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2.1 Aspectos metodológicos

2.1.4 Quem escreve para os blogs

Tanto no Blog da Marcha Mundial das Mulheres, quanto no Blogueiras Negras, há, ao final de cada texto publicado, a descrição do perfil do sujeito que confere sua assinatura ao que foi escrito. Vale dizer, entretanto, que as descrições apresentadas nos textos do Blogueiras Negras são consideravelmente mais minuciosas do que aquelas apresentadas no Blog da Marcha Mundial das Mulheres. Não somente o número de categorizações e predicações presentes na descrição dos perfis das autoras dos textos daquele blog é superior ao deste, mas também o nível de subjetividade, sobremaneira maior no Blogueiras Negras. Isso evidencia e (de)limita a representatividade de cada um dos dois blogs, pela enunciação do lugar social de onde significam as autoras.

Foram analisados os perfis sociais das autoras dos blogs conforme assinaturas atribuídas aos textos publicados, em ambas as páginas, a partir de janeiro de 2016 até maio de 2017. No blog da Marcha Mundial das Mulheres, a descrição das autoras é feita a partir de uma ou duas predicações, sendo que uma delas sempre diz respeito à aderência da autora à militância da Marcha Mundial das Mulheres. A predicação “militante da Marcha Mundial de Mulheres” aparece, portanto, em todas as descrições, o que sugere, inclusive, que esse pode ser um requisito para a divulgação dos textos enviados para publicação na página.

A predicação “militante da Marcha Mundial das Mulheres” costuma vir acompanhada de modificadores nominais que designam o estado da federação a que pertence o movimento da MMM do qual a autora participa. Além disso, caso essa autora seja membro de algum outro movimento social voltado à defesa dos direitos de minorias, esse dado é acrescentado à descrição, como mostra a imagem abaixo:

Figura 3 - Recorte da autodescrição de uma autora do blog da MMM.

Fonte: Blog da MMM, 2017.

Outra predicação que, por vezes, aparece nas descrições dos perfis das autoras diz respeito à sua formação acadêmica. Como no exemplo abaixo, em que a apresentação de Daniela Valente inclui a informação de que ela “é graduada em Letras”.

Figura 4 - Recorte da autodescrição de outra autora do blog da MMM.

Fonte: Blog da MMM, 2017.

Não foi encontrada nenhuma predicação de outra natureza na descrição das mulheres que escrevem para o Blog da Marcha. Portanto, o que é permitido saber a partir das informações

que constam na página é que os textos são escritos por mulheres, sendo que, vale observar, podemos chegar à categoria “mulher” pela presunção de adequação dos nomes próprios apresentados a esse enquadre, não pela explicitação material dessa categorização.

Essas autoras, mulheres, são militantes do movimento da Marcha Mundial das Mulheres, assim representadas, pelo grifo, de forma generalizante, pelo uso da forma contraída da preposição “de” mais o artigo feminino plural “as”, cuja definição pressupõe a universalização da ideia de “mulher”, ou militantes da Marcha Mundial de Mulheres de Minas Gerais, do Paraná, da Bahia, em que a preposição “de”, sem combinação ao artigo definido “as”, introduz uma expressão modificadora - delimitadora - do sentido de “mulher” outrora apresentado.

Daniela Valente, autora cuja apresentação é mostrada no texto acima, não é militante da Marcha Mundial das Mulheres, dito dessa forma, abrangente. A autora é, sim, militante da Marcha Mundial de Mulheres de Minas Gerais, as quais apresentam, sem dúvidas, reivindicações comuns às mulheres dos demais estados, mas que apresentam, também, suas particularidades e seu modo peculiar de estar no mundo.

Conforme mencionado anteriormente, as categorizações e predicações estão presentes em maior número na descrição dos perfis das autoras dos textos do Blogueiras Negras, bem como algumas marcações de subjetividade, como, por exemplo, o uso da primeira pessoa do singular. Os perfis das mulheres que escrevem para a página, portanto, podem ser apresentados por meio de descrições ou de autodescrições, sempre acompanhadas, vale dizer, de uma imagem da mulher descrita, como mostra a imagem abaixo, com o perfil de Luara Vieira.

Figura 5 - Recorte do perfil social de uma autora do blog da MMM.

Fonte: Blog da MMM, 2017.

Além de informar a formação acadêmica e a profissão das autoras que escrevem para o blog, constam também em alguns dos perfis das autoras categorias como “negra”, ou “mulher negra”, “feminista”, “militante”, “mãe”. Essas categorias são utilizadas tanto como predicação das autoras, quanto como categorias referenciais propriamente ditas. Nesse sentido, ainda que escritos de forma impessoal, na terceira pessoa do discurso, os perfis das autoras dos textos do

Blogueiras Negras parecem dizer a respeito da maneira como essas mulheres enxergam elas mesmas enquanto sujeitos do mundo, de sorte que os nomes utilizados para categorizá-las fazem algo como legitimar o posicionamento defendido em seus respectivos textos.

As descrições funcionariam, assim, como âncoras para a produção do sentido, as quais estão fixas em um lugar sociohistórico particular de interação com o entorno. Os textos do Blogueiras Negras, portanto, contam com orientações metalinguísticas para que sejam compreendidos dentro do lugar de significação da mulher negra, feminista, militante, mãe.

A imagem abaixo, que contém o perfil da autora Aline Paes, narrado e descrito por ela mesma, na primeira pessoa do discurso, ilustra, pelo testemunho, o lugar de significação dessa mulher. O “pequeno bairro racista”, onde Aline cresceu, é retomado por ela como “aquela merda de lugar medíocre”. É nesse lugar que a autora era “insultada”, “humilhada”, predicada como “feia” e “coisas ofensivas piores”, “muito piores”.

Figura 6 - Perfil de Aline Paes.

Fonte: Blog da MMM, 2017.

A indeterminação do pronome de terceira pessoa “eles” é apenas sintática. Co(n)textualmente, o referente para esse pronome seria “os habitantes do bairro racista”, onde Aline viveu. Ademais, é preciso considerar que, para além dessa inferência co(n)textual, o “eles” remete a um lugar de significação, que nossa experiência sensível, situada, nos permite resgatar: o lugar dos sujeitos que “insultam”, “humilham”, e dizem “ofensas” aos negros por eles serem quem são. Nesse lugar, quanto mais um sujeito se afasta do “modelo” branco

heterossexual, mais ele é hostilizado e categorizado como quem “não tem o perfil adequado”, conforme a própria autora coloca no texto.

Um sentimento de identificação, proporcionado pela universalização do pronome “eles”, o qual, por sua indeterminação sintática, permite o resgate do lugar, universal, daqueles que “insultam” e hostilizam os negros, faz com que o texto da autora, que apresenta alto grau de subjetividade, acabe por conseguir a adesão de outras subjetividades, por representá-las.

Em relação à linguagem utilizada nos perfis das autoras dos textos do Blogueiras Negras, alguns deles, como o de Luara Vieira, apresentado acima, ou o de Layla Marizandra, logo abaixo, são escritos em acordo com o registro formal da língua portuguesa, assim como todos os perfis de autoras encontrados no Blog da Marcha Mundial das Mulheres.

Figura 7 - Perfil de Layla Maryzandra.

Fonte: Blog da MMM, 2017.

Já nos textos marcados em maior ou menor grau pela subjetividade podem ser encontrados desvios da norma-padrão da língua, representados morfologicamente por (1) coloquialismos ou sintaticamente pela (2) transposição da oralidade na construção dos períodos ou pela (3) concordância ideológica- silepse, conforme podemos observar no texto autobiográfico de Aline Paes: (1) “merda”, (2) “Então eu construo minha auto-estima e meu amor próprio e comecei a amar e aceitar exatamente como sou” e (3) “que eu não seria bem sucedido”, “eu vivi sozinho”.

A função referencial dos textos dos perfis das autoras do blog, para ficar com Roman Jakobson (2005), por vezes, cede e acaba sobrepujada pela função metalinguística, já que pode ser constatada a presença de metáforas, especialmente nas autodescrições. As metáforas cumprem a função metalinguística de descrever a(s) autora(s) enquanto sujeito(s) no mundo, ao mesmo tempo em que elucidam o lugar de significação a que pertence(m), conforme texto abaixo, de Maria Clara Araújo: “Meu nome se tornou uma alusão à minha transparência em relação aos meus sentimentos”, “como se eu fosse um mar misterioso e difícil de velejar”.

Figura 8 - Perfil de Maria Clara Araújo.

Fonte: Blog da MMM, 2017.

Além das autorias individuais, tanto o Blog da Marcha Mundial das Mulheres, quanto o Blogueiras Negras apresentam textos escritos em coautoria. No caso do primeiro blog, em casos de coautorias atribuídas aos textos, é feita a predicação e a categorização das autoras que escreveram juntas, tal qual foi discutido anteriormente. Elas são predicadas como sendo “militantes da Marcha Mundial das Mulheres”, geralmente, sem modificadores nominais que especifiquem a que movimento, dentro da própria Marcha, essas mulheres estão vinculadas, conforme ilustra a imagem abaixo. A formação acadêmica, bem como a atuação profissional de cada uma delas também são, por vezes, mencionadas.

Figura 9 - Fragmento de texto escrito em coautoria.

Fonte: Blog da MMM, 2017.

À coautoria presente em alguns textos do Blogueiras Negras é atribuído um nome próprio, melhor dizendo, a coautoria da página também é, ela mesma, categorizada. Assim sendo, a descrição feita, diferentemente do que acontece no Blog da Marcha Mundial das Mulheres, não diz respeito à cada mulher, autora, individualmente, mas à coautoria em si, de

forma a ressaltar as participantes desse trabalho coletivo, bem como o objetivo geral dessa parceria.

Na imagem abaixo, podemos observar que foi utilizado como nome próprio para categorizar a parceria de Carolina Gomes, Renata Martins e Viviane Angélica o sintagma “Pretas drama”. A categoria “pretas” remete ao lugar de significação das autoras: são mulheres negras, enquanto que o “drama” pode tanto nos remeter ao enquadre cinematográfico, já que duas das autoras têm seu fazer profissional no cinema, quanto nos levar ao percurso histórico do negro no Brasil, categorizado, assim, como um “drama”. É dessas possibilidades de sentido que emerge o efeito criativo e pertinente do “Pretas drama”, mais um recurso do blog utilizado com a intenção de (de)limitar e, ao mesmo tempo, aprofundar os sentidos daquilo que apresenta e discute.

Figura 10 - Perfil social de grupo formado por mulheres que escrevem em coautoria.

Fonte: Blog da MMM, 2017.