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A evolução do sistema de solução de controvérsias do Mercosul

A questão em tela é revestida de muita sensibilidade na experiência integracionista mercosulina, visto que desde o Tratado de Assunção (1991) se passa de um a outro sistema de solução de controvérsias, mas sem a adoção de um regime de caráter permanente, sendo a provisoriedade uma das suas marcas até os dias atuais.

Em diversos disciplinamentos sucessivos, os Estados fizeram modificações no referido sistema, sem, no entanto, aplicar mudanças profundas que realmente assegurassem uma coercibilidade jurisdicional às normas compatível com o objetivo de criação de um Mercado Comum, conforme estatuído no art. 1º do Tratado de Assunção de 1991.

Esta constatação se evidencia tanto na análise do ponto de vista institucional quanto do exame do próprio mecanismo de solução de controvérsias.

§ 1º. O Anexo III do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991369

Quando da firmação do compromisso de estabelecimento do Mercosul, foi instaurado pelo Tratado de Assunção, em seu Anexo III, um sistema simples de solução de conflitos para funcionar provisoriamente após a entrada em vigor do Tratado370.

Em caso de conflito entre os Estados Partes, o procedimento indicava a busca de uma solução negocial direta entre as partes protagonistas divergência, de início. Caso esta não restasse solucionada, deveria a questão ser encaminhada ao Grupo Mercado Comum (GMC), que analisaria a questão em um prazo de até 60 (sessenta) dias371, ao final do qual deveria o referido órgão se manifestar, através de Recomendações.

369 Incorporado ao direito brasileiro pelo Decreto nº 350, de 21 de novembro de 1991.

370 ALMEIDA, Paulo Roberto de. Solução de Controvérsias no Mercosul: Protocolo de Brasília ao Tratado de Assunção. In: Núcleo de Assessoramento Técnico (Org.). Boletim de Integração Latino-Americana, nº 04,

jan./mar. 1992. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1992, p. 09.

Não sendo suficiente esta intervenção, a questão deveria ser encaminhada à análise do Conselho de Mercado Comum (CMC), que deveria, igualmente por meio de Recomendações, manifestar seu posicionamento acerca da questão372.

Vale salientar, as manifestações do Grupo Mercado Comum (GMC) e do Conselho de Mercado Comum (CMC) não seriam dotadas de qualquer vinculatividade para os Estados Partes durante a vigência desse sistema373.

Ainda, nos termos do referido Anexo, competia ao Grupo Mercado Comum (GMC), no prazo de 120 (cento e vinte) dias, encaminhar aos Estados Partes proposta de sistema provisório para vigorar durante o período de transição, que se estenderia até 31 de dezembro de 1994374.

Por fim, estabelecia o § 3º do Anexo III do Tratado de Assunção: “Até 31 de dezembro de 1994, os Estados-Partes adotarão um Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum”. Desse dispositivo constata-se desde cedo a existência da preocupação com a efetividade do sistema de jurisdição do Mercosul.

§ 2º. Protocolo de Brasília375, de 17 de dezembro de 1991

Ao final do mesmo ano, veio o Protocolo de Brasília (1991), trazendo o novo mecanismo de solução de controvérsias, destinado a disciplinar a solução de conflitos durante o período de transição. Deve ser feito, mais uma vez, o registro da demora na incorporação das normas do Mercosul: o referido Protocolo levou 22 (vinte e dois) meses para ser incorporado ao direito brasileiro, restando ao sistema estabelecido pouco mais que um ano de vigência até o final do período de transição.

O mecanismo trazido pelo novo instrumento revelava uma evolução no caráter institucional, com a constituição de um Tribunal Ad Hoc em face de cada caso. No entanto, o procedimento permaneceu com características espartanas, sendo a inclusão da etapa arbitral a única inovação significativa em relação ao sistema esboçado pelo Anexo III do Tratado de Assunção.

372 Também constante do Tratado de Assunção, Anexo III, § 1º.

373 EUSTÁQUIO, Maristela Aparecida Dutra; SOARES FILHO, Magno José. O sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL. In: JO, Hee Moon (Coord.). Sistemas de Solução de controvérsias na integração econômica nas Américas. Curitiba: Juruá, 2008, p. 231.

374 Tratado de Assunção, Anexo III, § 2º.

O procedimento, então, era composto de três etapas. Primeiramente, deveriam as partes recorrer à diplomacia e às negociações diretas para a tentativa de resolução do conflito, em um prazo de até 15 (quinze) dias. A novidade, nesse ponto, concernia à abertura da possibilidade de convenção diversa entre as partes, in casu, para aumentar o prazo geral estabelecido376.

Em razão da existência de fases posteriores, em que se poderia levantar questões diversas da que havia constituído o objeto inicial da divergência, se manifestou o Tribunal Ad Hoc que a delimitação da divergência se dá com a apresentação, por meio da reclamação, e da resposta, via contestação, não podendo ser arguidas pelas partes novas questões quando das fases seguintes377.

Não solucionado o conflito por meio das vias diplomáticas, qualquer dos Estados Partes poderia recorrer ao Grupo Mercado Comum (GMC) para que se pronunciasse sobre a questão em um prazo máximo de 30 (trinta) dias, devendo sua manifestação ocorrer por meio de Recomendações378.

Se ainda assim persistisse o insucesso na solução do conflito, poderia ser acionado o procedimento arbitral ad hoc por qualquer das partes. A parte que decidisse recorrer a esse préstimo deveria comunicar à Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) para que esta levasse o comunicado à parte adversa. A jurisdição do Tribunal Arbitral do Mercosul era reconhecida desde a assinatura do Protocolo de Brasília através de uma cláusula compromissória dele constante379.

Quanto à constituição do Tribunal Arbitral Ad Hoc, deveria ser composto por um árbitro escolhido por cada parte e mais um escolhido de comum acordo entre estas – que não pode ser nacional de nenhuma das duas –, escolhido a partir da conjugação de cada uma das listas de 10 (dez) árbitros depositadas pelos Estados Membros, tudo conforme o referido

376 Protocolo de Brasília: “Art. 3, 2 – As negociações diretas não poderão, salvo acordo entre as partes, exceder

um prazo de quinze (15) dias a partir da data em que um dos Estados suscitou a controvérsia”.

377 BÖHLKE, Marcelo. Integração Regional & Autonomia do seu Ordenamento Jurídico. Curitiba, Juruá:

2010, p. 167.

378 Protocolo de Brasília, arts. 4 a 6.

379 Protocolo de Brasília: “Art. 7, 1 – Quando não se puder solucionar a controvérsia mediante a aplicação dos

procedimentos referidos nos Capítulos II e III, qualquer dos Estados-Partes na controvérsia poderá comunicar à Secretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitral que se estabelece no presente Protocolo; 2 – A Secretaria Administrativa notificará de imediato a comunicação ao outro ou outros Estados envolvidos na controvérsia, e ao Grupo Mercado Comum, e terá a seu cargo os trâmites para o desenvolvimento dos procedimentos”; GREBLER, Eduardo. O Mercosul institucional e a solução de controvérsias. In: SOARES, Guido F. S. Boletim de Integração Latino-Americana, nº 12, jan./mar. 1994. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 1994, p. 46.

Protocolo. Se não houvesse acordo sobre o terceiro árbitro, este seria indicado pela Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM), mediante sorteio380.

Vale salientar, as fontes primárias para a decisão do conflito eram as próprias normas de caráter internacional constitutivas do bloco, bem como as demais fontes reconhecidas do Direito Internacional, inclusive seus meios auxiliares381 se assim convencionassem as partes.

Estabelecia o dito Protocolo que, ao final de suas deliberações, o Tribunal Arbitral se manifestaria por meio de um laudo, como na praxe arbitral difundida em outros sistemas, de caráter inapelável e vinculativo às partes, equivalente a uma sentença judicial382. Em caso de descumprimento, havia a previsão de sanções, consistentes em medidas compensatórias temporárias, destinadas a punir a parte inadimplente383.

Observa-se que o tipo de sanção aplicável nos termos do Protocolo de Brasília não parece ser o mais apropriado para processos de integração, pois pode aprofundar os atritos entre as partes da controvérsia, e instituir entraves políticos e mesmo psicológicos ao objetivo integracionista ao acirrar a rivalidade entre os Estados Partes. Não obstante sua inadequação em casos de integração regional, pode ser útil no âmbito do Direito Internacional em outras conjunturas vivenciadas pela sociedade internacional 384.

Quanto aos honorários dos árbitros e demais despesas com o procedimento arbitral, os custos deveriam ser compartilhados de forma equânime entre as partes, podendo a decisão do Tribunal Arbitral estabelecer proporções diferenciadas385.

Caso desistissem da controvérsia ou firmassem acordo em paralelo, bastava que as partes comunicassem o fato ao Grupo Mercado Comum (GMC) e ao Tribunal Arbitral e para que fosse encerrado o procedimento386.

Por fim, cabe destacar que o Protocolo de Brasília já regulava a atividade de particulares perante o sistema de solução de controvérsias, mas apenas para a formalização de reclamação. Esta sofreria uma espécie de juízo de admissibilidade e, se fosse aceita, fugiria ao

380 Protocolo de Brasília, arts. 10 a 13.

381 Costume internacional, princípios gerais de direito internacional, jurisprudência, analogia, eqüidade.

382 PUCCI, Adriana Noemi. A arbitragem nos países do Mercosul – Estudos da Integração, v. 10. Brasília:

Senado Federal; Porto Alegre: Associação Brasileira de Estudos da Integração, 1996, p. 28.

383 Protocolo de Brasília, arts. 21 e 22.

384 BÖHLKE, Marcelo. Integração Regional & Autonomia do seu Ordenamento Jurídico. Curitiba, Juruá:

2010, p. 169.

385 Protocolo de Brasília: “Art. 24. 1 – Cada Estado-Parte na controvérsia custeará as despesas ocasionadas

pela atividade do árbitro por ele nomeado; 2 – As despesas do Presidente, bem como as demais despesas do Tribunal Arbitral, serão custeadas em partes iguais pelos Estados-Partes na controvérsia, a menos que o Tribunal decida distribuí-las em diferente proporção”.

386 Conforme art. 42 do Regulamento do Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias, aprovado pela

controle do reclamante particular, passando a constituir interesse do Estado do qual provinha aquele387.

O mecanismo de reclamação de particulares, por ser complexo e inefetivo, não gozava de significativa repercussão, na prática, notadamente em razão da dependência dos particulares em relação aos órgãos mercosulinos para o andamento da questão.

§ 3º. Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994

O Protocolo de Ouro Preto, encarregado de promover a reforma da estrutura institucional do Mercosul, seria o instrumento natural para o estabelecimento de um sistema de solução de controvérsias permanente e estável.

Entretanto, mais uma vez consagrou uma solução temporária, determinando apenas algumas alterações no Protocolo de Brasília (1991)388. Este Protocolo permanecia vigente, então, até a adoção de um sistema permanente, que deveria, segundo o Protocolo de Ouro Preto (1994), ser implantado antes da consolidação da fase de união aduaneira do processo integracionista389.

Dentre as alterações protagonizadas pelo Protocolo de Ouro Preto390, podem ser destacadas: a inclusão das Diretrizes no elenco de fontes normativas a serem apreciadas em caso de surgimento de controvérsias391; a obrigatoriedade de publicação das decisões do Tribunal Arbitral no Boletim Oficial do Mercosul392; e, mudanças no procedimento de reclamações de particulares, que passava a incluir a participação da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM)393.

O adiamento da implantação do sistema permanente e a inclusão da participação da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) nos procedimentos de solução das controvérsias foram, de fato, as maiores inovações trazidas pelo Protocolo de Ouro Preto (1994). No entanto, o Protocolo não trazia qualquer novidade em relação ao procedimento arbitral.

387 Protocolo de Brasília, arts. 25 a 32. 388 Protocolo de Ouro Preto, art. 43. 389 Protocolo de Ouro Preto, art. 44.

390 FONSECA, José Roberto Franco. Sistema de solução de controvérsias no Mercosul. In: BAPTISTA, Luiz

Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELLA, Paulo Borba. Mercosul: das negociações à

implantação. 2. ed. São Paulo: LTr, 1998, p. 171. 391 Protocolo de Ouro Preto, art. 43, parágrafo único. 392 Protocolo de Ouro Preto, art. 39.

A solução de controvérsias, então, restou sem alterações institucionais ou procedimentais até o advento do Protocolo de Olivos (2002).