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A exequibilidade das normas mercosulinas

Para obrigar o cumprimento de uma norma vigente no contexto de seu sistema jurídico, é necessário um sistema jurisdicional que o faça, compelindo entes públicos e privados ao respeito e ao cumprimento da norma. Este é o conteúdo do ato de executar uma norma, através do qual, em caráter exclusivo, pode-se forçar alguém a cumprir uma norma.

A exequibilidade da norma, então, garante a eficácia e, consequentemente, a efetividade, consagrando a segurança jurídica em um determinado sistema, por operar a observância da norma no melhor grau de eficiência possível.

432 ALMEIDA, Paulo Roberto de (Org.). Boletim de Diplomacia Econômica, n. 23, set. 1998. Brasília:

Ministério das Relações Exteriores, 1998, p. 58.

Nesse sentido, as normas do Mercosul, para terem garantida a sua exequibilidade, dependem de condições internas de cada Estado Membro e da própria confiabilidade e força vinculante da estrutura institucional de jurisdição estabelecida pelo bloco de integração regional434.

§ 1º. A submissão do Estado brasileiro a órgãos jurisdicionais internacionais

Há que se considerar, ainda, a existência de outra condição, do ponto de vista brasileiro, que prenuncia a existência de dificuldades para a implementação de um modelo definitivo de solução de controvérsias no Mercosul, que possa contar com um órgão de jurisdição supranacional.

Tal condição é a resistência do Estado brasileiro em se submeter a jurisdição internacional supranacional, como se pode constatar na ressalva feita pelo Estado brasileiro ao promulgar a ratificação435 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (1969), no sentido da não aplicação do art. 66436 do referido instrumento, que trata da submissão do Estado Parte à Corte Internacional de Justiça.

Visto que confere às normas de integração mercosulinas o mesmo tratamento conferido ao direito internacional geral, a despeito do conteúdo do art. 4º, parágrafo único, da Constituição Federal – situação inclusive confirmada em posicionamento do Supremo Tribunal Federal437 –, a adoção dessa postura sugere a resistência do Brasil a se submeter a jurisdições internacionais.

Por pertinente, vale observar que o Estado brasileiro se submete a dois órgãos jurisdicionais, quais sejam, a Corte Interamericana de Direitos Humanos438 e o Tribunal Penal

434 MEDEIROS, Orione Dantas de. Meios de Solução de Controvérsias entre Estados Partes do Mercosul – Controvérsias tramitadas no marco do Protocolo de Olivos. In: Revista de Informação Legislativa, ano 47, n.

185, jan./mar., 2010, p. 180.

435 República Federativa do Brasil, Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009.

436 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), art. 66: “Se, nos termos do parágrafo 3º do artigo

65, nenhuma solução for alcançada nos doze meses seguintes à data na qual a objeção for fomulada, o seguinte procedimento será adotado: a) qualquer parte na controvérsia sobre a aplicação ou interpretação dos artigos 53 ou 64 poderá, mediante pedido escrito, submetê-la à decisão da Corte Internacional de Justiça, salvo se as partes decidirem de comum acordo, submeter a controvérsia à arbitragem; b) qualquer parte na controvérsia sobre a aplicação ou interpretação de qualquer dos outros artigos da Parte V da presente Convenção pode iniciar o processo previsto no Anexo à Convenção, mediante pedido neste sentido ao Secretário-Geral das Nações Unidas”.

437 Ver supra, Capítulo 3, Seção 3, § 1º.

Internacional439. Resta claro, portanto, que o Brasil se submeteu, até o presente momento, a sistemas jurisdicionais internacionais consolidados que têm como pauta primordial a defesa dos direitos humanos, de repercussões econômicas pouco significativas.

Assim sendo, no campo do direito internacional econômico, apesar de sua postura atuante na elaboração da ordem jurídica internacional, o Brasil não dá sinais indicativos de submissão efetiva aos compromissos internacionais. Portanto, é inescapável a constatação de ambiguidade nesse posicionamento.

Registre-se, o Estado brasileiro reconhece a competência jurisdicional do Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio440. Este reconhecimento ocorreu, entretanto, pelo fato de que o Brasil goza, no âmbito da OMC, da condição de país de menor desenvolvimento econômico relativo. Esta condição oportuniza a flexibilização, para o Brasil, de determinadas medidas destinadas a favorecer o seu desenvolvimento.

Esta condição foi justamente o que lhe permitiu um resultado melhor que o do Canadá quando da análise pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC da questão entre a Embraer e a Bombardier no fim da década de 1990441.

Por outro lado, no contexto da integração regional sul-americana, o Estado brasileiro se destaca pelo seu poderio econômico, implicando um posicionamento oposto ao que ocupa no sistema multilateral da OMC. O papel do Brasil na América do Sul é, portanto, mais de cedente do que de cessionário de benefícios na aplicação do princípio dos tratamentos diferenciais442.

O Estado brasileiro, portanto, ao reconhecer uma eventual jurisdição supranacional no contexto integracionista sul-americano seria marcado por uma menor margem de manobras. No entanto, esta condição é uma característica típica da posição de líder, da qual não pode fugir o Brasil no contexto sul-americano por falta de outro país de tamanha significância econômica.

Certamente, esta é uma questão constitucional interna a ser tratada e resolvida antes da implantação de um sistema jurisdicional definitivo no processo de integração regional do Cone Sul da América do Sul.

439 Promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002.

440 Anexo 2 do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (Tratado de Marraqueche), de 12 de

abril de 1994, incorporado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

441 CELLI JUNIOR, Umberto. Brasil (Embraer) x Canadá (Bombardier) na OMC. Revista ComCiência, v. 8,

2007, p. 21.

§ 2º. A flexibilidade excessiva do sistema de solução de controvérsias do Mercosul

A instituição de um Tribunal Permanente composto por árbitros já indica, dentro do caráter institucional, a flexibilidade a ser vislumbrada no Protocolo de Olivos (2002). Confirma-se que a indicação não é mero acaso, e constata-se que a flexibilidade é um elemento extremamente presente em toda a extensão do Protocolo, principalmente nas características procedimentais.

Deve ser considerado que o procedimento é o que confere a característica de ritual do processo nos tribunais, e que quanto mais firme, claro e direto, mais respeitado será o procedimento. A flexibilidade é algo a ser estimulado nas etapas de conciliação, durante as negociações diretas, e não quando a pretensão já se tornou resistida e encontra-se sob apreciação jurisdicional.

Esse caráter volúvel do procedimento e da composição institucional instaurados pelo Protocolo denota a insegurança dos Estados Membros quanto à efetivação de um sistema de solução de controvérsias seguro e vinculante, efetivo. É, mesmo, típico de um modelo experimental, temporário, provisório. O modelo estabelecido pelo Protocolo de Olivos (2002), portanto, não é apto a prover segurança jurídica necessária a qualquer sistema jurídico, in casu, o do Mercosul.

Para o efetivo alcance da segurança jurídica – além da garantia da vigência em tempo hábil que não prejudique a eficácia da norma, como discutido anteriormente443 –, os litígios decorrentes das relações surgidas no âmbito do Mercosul devem ser tratados pelo seu próprio tribunal – que possa contar com uma estrutura perene, estável e isenta, apta a seguir um procedimento claro e preciso – em virtude do risco de que as decisões jurisdicionais estatais possam conter elementos de preferência nacional.