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A escrita em uso no Ensino Infantil

No documento Letramento em comunidade de surdos (páginas 81-84)

CAPÍTULO 4 – Comunidades surdas em Recife

5.2 A escrita em uso no Ensino Infantil

O objetivo central do trabalho no ensino infantil é que os alunos apreendam os traços culturais dos surdos e sejam inseridos no processo de aquisição da língua brasileira de sinais. Além do ambiente de sala de aula, freqüentemente são realizadas atividades sociais de jazer e/ou conhecimento, integrando surdos adultos e crianças de idades variadas. Isto porque se acredita que somente em contato com

outros surdos (adultos e jovens) a criança apreende a LIBRAS e desenvolve sua identidade sociocultural. Por isto, na maioria das vezes, os professores e funcionários em contato direto com crianças iniciantes são surdos. Quando isto não é possível, o professor ouvinte deve ser fluente na LIBRAS.

Em visitas a escolas bilíngües do ensino infantil, e de acordo com o depoimento de algumas professoras, foi possível perceber a ocorrência de gêneros textuais escritos em salas de aula com o objetivo de introduzir a criança ao uso da escrita. Geralmente, a escrita estava associada a atividades de interesse infantil. Professores levam livros ilustrados para a sala de aula e contam as histórias em LIBRAS, mostrando as figuras que, na maioria das vezes, estão acompanhadas de textos. Escrevem os nomes das crianças em cartolinas, para determinar o local onde cada um deve colocar seus pertences, utilizam cartazes contendo textos e imagens, ou seja, fazem com que a escrita esteja presente no ambiente escolar.

Na maioria das escolas, ainda não se trabalha com uma variedade de gêneros textuais escritos com crianças iniciantes, pois o objetivo inicial é a aquisição da LIBRAS, no entanto, a escrita já está inserida em algumas atividades. Helena, a coordenadora do ensino infantil e fundamental em escola especial para surdos relata:

“Para haver possibilidade de leitura você precisa ter uma língua. Então é claro que para o surdo ter possibilidade de ler e de escrever ele tem que ser competente lingüisticamente. E ele só pode ser competente lingüisticamente, competência assim realmente profunda, na língua de sinais. Para a gente ensinar a ler, primeiro o menino já tem que ter uma língua, e aí, a gente vai ampliando a leitura de mundo dele através da leitura de livros em português”.

Os livros infantis de literatura clássica são freqüentemente escolhidos por professores e coordenadores para contribuir, de forma prazerosa, com a introdução das crianças surda ao mundo da escrita. Geralmente estão presentes em atividades diárias, e quando bem apresentados, são recebidos com interesse pelos alunos. Carla é uma professora surda, de 28 anos de idade, que trabalha há seis anos no ensino infantil. Comenta que apresentar bem um livro de literatura clássica aos pequenos aprendizes surdos significa fazer uso da LIBRAS como veículo de acesso ao mundo de sentidos explorados nas letras. Nas palavras de Carla:

“Eu não vou dar um livro para ele olhar porque ele não vai entender, então peço para que ele olhe para mim. Então eu trabalho a história na LIBRAS

bem devagar para que eles entendam. Depois, sim, mostro as figuras e a escrita dos livros e tudo tem mais sentido pra eles”

O interesse pelos livros infantis começa a ser percebido em crianças ainda muito iniciantes. Sobre isso, Helena ainda diz:

“Começa assim: no jardim é só contar história... Os professores recontam a história, quando eles começam a pedir: ‘Quero a história tal’... Já é sinal de que eles gostaram daquela história”

Os relatos de Helena e Carla mostram a preocupação com a formação da visão do mundo e da competência lingüística do aluno, antes mesmo do aprendizado da leitura e da escrita. Nesta fase inicial, a criança começa a perceber que a escrita, além da LIBRAS, é um veículo de comunicação. Carla acrescenta:

“O trabalho com livros nas classes dos pequenos serve também para questão da comunicação, para eles entenderem que o que a gente pensa, fala ou gestualiza pode ser escrito numa língua. Que não pode ser na língua deles, já que a língua deles não tem escrita, mas que a gente pode usar a língua portuguesa”

A preocupação com o aprendizado da LIBRAS e a introdução, desde cedo, da escrita, através de gêneros textuais escritos típicos do contexto escolar não está presente apenas nos comentários de Helena e Carla, mas em vários relatos registrados. Professores e educadores acreditam que o valor e a importância do ler e escrever devem ser estimulados desde muito cedo. No entanto, no ensino infantil, não foi identificada uma grande variedade de gêneros textuais escritos de consumo (para leitura), utilizados em atividades escolares. Além dos gêneros textuais encontrados em livros de histórias infantis (fábulas, contos, literatura infantil), observa-se o uso de bilhetes e agendas destinados aos pais por intermédio das crianças. Além disso, os professores fazem uso de listas com os nomes das crianças, para que elas possam ir aprendendo a identificar a grafia de seus nomes, e de outros itens lexicais de uso constante em atividades escolares (por exemplo: nas paredes das salas aparecem desenhos associados à escrita, como sol, chuva, dia, noite, crianças, etc). Usa-se também o calendário, que em algumas escolas são trabalhados com as crianças. Em outras, apenas figuram o ambiente.

No que diz respeito à produção de gêneros escritos por parte das crianças percebeu-se que a maioria das escolas não trabalha a produção escrita com alunos desta faixa etária, pois priorizam o aprendizado da LIBRAS e acreditam que a

estimulação à produção escrita deve ser uma et apa posterior no processo educacional.

Apesar de uma pequena variedade de gêneros textuais da escrita intermediar as atividades acadêmicas e as relações comunicativas no ensino infantil para crianças surdas, fica claro, nos relatos obtidos, que a maioria dos profissionais acreditam na importância da introdução ao uso da escrita o mais cedo possível, e fazem uso, portanto, de gêneros textuais que despertam o interesse e o prazer infantil, contribuindo para uma maior intimidade da criança com a escrita.

No documento Letramento em comunidade de surdos (páginas 81-84)