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CAPÍTULO 3 − OS CAMINHOS DA PESQUISA

3.2 Primeira etapa: uma aproximação com o campo e os sujeitos

O município de Pesqueira situa-se no interior do estado de Pernambuco, mais especificamente na Região do Agreste, fronteira com o Sertão, aproximadamente a 215 km de distância do Recife, capital do estado. No Mapa 4 é possível visualizar melhor sua localização:

Mapa 4

Localização do município de Pesqueira em Pernambuco

Fonte: www.cidade-brasil.com.br/município-pesqueira

Com 995,53 km² de extensão, incluindo os 27.555ha pertencente à União, onde habita a maioria da população indígena Xukuru do Ororubá, o município de Pesqueira contava em 2010 com 62.931 habitantes. Dentre esses habitantes, encontravam-se 9.335 indígenas. Por isso, destacou-se no Censo 2010 do IBGE como o município no Nordeste que tem o maior número de indígenas. Sendo essa uma das razões que optamos por desenvolver o presente estudo naquele município, somando-se às informações acerca das mobilizações políticas empreendidas pela população indígena local vindo a influenciar as atividades letivas em algumas escolas municipais situadas na periferia da cidade, próxima à área indígena.

Logo, a opção pelas escolas municipais como campo empírico, inicialmente ocorreu em função dessas informações, pois nos preocupava como estava ocorrendo o ensino da História e das culturas indígenas nas escolas, onde a maioria das crianças indígenas que moravam na área urbana da cidade frequentava, considerando que, do total de indivíduos indígenas mencionados anteriormente, apenas 7.508 moram na área indígena situada no contexto rural; enquanto os outros 1.827 residem na área urbana.

Conforme um estudo realizado em 2008 por Oswaldo L. Cruz, intitulado O índio na cidade: os Xukuru do Ororubá, Pesqueira, PE, as moradias dessas famílias indígenas concentram-se nos bairros Xucurus e Caixa d’Água, localizados na fronteira com a área indígena. Todavia, ao longo do presente estudo, identificamos outros bairros da cidade, onde também existem famílias indígenas morando, a exemplo dos bairros Vila Nápoles, Santo Antônio, Centenário, Pedra Redonda, Baixa Grande e Prado.

Outros estudos históricos sobre o povo Xukuru do Ororubá, a exemplo de Edson Silva (2008a) e Edmundo Bezerra (2012) quando afirmaram que a dispersão do referido povo para a área urbana de Pesqueira e outras cidades e regiões do Brasil resultou de diversos fatores: desde o processo de colonização daquela região à ocupação das suas terras por criadores de grandes rebanhos bovinos com apoio do poder público, à busca de condições dignas de vida, incluindo trabalho, saúde e educação escolar.

O fato é que, atualmente, parte da população indígena residente na periferia da cidade de Pesqueira, mesmo se concentrando em alguns bairros mais específicos, passa quase despercebida pela população em geral, com exceção das professoras e demais funcionários(as) das escolas municipais situadas nos bairros anteriormente mencionados. Só no dia 20 de maio é que aquela pequena parte da população indígena ganha visibilidade.12 Uma vez que aglomeram-se nas ruas locais, portando artefatos característicos do povo Xukuru do Ororubá, como as barretinas, as maracas, as pinturas corporais, juntando-se aos milhares de parentes que veem da área indígena para um ato público que há 15 anos ocorre anualmente naquela cidade.

Diante do exposto, compreendemos que a escola pode ser um espaço de difusão da História e das culturas da população indígena, principalmente nos anos iniciais de escolarização, de forma a contribuir para a afirmação identitária das crianças indígenas, e também favorecer aquelas não indígenas a conhecer, compreender e respeitar as diferenças socioculturais outras. Com essa compreensão, passamos a nos dedicar a um estudo mais sistemático sobre aquelas escolas, no qual buscamos conhecer a localização de todas as escolas municipais da área urbana daquela cidade, e só posteriormente delimitamos nosso estudo a três unidades escolares.

À etapa que precedeu essa delimitação chamamos de pesquisa exploratória. Conforme Minayo (2010), essa fase do estudo é importante para definirmos os espaços e os sujeitos, estabelecermos os critérios de amostragem e as estratégias a respeito de como nos inserirmos no campo. Nesse intuito, visitamos as 10 escolas municipais da área urbana que atendem aos anos iniciais do Ensino Fundamental, localizadas em bairros distintos na cidade de Pesqueira.

12O dia 20 de maio para o povo Xukuru do Ororubá tornou-se uma tradição política e religiosa. Nessa data

ocorre uma celebração em memória do cacique Xicão. Tendo início com uma missa e rituais indígenas na Mata da Pedra d’Água, localizada na Aldeia Pedra d’Água, onde está “plantado” o corpo de Xicão. Em seguida, uma caminhada é realizada da Área Indígena até a cidade de Pesqueira, culminando com um ato público até o bairro Xucurus, no local onde ocorreu o assassinato do referido líder em 20 de maio de 1998. A esse respeito, consultar: NEVES, Rita de Cássia Maria. Resistência e estratégias de mobilizações políticas entre os Xukuru. In: ATHIAS, Renato (Org.). Povos indígenas de Pernambuco: identidade, diversidade e conflito. Recife: Edufpe, 2007. p. 113-136.

Das escolas por nós visitadas, percebemos que a maioria apresentava estado de conservação precário, algumas oferecendo risco à segurança física das pessoas que por elas circulam, funcionando em edificações antigas e mal conservadas, algumas fundadas há mais de cinquenta anos. Outras recentes, mas funcionando em prédios antigos que foram construídos para outros fins, hoje adaptados ao funcionamento como escola. Essas apresentam dificuldade em atender às necessidades educacionais básicas, uma vez que não tem condições de oferecer acomodações físicas minimamente acolhedoras e seguras. Nesse contexto, as escolas urbanas da rede de ensino municipal de Pesqueira atendiam em 2014 aproximadamente 5.632 estudantes.

Desse universo estudantil, inicialmente nos interessavam as informações acerca do pertencimento étnico-racial das crianças que frequentavam as turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para isso, distribuímos 106 cópias impressas do questionário para serem respondidos pelos(as) professores(as) da referida modalidade de ensino. O referido questionário, continha algumas questões objetivas e outras semiabertas acerca da localização das escolas, o perfil profissional, étnico-racial e residencial dos(as) professores(as), mas em especial o pertencimento étnico-racial dos(as) estudantes com os quais atuavam. Essas questões foram importantes para identificarmos a presença ou a ausência de crianças e professoras indígenas nas referidas escolas. Como bem as aproximações ou distanciamentos geográficos desses sujeitos com a população indígena local.

É pertinente registrar que todas as escolas visitadas contribuíram com essa etapa da pesquisa, as quais foram identificadas com as letras de A a J, como forma de resguardar a identidade das referidas instituições. Algumas deram sua contribuição de forma mais efetiva no sentido de contar com a participação de todos(as) os(as) professores(as). Enquanto em outras, houve professores(as) não devolveram o questionário e algumas responderam parcialmente. Por exemplo, houve escolas onde algumas professoras não responderam à pergunta sobre o perfil étnico-racial dos(as) estudantes.

Enfim, nessa etapa da pesquisa, das 106 cópias do questionário que foram entregues nas escolas, recolhemos 48. Dessas, algumas estava parcialmente respondidas, mas que foi o suficiente para nos fornecer informações correspondentes ao perfil étnico-racial de 37 “professoras”13

e 887 estudantes. Percebemos que sete escolas indicaram a presença de crianças indígenas. Um maior número apresentava as escolas mais próximas à área indígena. Podendo ser visto no Quadro 6:

13 Usamos a expressão no feminino (professora) considerando que todos os sujeitos participantes dessa primeira

Quadro 06 - Perfil étnico-racial dos/as estudantes por escola escolas visitadas nº de turmas mencionadas pelas professoras

classificação étnico-racial dos/as estudantes branca negra indígena outras total por

escola A 05 14 02 79 13 108 B 02 19 15 - 11 45 C 10 104 42 06 58 210 D 04 32 05 26 06 69 E 02 20 14 08 08 50 F 06 16 01 90 - 107 G 03 49 - - 12 61 H 06 69 24 09 34 136 I * - - - - J 05 40 15 06 40 101 dados gerais 43 363 118 224 182 887

As professoras da referida escola não responderam esse item do questionário. Fonte: Elaborado pela autora a partir do questionário aplicado com as professoras

Conforme é possível observar no referido quadro, dentre as 10 escolas que participaram, a escola “A” e escola “F” que se encontram em destaque na cor azul, foram as que apresentaram o maior número de estudantes indígenas nas turmas do Ensino Fundamental I. As referidas escolas estão localizadas nos bairro Xucurus e Caixa D’água, numa região periférica e fronteiriça à área indígena. Vale ressaltar que todos os/as estudantes indígenas identificados/as nos questionários, moram na zona urbana da cidade. E como pudemos perceber no total dos/as 887 estudantes citados/as nessa etapa do estudo, 224 foram declarados/as indígenas, o que correspondeu aproximadamente a 25%.

As referidas informações foram importantes para definirmos a escolha das escolas e das professoras participantes do presente estudo, quando, a princípio, pudemos identificar que havia três escolas que não indicaram a presença de crianças indígenas. Assim, nosso olhar voltava-se para as outras sete escolas, um número ainda bastante volumoso, inviável de ser estudado em uma perspectiva qualitativa. Logo foi necessário listarmos os outros critérios, os quais são apresentados na próxima seção.

3.3 Segunda etapa: delimitação do campo e dos sujeitos, desenhando os perfis, definindo