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Os gêneros textuais recorrentes no ambiente educacional

No documento Letramento em comunidade de surdos (páginas 103-108)

CAPÍTULO 4 – Comunidades surdas em Recife

5.5 Os gêneros textuais recorrentes no ambiente educacional

A identificação dos gêneros textuais que permeiam as atividades escolares do ensino infantil, fundamental, médio e superior em escolas que recebem alunos surdos (Quadro 1) mostra alguns aspectos interessantes que merecem ser discutidos.

Em todas as esferas educacionais, é possível se identificar uma maior ocorrência de textos destinados ao consumo dos alunos do que textos produzidos pelos alunos. Os motivos dessa predominância no ensino infantil foram previamente discutidos e estão relacionados à ênfase no aprendizado da LIBRAS em período anterior à introdução da criança ao mundo da escrita. Como dito anteriormente, esta escolha baseia-se na crença de que, para se tornar um bom leitor na segunda língua, faz-se necessário o domínio lingüístico na primeira língua e visão ampla de mundo. Por este motivo, o uso de gêneros textuais escritos no ensino infantil aparece de forma introdutória, com o objetivo de familiarizar a criança com a escrita. A criança nesta fase ainda não sabe ler, mas, em trabalho escolar, já tem contato com gêneros textuais diversos. A produção escrita, por outro lado, não é explorada ou cobrada nesta etapa.

No ensino fundamental e médio, o cenário se modifica um pouco, mas o maior número de gêneros destinados à leitura ainda prevalece. Este fato sugere um maior investimento no ensino da leitura quando comparado ao ensino da produção escrita. Talvez, este movimento esteja relacionado a uma tendência mais geral do ensino brasileiro, encontrada também na maioria das escolas para crianças ouvintes (BEZERRA, 2002; CRISTÓVÃO; NASCIMENTO, 2005). A dificuldade de se trabalhar o processo de produção escrita gerada pela carência de métodos específicos de ensino para crianças surdas pode estar também relacionada à ênfase encontrada no ensino da leitura (compreensão). O ensino da leitura do português através do uso da LIBRAS, ou seja, a tradução e interpretação dos textos através da língua de domínio dos aprendizes, contribui para a construção de sentido após a leitura. Esta metodologia vem sendo utilizada em sala de aula como uma alternativa interessante. No entanto, quanto à produção escrita, apenas uma escola relatou investigar metodologias alternativas destinadas às cri anças surdas, geralmente desenvolvidas com base nos próprios relatos dos surdos sobre formas de memorização e habilidades visuais, e em estudos neurolingüísticos ou cognitivos, que apontam especificidades da população surda.

Um aspecto interessante é a presença de gêneros textuais escritos não encontrados de forma recorrente nas escolas de crianças ouvintes. Os dados do quadro 1 mostram que, além dos gêneros textuais comuns do ambiente escolar, já esperado de serem encontrados nas escolas de surdos, no ensino fundamental e médio, as crianças surdas fazem uso, em atividades escolares, de gêneros textuais

específicos (não típicos do trabalho escolar com ouvintes). Alguns exemplos dessas formas de escrita são os bilhetes, as conversas informais em chats (bate-papos) na internet e os gêneros de circulação urbana e doméstica. Os gêneros considerados específicos estão destacados com a cor vermelha no quadro 116.

Os bilhetes são estrategicamente trabalhados e incentivados em sala de aula através da simulação e criação de situações reais de interação verbal. Isto porque, grande parte da comunicação diária entre surdos e ouvintes (que muitas vezes não fazem uso da LIBRAS), geralmente, é realizada através da escrita de recados e bilhetes interativos.

Quadro 1 – Gêneros textuais escritos recorrentes em atividades educacionais.

Ensino Infantil Ensino Fundamental e Médio Ensino Superior Gêneros Textuais Escritos utilizados para consumo " Agendas " Bilhetes " Calendários " Contos " Fábulas " Listas (de nomes próprios e itens lexicais) " Agendas " Anotações do professor " Bilhetes " Calendários " Carta pessoal " Chat (bate-papos) " Diários

" Gêneros dae circulação urbana " Gêneros de circulação doméstica " Gêneros digitais " Gêneros jornalísticos (reportagens; notícias) " Listas de nomes, de itens

lexicais " Literatura infantil " Notas e exercícios didáticos " Verbetes " Anotações do professor " Artigos científicos " Gêneros digitais " Gêneros jornalísticos (reportagens; notícias) " Monografias " Quadros (científicos) " Tabelas Gêneros Textuais Escritos produzidos ---- " Agendas

" Anotações das aulas Avaliações " Bilhetes " Carta pessoal " Chat (bate-papo) " Diários " Redação " Anotações das aulas " Artigos científicos " Avaliações " Monografias " Quadros (científicos) " Resenhas " Seminários " Tabelas 16

Com base na concepção de gêneros textuais abordada neste estudo, que entende os gêneros como manifestações sócio e historicamente situadas, e a compreensão de que não se pode listar

todos os gêneros de um grupo social, algumas formas de texto encontradas nas interações sociais

observadas, ainda que não tenham sido previamente documentadas, serão aqui consideradas como

Os chats digitais, por ser prática de interesse da população infanto-juvenil, são incentivados nos intervalos das aulas ou através de atividades extra-sala sugeridas por professores (os próprios professores marcam encontros com os alunos surdos para conversas através dessa ferramenta). Os educadores acreditam que o uso de uma ferramenta que motiva as relações entre jovens ajuda-os a fazer uso da escrita. Ainda se esta atividade não fosse incentivada pelos professores, sem dúvida estaria presente nas interações sociais entre jovens surdos que, em sua grande maioria, relata gostar desse tipo de comunicação.

Diversos gêneros de circulação urbana e domestica (encontrados nas atividades de rotina dos surdos ou de seus familiares, como, por exemplo, em placas informativas nas ruas, em transportes públicos, listas de alimentos ou materiais escolares, contas, documentos pessoais etc) são inseridos em dinâmicas escolares, que, de acordo com alguns educadores, por serem de uso diário dos surdos, devem ser trabalhados em atividades escolares.

Faz-se necessário lembrar, mais uma vez, que a presença dos gêneros textuais considerados atípicos quando comparados aos textos que circulam em escolas regulares (para crianças ouvintes) não foi encontrada na maioria das escolas. E até mesmo dentro da mesma instituição, profissionais relatam opiniões diversas em suas escolhas. Em uma escola de ensino fundamental e médio, por exemplo, alguns educadores mencionaram o uso desses gêneros e outros afirmaram apenas fazer uso de gêneros comuns no ensino regular. Muitas vezes, educadores escolhem os textos para trabalho acadêmico com base na sua alta ocorrência dentro do ambiente escolar regular, desconsiderando, muitas vezes, a ocorrência desses textos na vida social dos surdos. Sendo assim, uma parcela relevante das escolas para surdos utiliza apenas os gêneros textuais típicos da instituição educacional.

Os gêneros textuais encontrados nas instituições de ensino superior foram típicos do ambiente educacional nessa esfera de ensino, ou seja: artigos científicos, monografias, anotações dos professores, gêneros digitais, tabelas, quadros, seminários, gêneros jornalisticos. Como o enfoque pedagógico universitário não está no ensino da leitura e da escrita, mas no uso dessas ferramentas para o ensino de conteúdos profissionalizantes, não existe a preocupação majoritária de formar bons leitores, mas sim, de formar profissionais competentes. Parte-se do pressuposto de que o aluno já domina a leitura e a escrita. A escrita que permeia as atividades

universitárias geralmente tem funções pedagógicas específicas e comuns entre surdos e ouvintes. Talvez, essa tenha sido a razão pela qual não foram identificados gêneros textuais escritos que já não sejam típicos do ambiente universitário.

Além do universo educacional, foi objetivo deste estudo investigar outras práticas sociais que determinam os eventos e práticas do letramento na comunidade dos surdos em nossa cidade. Algumas instituições criadas para atender aos surdos e membros de sua comunidade nas mais diversas práticas sociais foram consideradas como fonte de informações para que se chegasse à compreensão das dinâmicas e relações sociais dos surdos. A seguir, serão abordados os gêneros textuais escritos que permeiam as interações em instituições que objetivam a integração social do surdo.

No documento Letramento em comunidade de surdos (páginas 103-108)