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A ESTRUTURA SENTENCIAL DA METÁFORA: A PROPOSTA

A. I. Richards (1936) ocupa um lugar destacado nos estudos sobre metáfora, ao propor uma descrição do mecanismo de funcionamento da metáfora que se estende além dos limites lexicais, e cristalizar uma terminologia amplamente utilizada para os termos que a constituem.

A metáfora toma os capítulos V e VI de sua obra The Philosophy of Rhetoric, mas a discussão ali encontrada vincula-se muito mais a uma nova definição de retórica do que a uma semântica da metáfora no seio da frase. De acordo com Ricoeur (2000), o projeto retórico da obra, relacionado à metáfora, compõe-se de severas críticas à herança taxionômica da Retórica clássica de classificação de figuras e à distinção entre um sentido próprio ou literal e um sentido figurado.

Richards assume que as palavras não possuem significação própria, pois não encerram nenhum sentido em si mesmas; o discurso, tomado como um todo, seria o responsável pela produção do sentido e por sua percepção de maneira indivisa. Por meio desse argumento, o autor rejeita qualquer recurso taxionômico para as figuras e ataca a noção de sentido literal. Segundo ele, não há nenhuma associação fixa entre nome e idéia, pois o discurso constitui-se pelo contexto, uma espécie de feixe de acontecimentos aos quais as palavras devem seu sentido. Por isso, nada impede que uma palavra signifique mais que uma coisa.

O autor rompe, assim, com uma teoria que concebe a palavra como o elemento fundador de uma metáfora, uma vez que a palavra funciona somente como o “veículo” do sentido, e não como um empréstimo ou substituição de uma palavra por outra, como sustentava a retórica clássica. Ricoeur resume bem o argumento de Richards:

A metáfora mantém dois pensamentos de coisas diferentes simultaneamente ativas no seio de uma palavra ou de uma expressão simples, cuja significação é resultante de sua interação. Não se trata de um simples deslocamento de palavras, mas de um comércio entre pensamentos, isto é,

de uma transação entre contextos. Se a metáfora é uma habilidade, um talento, é um talento do pensamento (RICOEUR, 2000, p.129).

Portanto, na compreensão de Richards, a tensão geradora do sentido metafórico resulta da interação entre duas idéias, dentro de uma palavra ou expressão. Apoiando-se nesse raciocínio, o autor define os termos constituintes de uma metáfora.

Uma metáfora, para Richards, compõe-se de três elementos: teor, veículo e ground. O teor é o conteúdo, a idéia em questão, que pode ou não estar presente na superfície textual – constitui o termo metaforizado. Já o veículo consiste na idéia sob cujo signo a primeira é apreendida – constitui o termo metaforizante. O traço ou traços de significação que estes dois termos apresentam em comum constituem o fundamento da figura, o ground. No exemplo João é um palito, João seria o teor, palito seria o veículo e a idéia de magreza seria o ground.

Vale lembrar que a metáfora não se resume ao veículo, mas consiste no conjunto dos dois termos; engendra-se a partir da percepção simultânea dessa interação. Ou seja, surge uma tensão, não entre dois termos, mas entre duas interpretações diferentes de uma mesma sentença. Aliás, este é um ponto importante que distancia as idéias de Richards das teorias precedentes, construídas sob a égide da palavra, em que o efeito de sentido proporcionado pela metáfora não incide sobre a estrutura predicativa.

De acordo com Ricoeur (2000), este seria também um dos motivos pelos quais o efeito metafórico revela o absurdo da tentativa de uma interpretação literal, pois o conteúdo ou teor não pode ser concebido fora da própria figura e o veículo também não pode ser tratado como um ornamento sobreposto, um termo substituto. São a ocorrência simultânea e a interação entre os dois elementos presentes na estrutura sentencial que impedem uma interpretação literal precisa e fazem surgir a metáfora.

Se tomarmos, por exemplo, a metáfora esse homem é um lobo, a interação proporcionada pelo veículo lobo e pelo teor homem, releva efeitos concernentes a um sistema de idéias resultante da interação, e não ao conteúdo semântico de cada termo da metáfora. Desse modo, as interpretações possíveis vão desde a consideração de que homens são ágeis, pouco confiáveis e vorazes, como o são os lobos, até a interpretação de que homens são sexualmente insaciáveis, resultante da interação das idéias que temos sobre o comportamento de homens e de lobos.

No entanto, uma observação importante merece ser destacada. O surgimento da metáfora através da interação entre duas idéias carece de uma explicação detalhada sobre quais seriam as propriedades semânticas implicadas em uma determinada interpretação, e sobre o modo como ocorreria essa interação. Ademais, embora Richards fale de “discurso” ou “transação entre contextos”, mediada pelo teor e pelo veículo, ele parece restringir a aplicação desses conceitos ao âmbito da sentença. Ou seja, a interação de idéias veiculadas pela relação teor/veículo resulta de propriedades semânticas já codificadas nos dois termos, e, por conta disso, não atinge o mundo extralinguístico. Daí, compreendermos que o trabalho de Richards não aprofunda a discussão sobre a metáfora, a ponto de lançá-la ao discurso. Ilustremos com a seguinte piada:

Exemplo 1: Na apresentação do circo, era o show do homem e do crocodilo.

Lá pelas tantas, chegou o número onde o crocodilo abre a boca bem grande e o homem, como prova máxima de coragem, coloca seu membro dentro. Então, ele encara o público e diz:

- Há alguém que se anime a fazer o mesmo? Se levanta uma bichinha e diz:

- Sim, eu me animo... só não sei se vou poder abrir a boca tão grande assim...

Queremos demonstrar, com esse exemplo, o fato de que, em um texto socialmente partilhado, nem sempre podemos identificar explicitamente a relação teor / veículo na superfície textual. Nem sempre há uma metáfora atributiva A é B à espera de ser interpretada. Em muitos casos, ela precisa ser construída pela interação entre leitor, texto e conhecimento socialmente partilhado. É a isto que chamamos metaforização. Neste tipo de interpretação, só podemos apostar na palavra “membro” como veículo metafórico, se ativarmos o nosso conhecimento cultural a fim de selecionarmos uma propriedade semântica na qual membro assemelhe-se a pênis, órgão sexual masculino. Ainda assim, essa relação não é imediata, pois vai se configurando a partir do contato, na leitura, das expressões linguísticas (pistas textuais) bichinha e o último trecho do texto sim, eu me animo... só não sei se vou poder abrir a boca tão grande assim. Consequentemente, não temos a explicitude de um teor para realizar a interação de idéias, como apregoa Richards.

Evidentemente, não podemos negar que as idéias de Richards possuem um caráter pioneiro, pois possibilitaram aos estudiosos que o seguiram entenderem a metáfora como uma figura que diz respeito à semântica de toda a frase, e não somente à

denominação por meio de operações de substituição de elementos linguísticos. Ademais, a terminologia por ele adotada (teor, veículo e ground) revela, de modo sutil, o potencial da metáfora como veículo de conteúdo cognitivo e mecanismo de apreensão da realidade, fato que será aproveitado na teoria interacional de Black, descrita a seguir.