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Seção 1. A processualística de incorporação das normas mercosulinas ao ordenamento

A) Direito originário do Mercosul

O direito da integração de dimensão originária segue o rito genérico de incorporação obtido da combinação do art. 84, VIII, com o art. 49, I, da Constituição Federal.

O ato de celebração dos tratados internacionais de integração é iniciado pelo Poder Executivo, na figura do Presidente da República ou do Plenipotenciário, com a negociação e o aceite provisório, mediante a consignação de sua assinatura no instrumento jurídico internacional332.

No entanto, antes da assinatura, no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, o tratado deve ser aprovado pela Consultoria Jurídica do Itamaraty, sob o ponto de vista jurídico, e pela Divisão de Atos Internacionais, sob o ponto de vista processual. Esta atuação do Ministério das Relações Exteriores se dá pela obrigatória participação de funcionário diplomático em todas as negociações de atos internacionais333.

Posteriormente, o texto assinado é submetido ao Congresso Nacional, para que resolva definitivamente sobre a adesão do Estado brasileiro ao compromisso internacional. Convém observar que é nesse momento do iter procedimental de incorporação que podem ser feitas reservas a determinados dispositivos do compromisso internacional.

Após o pronunciamento positivo do Poder Legislativo Federal, seguem a ratificação e a promulgação do compromisso internacional, a cargo do Chefe de Estado, que por este

331 DRUMMOND, Maria Cláudia. A presença do Senado brasileiro no Mercosul – um breve histórico. In:

Revista de Informação Legislativa, Ano 47, n. 186, abr./jun. 2010, p. 321.

332 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público – Vol. I. 12. ed. Rio de

Janeiro, Renovar, 2000, p. 213.

333 LIMA, Janice de Carvalho. O Direito Internacional e o Poder Legislativo na condução da política externa. In: Revista de Informação Legislativa, Ano 42, n. 166, abr./jun. 2005, p. 172-173.

devem ser realizadas respeitando as reservas indicadas pelo Decreto Legislativo, caso existam, e sem tolerância à discricionariedade334.

Voltada para o plano externo, a ratificação, considerada a partir do depósito do instrumento perante o órgão ou Estado que ele mesmo especifica, implica o início da vigência do tratado perante a sociedade internacional, a partir de quando o Estado pode ser responsabilizado internacionalmente por seu descumprimento.

Já a promulgação ocorre por meio da produção de decreto pelo Presidente da República, através do qual se estabelece, após sua publicação, a vigência do instrumento no ordenamento jurídico pátrio335.

Saliente-se que, ante à lacunosidade constitucional, o processo de incorporação ora descrito é fruto de uma antiga tradição que, portanto, se mostra inadequada aos dias atuais por ser insensível às mudanças ocorridas no cenário e na dinâmica internacional. Notadamente, a prática apresentada é indiferente à demanda por agilidade que emana do crescente ganho de importância do direito internacional nas últimas décadas336.

A prática brasileira de incorporação é discutida em sede doutrinária, visto que alguns entendem que o ato deve se tornar vigente no plano interno com a aprovação pelo decreto legislativo, com apoio no que consta do art. 59 da Constituição Federal337.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, confirmando a antiga tradição brasileira na celebração de tratados, entende ser indispensável o decreto presidencial de promulgação, somente a partir do qual resta vigente o tratado internacional no sistema jurídico brasileiro. Nesses casos, é importante observar um inconveniente: no tempo decorrido entre a ratificação e a promulgação, que muitas vezes chega a durar anos, a norma é valida e vigente no plano internacional, a despeito de que não pode ser considerada exigível do ponto de vista interno Saliente-se que este posicionamento foi inaugurado em pronunciamento provocado por discussão de um tratado mercosulino338.

334 MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz. O poder de celebrar tratados. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris

Editora, 1997, p. 427.

335 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Manual de Direito Internacional Público. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 28.

336 SOUZA, Carlos Fernando Mathias. Direito de integração, internacionalização da justiça e duas palavras sobre o Mercosul. In: Revista de Informação Legislativa, Ano 36, n. 142, abr./jun. 1999, p. 33.

337 Nesse sentido, se pode indicar: AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 70; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 329; e DUARTE, Leonardo Avelino. Estudos sobre a posição hierárquica dos decretos legislativos que incorporam tratados. In: Revista de Direito Constitucional

e Internacional, Ano 10, n. 41, out./dez. 2002, p. 76.

338 A aplicação de um dispositivo do Protocolo sobre Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil,

Constata-se, então, uma falha que permite a ocorrência da vigência externa sem observância da vigência interna, podendo sujeitar o Estado brasileiro a sanções internacionais por descumprimento da norma internacional, por decorrência de um mero descompasso ainda não solucionado nos procedimentos formais de incorporação.

Assim, tanto o Tratado de Assunção (1991), que originou o Mercosul, quanto os seus Protocolos são submetidos a um rito de incorporação deveras pesado e desprovido de agilidade. Este fato dificulta a realização do objetivo constitucional integracionista na medida em que mina a segurança jurídica por fornecer um vislumbre de evolução na celebração de cada Protocolo ao mesmo tempo em que os submete a um período de “vacância” longo em demasia. Destarte, o instrumento jurídico internacional muitas vezes assiste ao desfazimento da situação jurídica que pretendia regular antes mesmo de conseguir cumprir todas as custosas exigências formais para o alcance de sua plena vigência.

O próprio Protocolo de Ouro Preto, firmado em 17 de dezembro de 1994, que efetuou a revisão institucional do bloco, a ser inaugurada em 1º de agosto de 1995 – tendo em vista o surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC)339 –, sofreu esse período de instabilidade jurídica. Tendo sido ratificado em 16 de fevereiro de 1996, foi promulgado apenas em 10 de maio de 1996, quase três meses depois.

No mesmo passo, o Protocolo de Medidas Cautelares, firmado em 16 de dezembro de 1994, por exemplo, foi ratificado já com uma considerável demora em 18 de março de 1997, tendo sido promulgado apenas em 16 de junho de 1998. Nesse caso, constata-se um período de um ano e três meses entre a entrada em vigor nos planos internacional e interno. Ironicamente, o Protocolo tratava justamente da aplicação das chamadas medidas cautelares, que são instrumentos jurídicos específicos para utilização em situações de urgência para a proteção de direitos.

Também o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais, assinado em 25 de junho de 1996, foi ratificado em 28 de março de 2000 e promulgado apenas em 18 de maio de 2000, depois de decorridos quase dois meses da ocorrência da vigência no plano externo.

firmado em 27 de junho de 1992. O caso foi, inclusive, objeto de análise do Supremo Tribunal Federal, como será visto adiante, na Seção 2, § 2º.

339 A Organização Mundial do Comércio teve seu Ato Constitutivo firmado em Marraqueche, no dia 15 de abril

de 1994, tendo entrado em funcionamento, como o Mercosul, também na data de 1º de janeiro de 1995, nos termos do § 3º da Ata Final da Rodada do Uruguai de 1994.

Ainda no caso do Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul, subscrito em 18 de fevereiro de 2002, observa-se uma diferença de mais de dois meses entre a ratificação, ocorrida em 02 de dezembro de 2003, e a promulgação, datada de 10 de fevereiro de 2004.

Por fim, o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, concluído e assinado em 09 de dezembro de 2005, sofreu um atraso de mais de cinco meses após sua ratificação, em 23 de novembro de 2006, entrando em vigor internamente apenas no dia 02 de maio de 2007.

Assim, constata-se que, não obstante o desgaste do pesado processo de incorporação, as normas do direito originário mercosulino ainda são, em regra, submetidas a uma situação jurídica de instabilidade na medida em que, durante certo espaço de tempo que pode ser considerado longo, são exigíveis em âmbito internacional ao passo que, simultaneamente, não podem ser exigidas no âmbito do sistema jurídico interno brasileiro.