• Nenhum resultado encontrado

ESPÉCIES COMUNS

4. Resultados e Discussão

4.6. A etapa de curtimento

O curtimento é um processo que consiste na transformação das peles de peixes ou animais num material estável e imputrescível. Só depois deste processo a pele é realmente denominada de couro. No curtimento é mantida a natureza fibrosa da pele, no entanto as fibras são previamente separadas pela remoção do tecido interfibrilar e pela ação de produtos químicos e/ou vegetais. Estes produtos preservam a pele da putrefação, ocasionada por processos autolíticos da própria pele ou por ataque bacteriano.

As peles de peixe diferem das peles de mamíferos, por estarem cobertas por delgadas epidermes, podendo ou não possuir escamas e não apresentam glândulas sebáceas. A derme, que é uma camada localizada abaixo da epiderme, é constituída por grossos feixes colagéneos, dispostos paralelamente à superfície da pele e que estão entrelaçados de espaço em espaço por grossos feixes perpendiculares à superfície, em muitas espécies de peixes.

Existem diferenças acentuadas entre as peles das várias espécies de peixes, as quais necessitam de técnicas diferenciadas de curtimento, seja em tempo ou quantidade de produtos, acréscimo de um ou outro produto químico, até mesmo acréscimo de etapas (Adeodato, 1995). O colagéneo é a proteína mais importante sob o ponto de vista do curtidor, pois reage com agentes curtentes (Hoinacki, 1989).

Estudos da resistência mecânica realizados em França comprovaram que os couros de peixe, cortados na mesma espessura do couro bovino, apresentam maior resistência (Adeodato, 1995; Sacco, 1998), tornando-se indispensável que se pense no aproveitamento integral dos subprodutos gerados pelo abate dos peixes, exemplo a pele.

Após a separação das fibras e remoção do material interfibrilar, as peles são tratadas com substâncias denominadas curtentes, que as transformam em couros ou em peles processadas (Hoinacki, 1989). O curtimento pode ser do tipo mineral ou vegetal (Calciolari et al, 2013):

- Curtimento mineral (inorgânico): os produtos mais utilizados para o curtimento mineral são os sais de crómio, alumínio e zircónio. Normalmente usa-se o crómio trivalente (Cr3+) como principal elemento deste processo. Curtido unicamente com sais de crómio, o couro recebe o nome de wet blue e é caracterizado por apresentar grande maciez, elasticidade, baixo peso específico, estabilidade a luz, toque, entre outros (CRC Couro, 2014). Embora esta forma de curtimento apresente várias vantagens estéticas e funcionais em relação ao produto final, o tratamento dos efluentes libertados neste processo é um aspecto negativo a evitar.

Página | 61 - Curtimento vegetal (orgânico): é realizado com taninos, encontrados em extratos vegetais. Os taninos vegetais (tanantes) são misturas complexas de muitas substâncias encontradas em cascas, raízes, folhas e frutos, sendo geralmente extraídos de espécies de árvores como o barbatimão (Styphnodendron barbatimao), angico (Piptadenia rigida), quebracho (Schinopsis lorentzii), mimosa (Acacia

decurens), entre outros (Nussbaum, 2002).

De entre as suas características, os taninos vegetais possuem capacidade de precipitar alcalóides, gelatina e outras proteínas e essa capacidade de interação com as proteínas foi um dos fatores que levou há séculos o seu uso no curtimento de peles (Souza, 2004), além de possuírem solubilidade em água. O uso de taninos vegetais vem assumindo o lugar do crómio, por este último ser considerado tóxico para o homem.

Na realidade os sais de crómio têm sido usados como principal agente de curtimenta. O curtimento com crómio destaca-se nos curtumes de todo o mundo pelas seguintes razões: facilidade relativa de execução, custo competitivo, excelente qualidade dos artigos produzidos e extrema versatilidade na produção de couros para vestuário, calçados, estofos e artefatos. Os sais de crómio são usados como agente curtente, conferindo aos couros produzidos maciez, lisura, flexibilidade, toque e resistência.

Nos sistemas de curtimentos convencionais, emprega-se cerca de 2,0 a 2,6% de Cr2O3 (óxido de crómio), sobre a massa da pele. O pH inicial do processo de

curtimento ao crómio situa-se na faixa de 3,0 enquanto que o pH final em torno de 4,0. A composição básica do processo do curtimento ao crómio sobre o peso das peles in natura é a seguinte: 100% de água, 0,05% de fungicída, 1% de bicarbonato de sódio e 6 a 7% de sulfato básico de crómio, contendo 26% de óxido de cromio (Anusz,1995).

No curtimento com crómio, ocorre o “crosslinking” entre a cadeia do colagénio que proporciona a estabilização bioquímica da substância dérmica minimizando a putrefação da proteína e maximizando a estabilidade hidrotérmica. Durante o curtimento, o crómio trivalente forma complexos de coordenação com o colagénio da pele (Guterres, 1997).

O principal composto usado no curtimento ao crómio é o sulfato básico de crómio trivalente. Os sais de crómio trivalente apresentam grande tendência para formarem complexos. Segundo Vogel (1981), em solução aquosa, o crómio trivalente encontra-se associado a seis moléculas de água, formando o ião crómio-hexaaquoso [Cr(H2O)6]3+.

Os resíduos das indústrias de curtumes possuem crómio na sua forma trivalente (Cr3+), sendo este ião o mais estável, com baixa solubilidade e mobilidade

Página | 62 em água. O crómio trivalente não apresenta características tóxicas ao ambiente uma vez que é encontrado de forma natural e é necessário para as funções biológicas dos seres humanos e animais (Bianchin, 2006).

O problema surge com o descarte contínuo deste material, associado a determinadas condições do solo, ocorre a oxidação do crómio para a sua forma hexavalente (Cr6+), de elevada solubilidade e mobilidade. O crómio (VI) possui características altamente tóxicas e cancerígenas.

O crómio (VI) adere com facilidade as membranas biológicas reagindo com o DNA e consegue alterar as funções enzimáticas e fatores químicos do sangue, deixando o organismo mais suscetível a agentes patogênicos, mudança de comportamento, inibição do apetite e alterações histopatológicas (Bianchin, 2006). O crómio hexavalente pode ocasionar diversos danos à saúde dos seres humanos como: cancro de pulmão, fígados e rins; danos graves aos olhos; doenças respiratórias; lesões na pele entre outras.

As principais vantagens da utilização do tanino são: melhorias no tratamento de efluentes, resíduos biodegradáveis, utilização dos resíduos na agricultura, eliminação do crómio (principal agente tóxico), água residuais livres de crómio e eliminação de lamas com crómio (Cultri e Alves, 2008).

A utilização do tanino no processo de curtimento apresenta inúmeras vantagens. Uma delas é que o seu processo não agride o meio ambiente; o produto não provoca nenhuma reação alérgica; o produto possui maior poder de absorção; o produto permite melhor descarga de energia estática; o produto alcança maior brilho no acabamento final; os produtos estampados apresentam as melhores características; os resíduos resultantes na sua produção são degradáveis e servem para uso em compostagens na produção de adubos.

Além disso, a técnica e o equipamento usado para transformar a pele em couro é uma possibilidade real de reaproveitar toda a pele desperdiçada no município de São Luís. O uso do tanquinho de lavar viabiliza o processo de beneficiamento da pele e incentiva as comunidades ribeirinhas a aproveitar todo o potencial existente dos resíduos do pescado. Diante da necessidade, devido à grande quantidade de resíduos e, devido ao alto valor do fulão, cerca de R$ 25 000,00, a unidade, com capacidade de curtir 20 kg de peles, o custo benefício do tanquinho é bastante superior, pois o tanquinho tem capacidade para 10 kg cada e, seu valor de mercado estar em torno de R$ 350,00.

Novas tecnologias no processamento e curtimento de peles exóticas tem sido desenvolvidas no Brasil, assim como, estudos analisando a resistência do couro, matéria-prima produzida, para a transformação de um subproduto problemático,

Página | 63 devido à elevada quantidade gerada no momento do abate em produto de elevado valor comercial.

Numa análise global do custo do processo de curtimento de peles de peixe deve-se levar em consideração desde a disponibilidade da matéria-prima, a mão-de- obra até equipamentos necessários. Segundo Almeida (1998), os custos de formulação do curtimento de peles de peixes, guardam estreita proporcionalidade com os de peles bovinas, embora não existam no mercado equipamentos específicos para peles de peixes. O processamento dessas peles é praticamente artesanal, o que acarreta uma elevação dos custos de mão-de-obra sem, contudo, inviabilizar a sua produção.

Baseado nos valores calculados por unidade de peles de peixes percebe-se que há um valor agregado ao peixe, realmente significativo, pois ainda, se consideram os dois lados do corpo do peixe (duas unidades de couro) que podem ser comercializadas na forma de semi-acabado ou couro com acabamento. No entanto, a pele pode ser aproveitada pela indústria de beneficiamento do couro, após a sua retirada do peixe, de forma correta, seguido da aplicação de um adequado método de conservação, mantendo-as aptas a ser submetidas ao processo de curtimento.

Com a comercialização dos filés sem peles, a venda de resíduos para produção de silagens ou hidrolisados protéicos e o possível aproveitamento integral das peles de peixes, no processo de curtimento, o produtor conseguirá otimizar economicamente sua atividade piscícola.