contributos diferentes e não é possível equacionar, conceber e levar a cabo um ensino da escrita verdadeiramente fundamentado se não procurarmos fazer uma articulação de várias dimensões. Na impossibilidade de trabalhar tudo num único modelo de trabalho didáctico, a alternativa é a diversidade, sem dispersão (Pereira, 2000b), mas ancorada a uma racionalidade integrativa cujos pressupostos e princípios procuraremos sistematizar:

Pressupostos Princípios

utilidade, a multifuncionalidade e os sentidos da escrita;

Complexidade do escrever • Acompanhar, mediar a aprendizagem

da escrita – escrita em colaboração;

• Dar tempo à escrita, para haver lugar à reescrita, revisão – actividade processual de escrita;

• Pensar a língua(gem); • Prática regular de escrita;

• Interacção entre a escrita, leitura e oralidade;

• Avaliação formativa8, atenta no

processo escritural e não só no produto final da escrita;

Escrita pessoal, familiar • Conhecer representações e atitudes do

Sujeito face à escrita, através de discursos e práticas escriturais;

• Promover actividades de escrita ligadas à construção identitária do Sujeito, mas que promovam também a sua construção de saberes;

Escrita social, profissional • Contemplar diversos géneros textuais no ensino da escrita, direccionados para práticas socioprofissionais;

• Conhecer as representações dos Sujeitos sobre situações de comunicação por escrito;

• Promover a produção de escritos para destinatários autênticos; socializar os escritos;

Escrita literária • Promover práticas de escrita associadas

à exploração dos recursos estéticos da língua e à criação de novos sentidos e valores;

• Perceber a forma como o Sujeito se posiciona face à escrita baseada em modelos literários.

Quadro 2: Pressupostos e princípios do trabalho didáctico com a escrita

À complexidade do escrever corresponde a necessidade de facilitação do processo textual, em que o professor é o mediador, o escrevente mais experiente e capaz de se mobilizar para acompanhar os alunos no seu processo de aprendizagem da escrita e de activar e criar recursos, materiais, a inserir em dispositivos organizados para o ensino da macrocompetência que é a escrita.

A diversidade que advogamos, e que deve assistir as aulas de escrita, poderá concretizar-se ao nível de:

- escritos e finalidades dos escritos – escrever para comunicar, escrever para aprender a escrever determinado género textual, escrever para aprender sobre determinado tema, escrever para expressar sentimentos… Seja como for, a escrita deverá implicar sempre a organização e a construção do pensamento, pois deverá fazer o aluno amadurecer decisões relativas ao conteúdo a tratar no texto bem como às modalidades linguísticas que tem à sua disposição para o fazer, id est, é conveniente que os alunos vejam a escrita não só “como una forma de decir lo que piensam” mas sobretudo como “una forma de pensar” (Solé, 2008, p. 24). O esforço de verbalização sobre várias opções e possibilidades gera aprendizagens canalizáveis para outras situações de escrita, porque engendra uma reflexão sobre o processo textual que, por sua vez, desenvolve uma maior consciência metalinguística, metacognitiva, metatextual, ou seja, uma maior conceptualização;

- estratégias, actividades – individuais, em pares, em grupos, colectivamente, a partir de textos de autores, textos de alunos, usando a oralidade como motor para a ordenação escrita, como planificação dos conteúdos, como modo de discutir as possibilidades discursivas de um texto; recorrendo à leitura como modelo, para escrever “à maneira de”, como fonte de ideias e de conhecimentos e como instrumento de escrita – ler o texto para o desconstruir, para captar a sua organização e composição e, daí, retirar ilações para produções semelhantes. Colocar mais ênfase na planificação, na textualização ou na revisão e, portanto, construir instrumentos – fichas de orientação, listas de verificação, critérios, indicadores, para os alunos e/ou professor – que promovam a reformulação criteriosa dos textos (Cassany, 2000), a sua auto e hetero-avaliação e uma avaliação e classificação (Villanueva, 1998) em consonância com aspectos efectivamente ensinados (Schneuwly & Thévenaz-Christen, 2006) são estratégias desejáveis numa nova pedagogia da escrita.

Acredita-se nesta diversidade como forma de resposta às inúmeras dimensões implicadas na escrita e nos processos de produção textual, às diversas

situações de escrita, bem como aos perfis de alunos, aprendentes, escreventes e às diferentes posturas que adoptam enquanto escrevem (Bucheton, 1997). Com efeito, o Sujeito que escreve – Sujeito escrevente – não mobiliza apenas conhecimentos ao escrever; poderá possuir determinados saberes, na medida em que os sabe reproduzir e explicar, mas esses saberes só serão convertidos em “saberes-fazer” se o Sujeito tiver oportunidade de os utilizar em situações que os solicitem. Além disso, a escrita concretizará, antes de mais, uma necessidade, obrigação, vontade, intenção… e não, apenas, a demonstração de conhecimentos. A boa qualidade de um texto não dependerá, somente, dos saberes e saberes-fazer do Sujeito, mas da atitude do Sujeito prévia à escrita e durante a própria escrita, o que significa que, no processo de escrita, não entram apenas em jogo factores de ordem cognitiva, mas também psicoafectiva – atitudinal, motivacional, emocional. É, precisamente, nestas dimensões, que a consideração do Sujeito escrevente implica, que vamos centrar-nos seguidamente.

4.8. O Sujeito Escrevente em questão numa didáctica da escrita