• Nenhum resultado encontrado

3.2 ULTERIOR AO LITERAL E AO METAFÓRICO: A

3.3.1 Os modelos teóricos de cognição

3.3.1.2 O conexionismo

As origens do conexionismo remontam, assim como o simbolismo, à Cibernética, cujos adeptos vislumbravam outra possibilidade de simulação das atividades mentais, que se daria por intermédio do estudo do cérebro humano. Entretanto, somente a partir da década de 1980, após reformulações e contribuições de

trabalhos como os de Rumelhart e McClelland (1986), o modelo conheceu um desenvolvimento considerável na área de modelização cognitiva.

Também conhecido como processamento em distribuição paralela, o conexionismo tenta aproximar a construção de um modelo de mente à sua realidade biológica, propondo modelos coerentes e logicamente plausíveis capazes de simular a topologia e o funcionamento cerebral (POERSCH, 1998). Para atingir tal propósito, toma como base a estrutura do cérebro e o seu funcionamento, utilizando-se de simulações computadorizadas compostas por redes de unidades semelhantes a neurônios: os neurônios formais.

Um neurônio formal, em uma rede conexionista, é definido como “um processador extremamente simples, capaz unicamente de receber e de transmitir energia através de suas conexões sinápticas” (ANDRADE E LAKS, 2003, p. 433). A idéia central do projeto conexionista é considerar os sistemas cognitivos redes neuronais constituídas por nódulos que se relacionam entre si criando padrões de atividade elétrica mais ou menos estáveis. A atualização do potencial elétrico de cada neurônio artificial é função das suas entradas/saídas (input/output) e da sua conectividade com outros neurônios.

Neste sentido, Poersch (1998) afirma que os neurônios são adaptáveis ou plásticos, pois podem aumentar ou diminuir um padrão excitatório ou inibitório, afetando, assim, a atividade elétrica de outros neurônios a eles conectados. Para o autor, esse padrão de atividade elétrica entre os neurônios parece ser o código cerebral usado para armazenar o conhecimento, pois que, ao ajustarem a força de suas sinapses durante o processamento de informações – ou pela repetição do estímulo ou pela duração da atividade elétrica –, os neurônios marcam rotas específicas de atividade elétrica para cada informação processada. Pelo fato de as ligações serem reforçadas, dada a conectividade neuronial, um mesmo estímulo (input), quando apresentado em outra ocasião, é processado e recuperado da memória mais rapidamente. Daí falar-se de cognição, em um modelo conexionista, como a “emergência de estados globais numa rede de componentes simples” (VARELA, 1998, p. 76).

Esse tipo de armazenamento distribuído permite que não haja padrões de armazenamento de informações em módulos delimitados e regras gramaticais inatas.

Como consequência, em uma arquitetura conexionista, a informação lexical pode influenciar o processamento fonológico, a estrutura sintática pode influenciar a lexical, e assim por diante, fato este capaz de gerar novas explicações sobre a aquisição do léxico e da sintaxe (POERSCH, 1998; FRAWLEY, 2000).

Fica claro que esse paradigma não fala em representação mental nos mesmos termos do simbolismo. Ao contrário da perspectiva simbólica, na hipótese conexionista, não há uma autonomia da mente em relação ao seu substrato físico (o cérebro); aqui, as propriedades da mente emergem diretamente das configurações neurais, ou seja, a mente não tem existência própria e nada mais é do que o próprio funcionamento cerebral.

A mente “conexionista”, assim defendem Andrade e Laks (2003), consiste em uma computação dinâmica de tipo algébrico, mas não algorítmica, na qual os processos e os estados mentais são codificados e implementados sem recurso a um léxico rico de símbolos e sem a atuação de uma sintaxe complexa, definida sobre esses símbolos. Para eles, não há, nas abordagens conexionistas, representação simbólica explícita, nem cálculo realizado pela manipulação sintático-lógica da estrutura interna dessas representações.

Contudo, os autores lembram que “a codificação inicial e os inputs internos correspondem a uma representação do problema, mas essa representação está totalmente (ou parcialmente) distribuída pela rede. Nenhum neurônio formal representa, por si só, um elemento ou uma subparte da representação (...)” (ANDRADE E LAKS, 2003, p. 434).

Com efeito, uma rede neural, se analisada em termos de input (dado de entrada), parte de representações simbólicas de alto nível já codificadas (palavras, sentenças, textos etc.) para interpretá-las em termos de arquitetura e funcionamento neuronal: a informação linguística é processada em paralelo, sem representações locais dependentes de módulos específicos de processamento linguístico. Em sentido oposto, em termos de outputs (dados de saída), haveria, decorrente da atividade neuronal, a formação de padrões sinápticos, recorrentes ou não, que funcionam como um modo de representação simbólica da atividade cognitiva, uma configuração conceitual mínima passível de interpretação.

Portanto, é possível postularmos um conexionismo de nível sub-simbólico em que os símbolos seriam “uma espécie de descrição de propriedades que, em última instância, estão encaixadas dentro de um sistema distribuído subjacente” (VARELA, 1998, p. 80). Em outras palavras, é admitir as representações simbólicas como o produto estabilizado, e de algum modo, cristalizado das interações neuroniais do nível físico (ANDRADE E LAKS, 2003).

Visto que o conhecimento é tributário de um padrão de atividade elétrica distribuído, em que qualquer local da rede é acessível a partir de outro local, todas as informações têm potencial para influenciar uma às outras. Isto evidencia uma vantagem em relação aos modelos simbólicos modulares, pois, sendo a arquitetura (formato) conexionista interativa, as informações não se perdem facilmente, e, em caso de dano ou lesão do sistema, podem ser recuperadas parcialmente ou compensadas pela ativação de outro conjunto de neurônios que passam a executar a função comprometida.

Poersch (1998) enumera outras duas vantagens do modelo conexionista em relação ao modelo simbólico. A primeira é que, por não possuírem significado em si mesmas, as unidades básicas da rede, ao contrário dos símbolos, possibilitam a representação de um conceito e seu armazenamento de forma distribuída ao longo da rede. Dessa forma, a representação de conceitos e esquemas seria resultado do padrão de ativação entre as unidades. Tal fato permite, por exemplo, pensarmos em coisas diferentes, ou realizarmos tarefas diferentes, utilizando as mesmas conexões, porém com combinações diferentes entre elas. A segunda diz respeito ao fato de as representações do conhecimento serem construídas ad hoc. O padrão distribuído da rede permite a ativação das sinapses, simultaneamente, em forma de redes, formando um padrão de ativação elétrica correspondente a uma informação X, no momento em que se necessita dela. Poersch assim explica:

Existem também certas atividades superiores como o reconhecimento de sons, inferências, leitura, escritura, fala, que exigem um certo tipo de generalização (ou representação). Como essas representações não podem ser gravadas na memória por se tratar de realidades metafísicas, pleiteia-se a elaboração ‘ad hoc’ de certas configurações que permanecem ativas por um determinado tempo para que essas atividades superiores sejam concluídas (POERSCH, 1998, p. 41).

Pelo observado, o conexionismo poderia fornecer explicações razoáveis a respeito da dinâmica textual e da interpretação de metáforas sob um ponto de vista cognitivo, pois se eliminaria o problema da representação simbólica e do processamento lento da informação linguística no momento da interpretação. Outra vantagem aparente seria o fato de que o modelo distribuído de ativação sináptica explicaria as várias possibilidades de interpretação de uma metáfora e a recorrência simultânea às mais diversas estratégias inferenciais durante a leitura de um texto, metafórico ou não.

Entretanto, na opinião de Frawley (2000), as arquiteturas em rede só logram êxito porque aprendem em contextos artificiais muito limitados; além do mais, demoram demasiado para serem treinadas, quando comparadas ao tempo de aprendizagem dos sistemas cognitivos humanos. Segundo ele, o formalismo exagerado na construção da rede, minimiza uma comparação muito aproximada com cérebros reais, cheios de plasticidade e de níveis de conectividade altamente complexos, ainda a serem explorados. Este fato parece mostrar que as redes também não se têm revelado totalmente eficazes na tarefa de simular a cognição humana.

Outro aspecto negativo da perspectiva conexionista apontado pelo mesmo autor, que se aplica também à perspectiva simbólica, diz respeito ao modo como tratam o mundo extramental. Apoiando-se em Van Gelder (1992), ele afirma que, em certa medida, o conexionismo mantém uma atitude simbólica em relação ao que seria um mundo extramental, pois constrói uma mente de dentro para fora; ou seja, embora as redes neurais internas sejam dinâmicas, ricas e adaptáveis, o mundo externo continua sendo um contexto virtual e idealizado. Portanto, dizer, nessa proposta, que as representações do conhecimento são construídas ad hoc somente justifica o funcionamento dinâmico dentro da rede neural, mas não integra o input, o elemento desencadeador extramental, a essas representações.

A nosso ver, esta é a principal limitação do modelo conexionista, na medida em que manter “dentro da cabeça” tanto uma sintaxe mental, na qual estados mentais como crenças e desejos são vistos apenas como atitudes proposicionais, quanto redes neurais desprovidas de qualquer conteúdo intencional, é ter uma visão bastante empobrecida da realidade externa e do seu papel na atividade cognitiva.

A necessidade de refletir sobre a relação mundo extralinguístico e cognição passa a ser considerada, mais de perto, pelo paradigma atuacionista, apresentado abaixo.