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CAPÍTULO 3 − OS CAMINHOS DA PESQUISA

3.3 Segunda etapa: delimitação do campo e dos sujeitos, desenhando os

3.3.3 Perfil geral das lideranças indígenas

Consideramos o que afirmou Stephen Ball (2001), sobre a sua teoria do Ciclo de Política, em que por vezes se concebem as políticas educacionais em uma perspectiva social, envolvendo: a sociedade civil organizada, instâncias governamentais, organizações políticas partidárias, instituições jurídicas, dentre outras. Compreendemos, então, que as práticas curriculares são parte integrante dessa complexidade política, constituindo-se como o contexto da prática, mas que está intimamente interligada a outros contextos, inclusive o de influência. Esse é considerado por Ball como o contexto no qual são visíveis os conflitos de ideias e as disputas de interesses dos sujeitos e grupos envolvidos.

Por essa perspectiva, compreendemos que no Brasil os povos indígenas nas últimas décadas têm-se apresentado como atores de mobilizações políticas e sociais, em prol da formulação e implementação de políticas públicas pelo reconhecimento e a valorização das diversidades étnico-culturais inerentes aos diferentes grupos étnicos que constituem a população indígena no País.

No que se refere ao contexto local do presente estudo, tais mobilizações são recorrentes e emergiram nas narrativas de alguns atores das práticas docentes. Tal fato nos apontou a necessidade de ouvir alguns líderes indígenas do povo Xukuru do Ororubá, tendo em vista que a maioria das crianças indígenas que frequentam as escolas municipais de Pesqueira pertence àquele grupo étnico.

Nesse sentido, inicialmente procuramos o Cacique Marcos, que nos recebeu com cordialidade, acolhendo a ideia da participação do seu povo no presente estudo. Nessa oportunidade, sugeriu o nome de alguns líderes e algumas mulheres líderes que poderiam contribuir, acrescentando que teríamos a liberdade para dialogar com quem fosse necessário.

A partir das conversas com as pessoas indicadas, foram sugeridas outras pessoas, somando um total de 14 indígenas que exercem liderança entrevistados, sendo 4 mulheres e 10 homens, com idade de 21 a 85 anos. Para além das entrevistas, registramos algumas conversas informais com outros líderes.

Em relação à identificação das lideranças indígenas, tomamos como referência os próprios nomes ou como são conhecidas pelo seu povo. Sendo essa uma prática comum nas pesquisas sobre esse. Isso se caracteriza como uma forma de afirmação identitária dos indivíduos pertencente aquele grupo étnico.

Como forma de sistematização das informações obtidas nessas entrevistas, optamos por agrupar os(as) entrevistados(as) em quatro categorias de liderança: o primeiro grupo, nomeamos como lideranças tradicionais; o segundo, como lideranças políticas; o terceiro, como lideranças que atuam na Educação Escolar Indígena; por último, as lideranças que residem na área urbana da cidade de Pesqueira.

Ressaltamos que, ao fazermos referência às lideranças indígenas a partir de um lugar social, foi uma tentativa de fixar mesmo que provisório o não fixável, considerando que aqueles atores desenvolvem múltiplos papéis na organização social, política e religiosa daquele povo. Por exemplo, o pajé que incluímos no grupo de lideranças tradicionais também poderia ser incluído no grupo de líderes que residem na área urbana da cidade; ou ainda, outros líderes inclusos nesse grupo atuam como líderes em diversas instâncias na organização social e política daquele povo. No entanto, precisávamos, ainda que provisoriamente, estabelecer critérios que justificassem o lugar de falas daqueles que ouvimos.

Nesse caso, ouvir líderes considerados tradicionais significava ainda priorizar, dentro dessa categoria, os(as) anciãos(ãs) em razão de serem atores com uma trajetória de atuação de longa data junto ao seu povo. Com essa compreensão, dirigimo-nos ao pajé, ao mestre do Memby14 e à mãe do atual cacique. Levamos em consideração, ainda, a atuação desses atores no universo religioso.

O critério da idade e de atuação entre o povo também prevaleceu na escolha dos(as) líderes políticos(as). Foram ouvidos o vice-cacique e mais dois representantes de aldeia, que nos trouxeram alguns esclarecimentos a respeito de acontecimentos históricos recentes que consideram importantes ser abordados nas escolas não indígenas.

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Flauta utilizada no ritual do Toré, servindo como instrumento de acompanhamento dos pontos (toantes/cantos), tendo um significado sagrado como veículo de comunicações com os Encantados, seres mitológicos do panteão religioso Xukuru do Ororubá.

Enquanto em relação à escolha das lideranças que atuavam na Educação Escolar Indígena, preocupamo-nos em ouvir alguns e algumas coordenadores(as) pedagógicos(as), somando o total de três, e um professor que tivesse uma relação mais direta com o ensino sobre algum aspecto sociocultural mais específico, no caso, um professor de Artes. O olhar desses sujeitos como educadores(as) sobre aspectos socioculturais do seu povo, mencionados pelas professoras das escolas onde essa pesquisa foi realizada, foi-nos muito caro para compreender melhor a visão das referidas professoras sobre tais aspectos.

De grande importância também foi o diálogo com as lideranças que residem na área urbana da cidade. Inclusive por nos oportunizar o olhar de quatro lideranças que atuam em diferentes causas na organização sociopolítica e econômica do seu povo. Nesse grupo, encontram-se as lideranças mais jovens dentre todas que entrevistamos: uma liderança em defesa da manutenção da agricultura “tradicional Xukuru”; uma coordenadora pedagógica, um representante dos índios que moram na área urbana da cidade, esse também atua como agente de saúde na área indígena; e um representante do movimento jovem Xukuru.

Todos esses atores residem nos bairros mais próximos da área indígena, e de certa forma estão mais próximos das escolas municipais urbanas, ou em contato com a maioria das famílias indígenas que residem naquela região da cidade e mantém suas crianças nas referidas escolas. Diante desse dado, compreendemos que o olhar desse grupo acerca do Ensino da História e das culturas indígenas naquelas escolas, trouxe significativa contribuição no sentido de maior aproximação com a “realidade” por nós estudada, somando-se às demais contribuições dos mais diversos sujeitos com os quais estabelecemos parceria nessa caminhada em busca da compreensão acerca do nosso objeto de estudo.