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A espiritualidade humana precisa ser abraçada

1. A gênese do Problema e as Minhas Inquietações

2.3 A espiritualidade humana precisa ser abraçada

Por certo ainda somos incipientes quanto à compreensão sobre o espírito humano e sobre a espiritualidade. Para Morin (1996), em seu texto O Método III: o conhecimento do conhecimento, ainda vivemos na pré-história do espírito. Se o espírito humano pode desenvolver-se, e este desenvolvimento diz respeito aos valores cultivados na sociedade e pela sociedade, o mesmo espírito pode assumir muitas direções, conforme os caminhos tomados, seja pelo desenvolvimento, no seu sentido positivo, ou direções alheias a esse desenvolvimento, no sentido negativo. Há, pois, um caráter ambíguo para os caminhos do espírito. Precisamos resgatar a positividade do espírito e de suas manifestações, desvinculando-o do desvario, da doença e do desequilíbrio. Em sendo assim, a espiritualidade é tão importante e legítima quanto ao próprio existir humano. E, por isso mesmo, precisa ser abraçada por aqueles que pretendem orientar o ser humano nessa positividade.

Viktor E. Frankl (1997) procura mapear maneiras que permitam a compreensão da espiritualidade humana. Frankl é considerado o fundador da logoterapia, denominada em vários lugares como a “terceira escola vienense de psicoterapia” (sendo

as duas primeiras: a psicanálise e a psicologia individual). A análise logoterápica visa penetrar as profundezas do espírito humano, ultrapassando mesmo os limites do psicofísico, em direção à consciência, ao “inconsciente espiritual” e à “existência humana” – à pessoa profunda.

A logoterapia, como análise existencial que é, reconhece no homem a ‘dimensão noológica’ situada além do psicofísico, numa visão mais ampla que inclui o espiritual, entendida não apenas como dimensão religiosa [...] encontrando no seu conteúdo, além da impulsividade inconsciente, uma espiritualidade inconsciente. [Neste caso é afastada] toda a intelectualização e racionalizações unilaterais sobre a essência do homem [que tem sido apenas] reconhecido a partir da razão. [Há] no ser humano uma unidade na totalidade que inclui: corpo, psiquismo e espírito (noos). (FRANKL, 1997, p. 7-8).

Frankl considera que a psicoterapia visa a saúde mental e a religião a salvação da alma. Nesta última a espiritualidade é focada de maneira mais direta. Na religião o homem se orienta de modo mais consciente no caminho de sua transcendência, é quando pode encontrar o sentido último da vida em Deus ou ao sentir-se ancorado no absoluto. É fundamental restituir ao homem a sua capacidade autocriadora, a sua produção artística, a sua dignidade merecida, pois o sentido último e a espiritualidade “emergem não do ‘porão’ dos instintos, mas das alturas do espírito” (ibid. p. 9). Fazendo uma paráfrase de Kafka, “A verdadeira profundidade do homem é a sua altura” (FRANKL, loc. cit.). Como destacamos na epígrafe, superando a imagem de “homem máquina” e de “homo natura”, Frankl encontra o “homo humanus”, que usa o cinzel para criar e eternizar seus sentimentos e ideais, que se admira e faz preces, e pode, uma vez cultivado no sentido positivo, comunicar o belo ou o santo. Daí a necessidade de nos ocuparmos na orientação da espiritualidade humana..

As pautas da espiritualidade humana podem ficar bem demonstradas em praticamente tudo do que fazemos, especialmente naquelas práticas que temos como estritamente espirituais, como a adoração, a oração e obediência aos princípios expressos deste ou daquele patrimônio religioso. Entretanto, mais que isso, a

espiritualidade humana não cabe apenas nas atividades denominadas estritamente espirituais ou esferas religiosas, assim como também não cabe nos limites geométricos de nossos apegos e projetos. A espiritualidade acompanha o homem onde quer que ele vá ou em qualquer coisa que faça. Umberto Eco e Carlos M. Martini (orgs. 2000), através do texto Em que crêem os que não crêem?, sugerem a necessidade da crença, sobretudo positiva, Quanto às crenças, nem os ateus escapam dela. As suposições “atéias” precisam estar bem consolidada para resistir a outras suposições contrárias, especialmente a da fé em Deus. Obviamente este não é um tipo de fé positivo.

Seguindo esse raciocínio, o espírito humano pode se expressar contra ou a favor de um Deus ou deuses, assim como pode ser indiferente aos mesmos. Isso não implica que a espiritualidade humana pode deixar de seguir vários caminhos, e que não pode ser orientada no sentido estrito. O desenvolvimento da espiritualidade pode mesmo ser um projeto de vida nutrido por algo que se acredite valer a pena, como um valor último e incondicional. L. Boff (1996), em seu livro Ecologia – Mundialização – Espiritualidade, usa o exemplo do cristianismo, que é a maior instituição religiosa do Ocidente. Segundo ele, não devemos identificar o espírito e suas expressões apenas com uma figura tradicional do místico, do anacoreta, do eremita, do recluso monge, mas, sim, no seu sentido mais amplo e radical. A amplitude e a radicalidade cristã supõem toda a esfericidade da vida humana, a sua verticalidade, a relação com Jesus, e sua horizontalidade, a relação com as pessoas e o mundo circundante. Seria aquilo que poderíamos chamar de “mística de olhos abertos” (J. B. Metz) e “experiência intensa da Transcendência” (Rahner). Espiritualidade e vida terrena são inseparáveis, mesmo que distinguíveis: primeiramente, servimos a Deus sem perder a dimensão terrena e tudo que ela implica e, em segundo lugar, podemos desenvolver de modo responsável (ético) nossas responsabilidades terrenas (vida, família, a profissão, o cuidado com outro) e, desse modo, estaremos cultuando a Deus. De certo modo, podemos fazer as coisas

espirituais, como a oração e contemplação, naturalmente e fazer as coisas naturais, como um simples ato de cumprimentar alguém, de modo espiritual. A oração e ação devem ser interligadas e inseparáveis.

L. Boff (1996) destaca a forma positiva da espiritualidade. Ele diz que a espiritualidade implica em viver segundo a dinâmica profunda de toda a vida e da vida toda. Há uma dívida humana com relação à espiritualidade. Tudo o que é vivo precisa nutrir-se. O espírito, assim como o corpo, precisa ser nutrido. É bem verdade que são formas de se nutrir diferenciadas. Caso o espírito e o corpo não sejam nutridos, desintegram-se. Em nome de supostas atividades objetivas podemos nos distanciar de nosso eu profundo. Em busca excessiva da materialidade esquecemos as “regiões abissais” da existência humana – a do espírito. Resta-nos pagar a dívida da espiritualidade humana. É preciso denunciar a situação que oblitera a nossa consciência, que nos faz esquecer o universo circundante.

L. Boff, em seu texto Espiritualidade: um caminho de transformação, fala sobre um ser de permanentes mudanças. Há, no entanto, mudanças exteriores e interiores.

[Essas mudanças que são interiores são] verdadeiras transformações alquímicas, capazes de dar um novo sentidos à vida ou de abrir novos campos de experiência e de profundidade rumo ao próprio coração e ao mistério de todas as coisas [...] Hoje a singularidade de nosso tempo reside no fato de que a espiritualidade vem sendo descoberta como dimensão profunda do humano, como o momento necessário para o desabrochar pleno de nossa individuação e como espaço da paz no meio dos conflitos e desolações sociais e existenciais. (BOFF, 2001, p. 18).

A espiritualidade humana precisa, pois, ser abraçada. Precisamos aprofundar nossa espiritualidade naquilo que ela tem de positivo, caso queiramos viver uma vida de mais inteireza e dignidade.

Pensadores, como a física e filósofa Danah Zohar e o psiquiatra e terapeuta Ian Marchall (2000), através do livro QS: inteligência espiritual, falam da inteligência espiritual como a necessidade de se ter um propósito e objetivos bem definidos na vida.

Ainda, o psicólogo clínico e membro da Faculdade de Medicina de Harvard, Richard N. Wolman (2002), em seu livro Inteligência Espiritual: Um método revolucionário para você avaliar e expandir seu nível de consciência espiritual, focaliza a necessidade humana de compreender a dimensão espiritual da vida e defende a idéia de ser possível e, mesmo necessário, reconciliar ciência e espiritualidade.

Wolman diz que no século XX, a grande sabedoria, é aprender a pensar com a alma. Pensar com a alma, neste caso é inteligir com o espírito, que ele chama de inteligência espiritual. Essa inteligência ocorre quanto o espírito sabe discernir, escolher e agir. Entretanto, o espírito não é separado de um corpo. Falar em espírito é falar também da pessoa total. Esse espírito tem suas expressões ou manifestações por meio de um corpo, que aqui chamamos de espiritualidade. Esta espiritualidade está relacionada diretamente com a existência humana e é justamente isso que nos garante a possibilidade de desenvolver os valores éticos e crenças que orientam nossas ações do cotidiano. Somente mediante o desenvolvimento do espírito humano, pela inteligência espiritual, podemos sonhar e dar à vida o rumo e a forma desejada. Neste caso, a inteligência espiritual é a mais fundamental de todas. Não deve, pois, ser negligenciada, ao contrário, precisa ser abraçada.