• Nenhum resultado encontrado

A estrutura do livro de Amós

No documento Download/Open (páginas 165-168)

Neste segundo capítulo serão apresentadas algumas propostas de estruturas para Am 1,1—9,15, que servirão de balizas para uma compreensão mais ampla de Am 6,1-14. É um esforço de se aliar aos resultados do método histórico-crítico as contribuições de vários autores interessados no estudo sincrônico do livro de Amós. Cada vez mais, os autores reconhecem certa organização literária no livro de Amós.1 Existe, inclusive, um pressuposto de que os textos bíblicos não sejam compilações, mais ou menos bem sucedidas, mas verdadeiras composições, semelhantes às obras compostas por um só autor. Pietro Bovati e Roland Meynet procuraram verificar a respeito do livro de Amós se tal pressuposto seria apenas uma hipótese gratuita.2 Sobre a necessidade de se fazer também uma leitura sincrônica do livro de Amós, Luís Alonso Schökel e José Luís Sicre Díaz observaram:

O fato de um texto ser autêntico ou inautêntico tem só importância na hora de conhecer a mentalidade do profeta. No caso de ser posterior a ele, é preciso saber por que o texto foi acrescentado e de que modo estas novas afirmações completam e matizam as anteriores.3

1 BOVATI Pietro; MEYNET Roland. Il Libro del Profeta Amos. Roma: Edizioni Dehoniane, 1995.

p. 18.

2 Ibid., p. 437.

3 ALONSO SCHÖKEL, Luís; SICRE DÍAZ, José Luís. Profetas II: Ezequiel, Doze Profetas

Em sua resenha sobre o livro de Pietro Bovati e Roland Meynet4, J. Arambarri ressaltou as possibilidades que a retórica oferece como método exegético:

Es evidente, por otra parte, que los procesos diacrónicos del texto confluyeron a su debido tiempo en un proceso sincrónico y el redactor del libro era consciente de la labor que tenía entre manos. Después de haber empleado grandes esfuerzos en descubrir los procesos del texto con el método de la historia de las formas y finalmente con la historia de la tradición y redacción, ha llegado el momento de complementar ese proceso con un análisis más detenido de las estructuras del texto definitivo, esto es, del libro existente.5

Entre vários autores, que contribuíram com sua leitura sincrônica do livro de Amós, é necessário fazer justiça a James Linville6, que relê, sincronicamente, os últimos capítulos de Amós à luz da relação entre a voz divina, que exige que seus ouvintes profetizem (cf. Am 3,8), a voz de Amós e a de outros atores. Yehoshua Gitay, que fez uma análise retórica de Am 3,1-15, concluiu:

Portanto, uma vez que a retórica é uma disciplina que explora a relação mútua entre o texto e sua audiência, o presente estudo emprega o sistema da retórica clássica, isto é emprega as ferramentas e a moldura da retórica clássica, mas à luz do material de Amós.7 (tradução nossa).

Tais estruturas não são decisivas em si mesmas, mas possibilitam uma visão de conjunto do texto e apontam para elementos que podem evidenciar tanto o caráter unitário dos textos quanto determinados traços redacionais. Destacam-se, aqui, as propostas de Ambrogio Spreafico, de James Limburg, David A. Dorsey, Adri van der Wal e de Pietro Bovati e Roland Meynet. O primeiro apresenta uma série de estruturas a partir de critérios formais de composição dentro do texto de Amós em sua apresentação atual, incluindo a eventual redacionalidade destes critérios. De acordo com a estrutura setenária de James Limburg, pode-se perguntar se, com esse

4 BOVATI Pietro; MEYNET, Roland. Le livre du prophète Amos. Paris: Éditions du Cerf, 1994. 5 ARAMBARRI, J. Resenha sobre Pietro BOVATI; Roland MEYNET. Le livre du prophète Amos.

Paris: Éditions du Cerf, 1994. In: Estudios Bíblicos, Madrid, v. 55, p. 119, 1997.

6 LINVILLE, James R. Visions and Voices: Amos 7-9. Biblica, Roma, v. 80, n. 1, p. 22-42, 1999. 7 Hence, since rhetoric is a discipline which explores the mutual relationship between the text and

its audience, the present study employs the system of classical rhetoric, i. e., it employs the tools and framework of classical rhetoric, but in light of Amos’s material (GITAY, Yehoshua. A Study of Amos's Art of Speech: a Rhetorical Analysis of Amos 3,1-15a. Catholic Biblical Quarterly, Washington, v. 42, n. 3, p. 293-294, 1980).

estratagema estilístico, o profeta não estaria insinuando que Israel estaria sendo totalmente acusado e que sua punição seria completa.

A estrutura retórica, apresentada por David A. Dorsey, em sete unidades, constitui um esforço para se colher o sentido da profecia de Amós em seu conjunto. Com o emprego do recurso estilístico da inclusão, para traçar a divisão de todo o texto de Amós, a proposta de Adri van der Wal, apresentando Am 1,2—6,14 como um longo bloco literário, abre perspectivas significativas para futuras abordagens literárias do texto. Pietro Bovati e Roland Meynet apresentaram, em 1994, um comentário sobre o profeta Amós de acordo com o método da análise retórica.8 Um

ano depois, publicou-se a versão italiana.9 Na introdução de seu livro, os autores, a partir das possibilidades oferecidas pela análise retórica, apresentam o seu objetivo: “procurar descobrir a lógica que direcionou a organização dos textos assim como chegaram até nós” (tradução nossa).10

A determinação das unidades de leitura é um passo não só útil, mas também indispensável, para se chegar ao significado de um texto.11 No entender dos autores, o método da análise retórica procura, a partir do próprio escrito, mostrar quais os dados textuais que devem ser considerados em conjunto, e sugerir qual seria o contexto pertinente de uma determinada unidade literária.12 Os autores, adotando a proposta de C. Coulot 13, visam fazer uma leitura sincrônica do texto de Amós, não poupando ainda certa crítica a uma série de comentários que, embora apresentem uma organização global do texto de Amós, não se dedicam seriamente a ela, pois, acabam operando “o mesmo fracionamento da história das formas”.14 Ainda que não tratem, especificamente, da estrutura do livro de Amós, outros autores, dentre os quais se destacam Jörg Jeremias e Milton Schwantes, fazem considerações estruturais, que ajudam na compreensão do livro como um todo. Jörg Jeremias vê,

8 ARAMBARRI, resenha sobre BOVATI; MEYNET, Le livre du prophète Amos, p. 118-119. 9 BOVATI; MEYNET, Il Libro del Profeta Amos, 1995. Os autores preferem chamá-la de versão e

não de tradução. Em relação à edição francesa, houve correções e aperfeiçoamento interpretativo em diversos pontos.

10 Cercare di scoprire la logica che ha presieduto all’organizzazione dei testi così come ci sono

pervenuti (BOVATI; MEYNET, Il Libro del Profeta Amos, p. 22).

11 Ibid., p. 438.

12 BOVATI; MEYNET, loc. cit.

13 COULOT, C. Propositions pour une structuration du livre de Amos au niveau rédactionnel. Revue des Sciences Religieuses, Strasbourg, v. 51, n. 2, p. 169-186, 1977.

14 BOVATI; MEYNET, Il Libro del Profeta Amos, p. 20. Entram nessa categoria os comentários de

AMSLER, Samuel. Amos. In: Commentaire à l’Ancient Testament. Neuchâtel, 1965; SOGGIN, J. Alberto. Il Profeta Amos. Brescia: Paideia, 1982).

em Am 3-6, uma estrutura solta e pouco sistemática; por sua vez, Milton Schwantes, em sua busca pelas coleções de ditos proféticos, admite várias subdivisões de perícopes, que ajudam na compreensão da estruturação do livro.

A segunda parte deste capítulo tratará, entretanto, do debate em torno da estruturação de Am 6,1-14. A apresentação do ponto de vista de mais de uma dezena de autores de peso deixa entrever como eles perceberam o texto e deram sua conseqüente interpretação.

A valorização do debate sobre a estruturação de Am 6,1-14 há de destacar, como elementos iluminadores da análise da citada perícope, as divisões do texto propostas, sobretudo, por James Luther Mays (quatro seções), Hans Walter Wolff (quatro seções), Ambrogio Spreafico (duas partes), Adri van der Wal (cf. 5,7—6,12; 6,13-14), Gunther H. Wittenberg (cf. 6,1-7), David A. Dorsey (cf. 5,18—6,14), Haroldo Reimer (cf. 5,2—6,14), Pietro Bovati-Roland Meynet (cf. 5,18—6,14), Milton Schwantes (estudo de coletâneas).

Para se compreender a organização de Am 6,1-14, suas justificativas e os critérios apresentados pelos mencionados autores, tais propostas de estrutura, fornecem, certamente, elementos fundamentais para uma abordagem literária da passagem e para sua interpretação no contexto mais amplo da mensagem do profeta de Técua. O debate em torno da estruturação de 6,1-14 ajudará a perceber, igualmente, uma série de conexões não só dentro da própria perícope, mas também em relação às outras unidades literárias do livro de Amós.

No documento Download/Open (páginas 165-168)