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A exigibilidade das normas mercosulinas no Estado brasileiro

A exigência do cumprimento de uma norma necessita materialmente – afora os requisitos formais variáveis conforme o procedimento a que se submete o órgão que a emana – da observância de sua aplicabilidade, que deve ser imediata, e de seu efeito, que deve ser direto. Apenas diante dessas condições pode uma parte cobrar de outra o seu cumprimento, quando se constata a sua exigibilidade.

Constata-se, então, um déficit na exigibilidade das normas do Mercosul. Para corrigir este problema, tendo em vista as disposições constantes do ordenamento jurídico brasileiro e a própria estrutura institucional mercosulina, são necessárias duas mudanças: uma interna, no próprio direito constitucional brasileiro, e outra externa, na estrutura institucional do Mercosul360.

360 FARIA, Werter R. Harmonização legislativa no Mercosul – Estudos da Integração, v. 8. Brasília: Senado

§ 1º. A imprescindível reforma para uma efetiva Constituição integracionista

A vontade constituinte consagrada no art. 4º, parágrafo único, padece da falta de dispositivos constitucionais claros de admissão do direito internacional em benefício da realização da integração, bem como não se manifesta sobre a aceitação de órgãos de caráter supranacional, necessários à consecução do fim estabelecido pelo Tratado de Assunção (1991).

Ao contrário do já constatado nas constituições argentina e paraguaia, a brasileira e a uruguaia, apesar de consagrarem o objetivo integracionista, lhe são indiferentes no sentido de prover mecanismos que confiram tratamento adequado à questão da absorção do direito da integração, quer seja originário ou derivado, em seus ordenamentos jurídicos internos, de modo a conferir, para além da exigibilidade, a agilidade necessária a disciplinar as volúveis relações econômicas.

O que se constata, no caso do direito brasileiro, é que nem meras facilitações à exigibilidade do direito da integração são garantidas pela Constituição ou pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, inclusive com o respaldo da manifestação deste, apenas com uma reforma constitucional que viesse a (i) priorizar a incorporação do direito derivado, a (ii) permitir organizações supranacionais de integração e que viesse a (iii) garantir ao seu direito derivado a condição de primazia, aplicabilidade imediata e efeito direto, restariam garantidas as condições de realização do dispositivo constitucional integracionista e a segurança jurídica do processo de integração.

Registre-se, este dispositivo encontra-se alçado à condição de Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil pela própria Constituição Federal de 1988, portanto gozando de hierarquia diferenciada na ordem constitucional vigente, pelo que se justifica o entendimento ora apresentado. Apenas assim se aplacariam as divergências, doutrinárias e jurisprudenciais, sobre o tema.

Ressalte-se, por fim, que o Uruguai também necessitaria empreender reforma constitucional no mesmo sentido361, em razão da condição de reciprocidade estatuída nas constituições da Argentina e do Paraguai.

361 BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. O processo de integração do Mercosul e a questão da hierarquia constitucional dos Tratados – Estudos da Integração, v. 12. Brasília: Senado Federal; Porto Alegre:

§ 2º. A necessidade de uma adequação institucional no Mercosul

Efetuadas as reformas constitucionais devidas que permitissem a efetiva realização da iniciativa integracionista, o Mercosul necessitaria de uma estrutura institucional adequada e necessária à condução de um bloco de integração em nível de mercado comum, conforme construção da doutrina econômica sobre o tema362.

No presente momento, no entanto, constata-se a existência de uma estrutura institucional típica de instituições de cooperação quando, na verdade, o objetivo perseguido pelo Tratado de Assunção (1991) reflete a natureza de um projeto de efetiva integração363.

O Protocolo de Ouro Preto (1994), instrumento que dotou o Mercosul de capacidade jurídica e que deveria estabelecer, em definitivo, sua estrutura institucional, acabou por fornecer uma solução provisória. Registre-se, a provisoriedade referida decorre da confrontação do objetivo de constituir um mercado comum com a estrutura fornecida, em que se constata que esta não é capaz, tecnicamente, de operar aquele, conforme já visto364. A capacidade jurídica, conferida pelo Protocolo de Ouro Preto aos órgãos mercosulinos produtores de normas derivadas, por ser muito limitada, é insuficiente para a realização do Tratado de Assunção365.

A criação do Parlamento do Mercosul (Parlasul) aponta para o início de uma movimentação nesse sentido, visto que já ostenta dentre seu rol de funções a atribuição de propor projetos de normas perante o principal órgão da atual estrutura decisória do Mercosul, Conselho de Mercado Comum, tendo este a obrigação de remeter-lhe semestralmente relatórios sobre o andamento da proposição366.

No entanto, essa tendência só pode ser continuada e confirmada de modo a garantir efetivamente a segurança jurídica quando as constituições brasileira e uruguaia forem submetidas a procedimentos de reforma que lhes permitam admitir estruturas supranacionais de integração aptas a produzir direito derivado dotado de primazia, aplicabilidade imediata e efeito direto.

362 Ver supra, Capítulo 1, Seção 1, §1º, A.

363 FARIA, Werter. Unidade do direto e uniformidade na interpretação e aplicação das normas do Mercosul. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; FONSECA, José Roberto Franco da (Org.). O direito internacional no terceiro milênio: estudos em homenagem ao prof. Vicente Marotta Rangel. São Paulo: LTr, 1998, p. 384. 364 Ver supra, Capítulo 1, Seção 1, § 1º.

365 CAMINHA, Maria do Carmo Puccini. Os juízes do Mercosul e a extraterritorialidade dos atos jurisdicionais. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional, Ano 11, n. 45, out./dez. 2003, p. 37. 366 Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, art. 4º, 13.

Registre-se, aqui não se trata de copiar modelos integracionistas, mas de aplicar uma solução instrumental surgida a partir de necessidades práticas367 e que tem permitido, em outras experiências de integração, a consecução de determinados objetivos exigidos pelo caráter essencialmente econômico do empreendimento.

367 GUSSI, Evandro Herrera Bertone. Soberania e Supranacionalidade. In: CASELLA, Paulo Borba;