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CAPÍTULO 3 − OS CAMINHOS DA PESQUISA

3.1 A etnografia como ferramenta interpretativa

A Etnografia como trabalho científico foi consolidada pelas pesquisas de ordem antropológica no início do século XX na Inglaterra. Todavia, com o empreendimento de estudos empíricos das Ciências Sociais e Humanas, passou a ser vista como possibilidade metodológica para as pesquisas de campo nas diversas áreas como Sociologia, Psicologia Social, dentre outras, segundo Souza (2014). As pesquisas etnográficas naquele período surgiram como contraponto ao excesso de teorias e a escassez de dados empíricos nos estudos antropológicos, o que resultava em generalizações conceituais inadequadas às determinadas realidades específicas vivenciadas por alguns grupos sociais. (Ibid., p. 308).

Uma das características básicas da etnografia nessa perspectiva foi a aproximação do(a) pesquisador(a) com os dados empíricos, uma vez que essa aproximação ocorreu por meio da inserção e permanência no campo de pesquisas por longos e contínuos períodos, pois:

[...] a etnografia pressupõe um contato não apenas bastante próximo, mas também frequente e prolongado com o outro, aliado à utilização de instrumentos como mapas, recenseamentos, quadros sinóticos, entrevistas mais ou menos diretivas, gravadores, equipamentos de fotografia e/ou filmagem, bem como diários, anotações de campo e, claro, a observação (direta ou) participante. (Ibid., p. 309).

Uma perspectiva antropológica norte-americana, a exemplo dos estudos de Geertz (1989), compreendeu que a estada no campo e o acúmulo de dados implicariam uma análise cultural capaz de captar “[...] os significados, empreender uma avaliação das conjeturas, e traçar conclusões exploratórias a partir das melhores conjeturas”. (Ibid., p. 30). Isso exigiria do(a) pesquisador(a) uma capacidade interpretativa da concepção dos informantes acerca do objeto de estudo, em confronto com a própria concepção do(a) pesquisador(a). Assim, o uso dos procedimentos e técnicas etnográficas não seria o bastante para constituir um estudo etnográfico, mas, sobretudo, a competência para interpretar a cultura do grupo investigado.

A esse respeito, Salles (2010), baseado em Geertz, compreende que conceber a cultura como textos a serem interpretados consiste em considerar os dados empíricos como corpus significativos, em um movimento circular, uma vez que, ao mesmo tempo, isola e também contextualiza os fatos ou os acontecimentos. (SALLES, 2010, p. 46). Nesse sentido, afirmou o referido pesquisador: “A interpretação, por sua vez, dispensaria a interlocução. Os

dados, assim reformulados não precisam mais ser entendidos como a comunicação entre pessoas específicas”. (Idem, ibidem).

Para isso se faz necessário:

O deslocamento de uma noção de experiência assentada em uma lógica positivista de experimento, que toma o campo como um grande laboratório, que pode ser estudado com neutralidade pelo antropólogo, para uma outra noção de experiência, menos pretenciosa, que vai assumi-la para além dos limites supostamente bem demarcados entre observador e observado. (SALLES, 2010, p. 51).

Considerando as afirmações do citado pesquisador para o presente estudo, compreendemos que a etnografia tornou-se uma ferramenta interpretativa necessária, uma vez que temos como campo ambientes escolares imersos em contextos geográficos e populacionais distintos, mas que estão diretamente ligados a um sistema educacional único. Isso significa que nossa observação esteve atenta às práticas que estão imbricadas com aspectos específicos referentes ao ambiente no qual se desenvolveram, com as crenças e atitudes dos sujeitos envolvidos, mas ao mesmo tempo estão inseridas em um sistema educacional mais amplo que determina normas e diretrizes a serem seguidas.

Em linhas gerais, o uso da etnografia para compreender o que se passa nos ambientes escolares no Brasil vem sendo uma prática recorrente nos últimos trinta anos. Conforme Lopes Macedo (2011),essa prática iniciou-se com a contribuição acadêmica de Menga Lüdke e Marli André, sob a influência dos estudos norte-americanos e dos interacionistas ingleses. Nesse sentido, os estudos etnográficos passaram a ocupar-se da observação participante do cotidiano escolar e das práticas em sala de aula, das relações e interações entre os sujeitos da pesquisa. Assim, exigindo um período de estada mais prolongado no interior das escolas:

O que caracteriza mais profundamente a pesquisa do tipo etnográfico é, principalmente, um contato direto e prolongado do pesquisador com a situação e as pessoas ou grupos selecionados. [...]. Um outro requisito da pesquisa do tipo etnográfico é a obtenção de uma grande quantidade de dados descritivos. Utilizando principalmente a observação, o pesquisador vai acumulando descrições de locais, pessoas, ações, interações, fatos, formas de linguagem e outras expressões, que lhe permitem ir estruturando o quadro configurativo da realidade estudada, em função do qual ele faz suas análises e interpretações. (ANDRÉ, 2010, p. 49-50).

Todavia, tratando-se da pesquisa do tipo etnográfica em Educação, segundo André (2012), inicialmente as preocupações foram em estudar a sala de aula como forma de avaliar o currículo. Como também a interação de professores(as) e alunos(as). (Ibid., p. 36). Nas décadas seguintes, 1980 e 1990, houve uma proliferação desse tipo de pesquisa, trazendo uma diversidade de “objetivos, fundamentos e procedimentos”. (Ibid., p. 40). Isso revelou o potencial da perspectiva antropológica social, pondo a etnografia a serviço das pesquisas em

Educação, abrindo um leque de possibilidades de aproximação com as múltiplas problemáticas que envolvem o ambiente escolar.

Segundo Marli André:

Conhecer a escola mais de perto significa colocar uma lente de aumento na dinâmica das relações e interações que constituem o seu dia a dia, apreendendo as forças que a impulsionam ou que a retêm, identificando as estruturas de poder e os modos de organização do trabalho escolar e compreendendo o papel e a atuação de cada sujeito nesse complexo interacional onde ações, relações, conteúdos são construídos, negados, reconstruídos ou modificados. (ANDRÉ, 2012, p. 41).

A citada pesquisadora também chamou a atenção para o cuidado sobre os estudos das práticas escolares não se resumirem às meras descrições ou “retratos” do que ocorreu nessas instituições. Para reduzirmos esse risco, seguimos uma das suas orientações no sentido de nos preocuparmos com os processos de reconstrução dessas práticas, desvelando as múltiplas dimensões, evidenciando seu caráter dinâmico e suas contradições; consideramos ainda o constante movimento e sua incompletude. (Ibid., p. 42).

Isso demandou nossa permanência mais frequente em campo durante o desenvolvimento do presente estudo. De forma que somando os períodos intercalados quando estivemos em contato com o campo e os sujeitos, foram aproximadamente três meses. Consideramos, também, que nossa inserção em campo se deu anterior ao início do presente estudo. De forma que, há alguns anos, participávamos de alguns eventos na área indígena, onde conhecemos algumas professoras que atuavam tanto nas escolas indígenas quanto nas escolas estaduais e municipais na área urbana daquela cidade. Por intermédio dessas professoras, buscamos uma aproximação com as escolas municipais onde atuavam.

Esses contatos estabelecidos anteriormente foram importantes e necessários à aproximação e consolidação de relações de confiança por parte dos sujeitos envolvidos. De forma que possibilitou um diálogo colaborativo, como também o fácil acesso às fontes documentais necessárias para tecermos interpretações acerca das práticas docentes específicas sobre o ensino da História e culturas dos povos indígenas. As etapas desse processo estão mais bem detalhadas na seção 3.2.