• Nenhum resultado encontrado

2.1 Aspectos metodológicos

2.1.3 A estrutura dos blogs

A estrutura do blog da Marcha Mundial das Mulheres e do Blogueiras Negras, conforme discutido anteriormente, está relacionada de forma intrínseca à categorização do segmento feminino da sociedade com que cada página trabalha: “as mulheres” ou “mulheres negras”.

Assim, as cores das fontes utilizadas nos dizeres, as imagens e fotografias, as palavras- chave dos títulos dos textos, os tópicos disponíveis para acesso na página inicial, tudo, recursos verbais e não verbais, convergem no sentido de evidenciar dois universos discursivos: o universo das mulheres enquanto segmento social historicamente oprimido, submetido, inferiorizado, deixado à margem, sem que haja, nesse universo, marcas ou evidências dos diversos níveis e manifestações da opressão, da submissão, da inferiorização ou da marginalização de diferentes mulheres em diferentes contextos sociohistóricos. A condição da mulher no blog da MMM é, pois, tratada de forma linear e homogênea.

Em uma página inicial (FIG. 1) na qual prevalecem tons de azul e lilás, cores frias, as imagens apresentadas são, na maioria das vezes, de coletividades femininas. Mulheres juntas, unidas em movimentos de protesto podem ser observadas nas chamadas para a leitura dos textos

do blog, cujos títulos, nessa página inicial, quase sempre contam com a palavra “mulheres”- “Governo Temer: um ano de retrocesso para as mulheres”, “Mulheres em Ubatuba preparam ações contra o desmonte da Previdência”, “Mulheres de Tibau vão às ruas por direitos e terras nesta quinta”-, ou com nomes cuja significação se dá a partir da ativação sociocognitiva dessa categoria - “Justiça para Martina” e “8 de março de 2017 e a chamada para a construção do feminismo”28.

Figura 1 - Recorte da página inicial do Blog da Marcha Mundial das Mulheres.

Fonte: Blog MMM, 2017.

Os tópicos disponíveis para acesso, também na página inicial do blog da MMM, são “Mercantilização”, “Sexualidade”, “Aborto”, “Violência”, “Cultura”, “LGBT”, “Feminismo antirracista”, “Política”, “Autonomia econômica”, “Mobilização”, “Encontro internacional”, além de “MMM”, “Batucada feminista”, “Operação lambe-lambe”, “Coletivo de comunicadoras”, “Buteco das Mina”, “Vídeos” e “Contato”.

Podemos observar que os tópicos “Mercantilização”, “Sexualidade”, “Aborto”, “Violência”, “Política”, “Autonomia econômica” e “Mobilização”, disponíveis na parte superior da página, dizem respeito às pautas gerais das mulheres. As nossas experiências do dia a dia nos permitem observar o quão amplos são esses tópicos, já que, por exemplo, políticas voltadas às mulheres, a depender da forma como são concebidas, podem não contemplar as mulheres pescadoras de comunidades ribeirinhas, ou as mulheres agricultoras do interior do país, ou as mulheres negras moradoras de periferias.

Logo, a ausência de determinantes sintáticos nas descrições dos tópicos generaliza as pautas feministas. Dessa forma, o efeito de indeterminação decorrente da leitura desses tópicos, associada àquela do nome do blog – Blog da Marcha Mundial das Mulheres –, tem o potencial de “fisgar” as mulheres de diferentes lugares sociohistóricos, por tornar universal o sentido de “ser mulher”.

O Blogueiras Negras, por sua vez, opera no sentido da determinação. Dos recursos multimodais às materialidades linguísticas cuja assinatura é de mulheres que se autodescrevem

28 Os textos cujos títulos constam na página inicial do blog da MMM estiveram disponíveis para acesso, sem

“negras e afrodescendentes”, o blog capta a atenção daquelas que se identificam com o lugar de onde as editoras escrevem, e se sentem contempladas com os tópicos apresentados na página, não pela universalização do sentido de “ser mulher”, mas, ao contrário, pela captação de suas singularidades.

Em uma página inicial (FIG. 2) cuja apresentação se dá intencionalmente, e especialmente, por caracteres pretos em fundo branco, o Blogueiras Negras lança mão, ainda, de cores fortes e vibrantes alternadas com cores escuras - tons de marrom e preto- como recursos presentes tanto nas imagens veiculadas pelo blog, quanto em seu logotipo.

Figura 2 - Recorte da página inicial do blog Blogueiras Negras.

Fonte: Blog Blogueiras Negras, 2017.

Os tópicos apresentados nessa página inicial do blog da MMM são “Identidade”, “Resistência”, “Saúde e Beleza”, “Estilo de vida”, “Cultural”, “Colunas” e “Popular”, além de “Sobre”, “Agenda negra” e “Contato”. Cada tópico posicionado abaixo do logotipo da página, por sua vez, apresentam subtópicos, como seguem: dentro do tópico “Identidade” são apresentados os subtópicos “Cotidiano”, “Identidade”, “Preconceito”, “Infância e juventude”, “Religião” e “Educação”; no tópico “Resistência”, são encontrados os subtópicos “História”, “Resistência”, “Feminismo”, “Negras notáveis”, “Violência” e “Pessoas”; no terceiro tópico, “Saúde e Beleza, os subtópicos apresentados são “Saúde”, “Beleza”, “Corpo” e “Sexualidade”; em “Estilo de vida”, os subtópicos são “Moda”, “Esporte”, “Relações interpessoais”, “Urbanidade” e “Trabalho”; em “Cultural” encontramos “Arte”, “Cinema”, “Culinária”, “Cultura”, “Literatura”, “Mídia”, “Música”, “Poesia” e “Televisão”, e, finalmente, no tópico “Colunas”, os subtópicos são “Pedagogia da travestilidade” e “Ver(te)b(r)al”.

Por si sós, os tópicos “Identidade” e “Resistência”, por terem sua significação concebida a partir de conhecimentos compartilhados intersubjetivamente, remetem a um segmento particular de mulheres: as mulheres negras. Não há, nesse sentido, marcas sintáticas ou semânticas que nos levem a significar os nomes “identidade” e “resistência” de forma intrinsecamente relacionada não só às mulheres, mas às mulheres negras. O que nos leva a fazê-

lo é o fato de atribuirmos sentido ao nosso entorno a partir da internalização de nossas experiências sensíveis, de nossa interação com o outro e com o mundo, o que corrobora a ideia de que operamos linguisticamente de forma motivada, categorizando na língua as práticas vivenciadas e internalizadas por nossos mecanismos cognitivos.

Os subtópicos relacionados aos tópicos principais, por sua vez, delimitam o alcance da significação de nomes e expressões nominais que podem parecer, em um primeiro momento, lidas fora do co(n)texto, tão universalizantes quanto aquelas apresentadas no blog da Marcha Mundial das Mulheres. Entretanto, a combinação de recursos multimodais e de categorias linguísticas que ancoram a significação no universo da mulher negra faz com que produzamos sentido dentro desse lugar social, não de outro(s).

O Blogueiras Negras, portanto, representa, arraigado em sua estrutura verbal e não verbal aquilo que pretende ser: “um espaço de acolhimento, empoderamento e visibilidade voltados para a mulher negra e afrodescendente.” Espaço no qual a significação das cores, imagens e categorias linguísticas remetem ao lugar sociohistórico “ser mulher negra” no Brasil.