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A coleta dos dados

No documento Letramento em comunidade de surdos (páginas 63-68)

CAPÍTULO 3 – Aspectos metodológicos da pesquisa

3.3 A coleta dos dados

Como já abordado, as informações referentes à vida sociocultural dos membros da comunidade investigada, assim como, o uso que fazem da escrita, foram coletadas através de observações por parte da investigadora, entrevistas e conversas informais, gravações e fotografias, anotações realizadas em campo e o uso de recursos digitais (internet).

Antes de serem descritos os procedimentos realizados para a coleta dos dados desta pesquisa, é importante mencionar o background da pesquisadora no convívio com surdos. O interesse na investigação do letramento em uma comunidade de surdos usuários de LIBRAS surgiu após reflexões provocadas por leituras sobre teorias e práticas do letramento numa perspectiva sociocultural, associadas à vivência da pesquisadora em comunidade de surdos. O contato direto com surdos adultos e crianças e suas famílias ao longo de oito anos de trabalho como fonoaudióloga em uma instituição educacional para surdos na cidade do

Recife, não apenas contribuiu para um acúmulo de experiências e aprendizados sobre a cultura e a língua desta população, mas também fez surgir inquietações de natureza ampla e científica, incluindo os questionamentos sobre a função da escrita do português na comunidade. O caráter etnográfico deste estudo enaltece a importância desses anos de convívio e aprendizado sobre os traços culturais da população investigada para obtenção dos objetivos investigados.

Através de um levantamento realizado com a ajuda de alguns profissionais da surdez, foram identificadas as instituições sociais, religiosas e educacionais de referência na cidade para a comunidade investigada. Representantes dessas instituições foram contatados e, em conversas iniciais, informados sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa. Nesse momento, era apresentada aos participantes uma cópia da carta redigida pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, aprovando a realização do estudo (Anexo A). Em algumas situações, foi explicada aos participantes a importância da aprovação de um comitê desta natureza na avaliação de pesquisas científicas realizadas com seres humanos, assegurando o bem-estar dos participantes.

Após a explicação dos objetivos norteadores do estudo e dos procedimentos necessários para atingi-los, era requisitada a permissão para freqüentar a instituição com intuito de aprender sobre a vida social naquela instância e convidar outros membros integrantes a participar do trabalho. Em nenhum caso, a permissão foi negada. Em todas as ocasiões, houve disponibilidade por parte das pessoas abordadas em ajudar nos procedimentos de coleta. Vários integrantes das instituições ajudaram de diferentes maneiras. Alguns aceitavam participar de entrevistas semi-dirigidas, outros ajudavam oferecendo informações sobre as atividades e a população da instituição, outros indicavam pessoas que deveriam ser contatadas. Sempre que possível e necessário, os objetivos e procedimentos do estudo eram explicados.

3.3.1 As entrevistas

Antes da realização das entrevistas, cada participante lia e assinava um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A). O termo contém informações gerais sobre o estudo e garante a preservação da identidade e imagem dos participantes. Ao término da leitura do termo, os participantes assinavam, confirmando sua concordância em participar. Logo em seguida, a entrevista tinha

início. Em alguns casos, participantes surdos mostraram dificuldades na leitura do termo em questão (fato inclusive revelador de informações para os propósitos deste estudo). Quando isso acontecia, pediam ajuda a algum familiar presente ou à pesquisadora.

As entrevistas com ouvintes (Apêndice B) membros da comunidade de surdos pretendiam aparentar caráter natural, na tentativa de deixar o participante livre para falar o que achasse importante. Os tópicos norteadores eram sempre abordados, mas sem seguir uma seqüência rígida de perguntas e respostas. Muitas vezes, o entrevistado trazia em seu discurso tópicos de interesse da investigadora sem ter sido necessário perguntar-lhe. Quando a entrevista estava chegando ao fim, caso alguns assuntos não tivessem sido mencionados, eram perguntados de forma mais direta pela pesquisadora. Foram realizadas vinte e três (23) entrevistas com ouvintes, nos quais sete (07) são familiares (pais e irmãos), nove (09) são educadores, quatro (04) são membros das organizações sociais e três (03) são intérpretes. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas para posterior análise. No caso dos surdos, era mais difícil manter a informalidade, pois a presença do intérprete como mediador da interação entre o participante e a pesquisadora tornava a situação menos natural. Porém, a idéia de tornar esse momento o mais natural possível esteve sempre presente.

Os tópicos abordados nas entrevistas com ouvintes incluíam perguntas sobre sua profissão, sua vida diária, seu contato com surdos, sua fluência na LIBRAS. É certo que, durante o processo de seleção dos indivíduos que iram participar da entrevista, houve várias conversas informais que possibilitaram o conhecimento sobre a inserção dos entrevistados no dia-a-dia da comunidade surda. No entanto, no momento da entrevista, esse tópico era novamente abordado para alguns esclarecimentos. Como mencionado, foram escolhidos para participar desta etapa da coleta membros ativos (de contato diário e direto com surdos) da comunidade. Pessoas que participam intensamente da vida social dos surdos, seja em ambiente familiar, educacional, práticas religiosas, eventos de lazer. Geralmente, essas pessoas ofereciam ricas informações sobre hábitos comuns na população, formas de interação mais recorrentes (mediadas ou não pela escrita), dificuldades comunicativas (entre surdos e ouvintes, geralmente) e formas de superá-las e, principalmente, sobre a escrita em uso, a escrita que surge em práticas comunicativas. As funções da escrita nestas práticas eram sempre refletidas e

conversadas. Além desses temas, as dificuldades dos surdos no processo de aprendizagem da leitura e escrita era assunto recorrente nas conversas. Quase sempre, este assunto era mencionado pelos entrevistados, sugerindo ser uma preocupação freqüente na comunidade.

Para a realização das entrevistas com surdos (Apêndice C), fez-se necessária a presença de intérpretes de LIBRAS, reconhecidos como profissionais e associados ao órgão oficial dessa profissão, a FENEIS. Apesar de a investigadora fazer uso da LIBRAS, a presença de um intérprete oficial foi importante para garantir a fidelidade das informações oferecidas por surdos, evitando qualquer problema causado por dificuldade de interpretação ou tradução por parte da investigadora. Para posterior análise e confirmação das informações obtidas, todas as entrevistas em LIBRAS foram vídeo-gravadas e a tradução dos intérpretes (em português oral) foram gravadas. Foram realizadas vinte e uma (21) entrevistas incluindo surdos adolescentes e adultos, do sexo masculino e feminino. As ocupações dos entrevistados incluem: educadores, estudantes, profissionais do lar, funcionários em empresas privadas, entre outros.

Nas entrevistas com surdos, os assuntos de interesse eram vistos de um outro ângulo, pois eles contavam suas próprias experiências com a escrita. Suas dificuldades, suas preferências, suas opiniões e sugestões. Eventos e práticas sociais de letramento eram sempre detalhados com destaque à função da escrita em cada um deles.

As entrevistas contribuíram com grande parte das informações coletadas, mas como mencionado, houve outras fontes de dados. Informações relativas à descrição do processo observacional realizado durante as visitas aos locais de pesquisa serão fornecidas a seguir.

3.3.2 Observações e anotações

Após inúmeras visitas a escolas, igrejas, famílias de surdos, centros especializados, encontros de lazer e encontros virtuais, uma coleção significativa de informações formaram um acervo revelador do mundo mediado pela escrita nessa comunidade. A participação em eventos de natureza variada contribuiu para fazer da pesquisadora membro participante de contextos sociais e comunicativos, e assim poder assimilar questões imperceptíveis aos olhos de quem está fora da comunidade. Todas as dinâmicas observadas eram descritas em anotações para

posterior análise. Até mesmo situações inicialmente julgadas como pouco relevantes eram registradas para interpretação futura. Em diversas ocasiões, essas anotações eram realizadas in loco, e em outras, quando isso não era possível, eram realizadas depois de terminado o evento.

3.3.3 Registro fotográfico

Durante as visitas às instituições participantes e aos ambientes familiares, através de uma câmera fotográfica digital, foi realizado o registro dos espaços físicos onde aconteciam os diversos eventos sociais, assim como dos gêneros textuais mediadores da comunicação escrita em inúmeras práticas de letramento.

O registro fotográfico foi realizado com o objetivo de ajudar a análise da organização social e das funções da escrita em diferentes eventos comunicativos através de uma visão detalhada dos cenários sociais e das características específicas dos gêneros textuais escritos. Este procedimento era realizado somente após a permissão dos membros da comunidade. Algumas fotografias relevantes serão expostas no capítulo seguinte, servindo de ilustração em discussões sobre o letramento social observado na comunidade.

Informações retiradas das transcrições das entrevistas, dos registros da pesquisadora e dos contatos virtuais foram categorizadas em bancos de dados (software Microsoft Excel) para melhor visualização e quantificação de alguns dados. Alguns trechos das entrevistas foram considerados significativos para a compreensão de situações relevantes a serem discutidas e serão apresentados, no capítulo seguinte, juntamente com as demais informações coletadas e reflexões sobre o uso social da escrita na comunidade investigada.

No documento Letramento em comunidade de surdos (páginas 63-68)