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4 DA ADOÇÃO INTERNACIONAL

4.3 A excepcionalidade da adoção internacional

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas, e promulgada pelo Brasil através do Decreto nº 99710/90 em 21 de novembro de 1990, traz em seu artigo 21, alínea “b”, a noção da adoção internacional como medida excepcional, in verbis:

Art. 21: Os Estados Partes que reconhecem ou permitem o sistema de adoção o sistema de adoção atentarão para o fato de que a consideração primordial seja o maior interesse da criança. Dessa forma, atentarão para que:

b) a adoção efetuada em outro país possa ser considerada como outro meio de cuidar da criança, no caso em que a mesma não possa ser colocada em um lar de adoção ou entregue a uma família adotiva ou não logre atendimento adequado em seu país de origem.

Da mesma forma, prevendo a adoção transnacional como última medida, a Convenção de Haia, em seu preâmbulo, preconiza que “[...] cada país deveria tomar, com caráter prioritário, medidas adequadas para permitir a manutenção da criança em sua família de origem” e ainda reconhece que “[...] a adoção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma família permanente à criança para quem não se possa encontrar uma família adequada em seu país de origem”.

Mantendo a tendência, o Estatuto da Criança e do Adolescente já previa a excepcionalidade da adoção internacional mesmo antes das inovações trazidas pela Lei nº 12010/2009, perpetuando-se tal posicionamento com a promulgação da mencionada Lei. Segundo o art. 31 do ECA, “a colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção”. Reafirmando a opção do legislador pela adoção transfronteiriça somente em situações especiais, também se pode mencionar o conteúdo trazido pelo art. 51, §1º, II, do ECA:

Art. 51: [...]

§1º: A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado:

II – que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art. 50 desta Lei.

Pelos dispositivos legais expostos, é possível visualizar que a adoção internacional é medida a ser tomada somente quando não se logre êxito em inserir a criança em sua família natural, e, posteriormente, em família substituta brasileira.

Costa (2000, p. 270), sobre a excepcionalidade da adoção entre países, assevera que,

A colocação em família substituta, seja nacional ou estrangeira, deve ser encarada como um remédio subsidiário, e não principal, para o desamparo da criança. Sua excepcionalidade, como recurso jurídico perante as diversas situações que conduzem ao abandono de menores, leva à priorização da família da origem. Somente não existindo quem cumpra razoavelmente as funções de assistência à criança na família biológica e não sendo possível mantê-la junto dela é que se recorre aos meios subsidiários de proteção. Se ela não estiver em situação de desamparo ou violada em seus direitos pelos próprios pais, não se deve modificar a sua filiação.

Seguindo as regras legais, pode-se colacionar algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que mencionaram ou se posicionaram sobre a matéria:

Adoção Internacional. Cadastro Geral. Antes de deferida a adoção para estrangeiros, devem ser esgotadas as consultas a possíveis interessados nacionais. Organizado no Estado um cadastro de adotantes nacionais, o juiz deve consultá-lo, não sendo suficiente a inexistência de inscritos no cadastro da comarca. Situação já consolidada há anos, contra a qual nada se alegou nos autos, a recomendar que não seja alterada. Recurso não conhecido. (STJ. Quarta Turma. REsp n. 180341/SP. Unânime. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar. Julgado em 18/11/99).

Adoção internacional. Cadastro central de adotantes. Necessidade de sua consulta. Questão de fato não impugnada. A adoção por estrangeiros é medida excepcional que, além dos cuidados próprios que merece, deve ser deferida somente depois de esgotados os meios para a adoção por brasileiros. Existindo no Estado de São Paulo o Cadastro Central de Adotantes, impõe-se ao Juiz consulta-lo antes de deferir a adoção internacional. Situação de fato da criança, que persiste há mais de dois anos, a recomendar a manutenção do status quo. Recurso não conhecido, por esta última razão. (STJ. Quarta Turma. REsp n. 196406/SP. Unânime. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar. Julgado em 09/03/1999).

A excepcionalidade da adoção internacional é encarada por muitos juristas e doutrinadores como de suma importância para que a criança não perca o contato com a sua

língua e a sua cultura. Enfatizam estes que a adaptação do adotado em novo país pode não ocorrer da melhor maneira possível, havendo até mesmo casos em que a criança seja considerada uma pessoa “estrangeira” em seu país de acolhida. Para evitar tal fato, a Convenção de Haia prevê, em seu artigo 17, alínea “d”, que a adoção só será deferida pelo país de origem se “tiver sido verificado, de conformidade com o artigo 5, que os futuros pais adotivos estão habilitados e aptos a adotar e que a criança está ou será autorizada a entrar e residir permanentemente no Estado de acolhida”. De acordo com Bordallo (2010, p. 262) “Este comando soluciona problema frequente, de não ser a adoção aceita no país dos adotantes e, fato mais grave, não se permitir o ingresso do adotando, considerado estrangeiro”. Buscando inserir a criança ou o adolescente em família brasileira, ainda que residente no exterior, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em seu art. 51, §2º, que “os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro”. Segundo Carvalho (2010, p. 57),

A preferência se justifica para manter a criança ou adolescente em família que preserva os costumes, cultura e língua de origem, favorecendo a adaptação do adotando e mantendo suas raízes e origem. A preferência por brasileiro em relação ao estrangeiro, todavia, não é absoluta, devendo, sempre, ser observado o melhor interesse do menor.

Não restam dúvidas de que o convívio com a família natural é o ideal e que sua prática deve ser fomentada pelo Poder Público. Porém, quando a inserção de crianças e adolescentes em sua família de origem reste impossibilitada, e a colocação em família substituta brasileira não seja efetivada, deve-se atentar para a adoção internacional como medida salutar na concretização do direito à convivência familiar. O juiz, diante de cada caso concreto, terá o papel de analisar a situação e ver se a adoção transnacional se afigura ou não uma opção louvável, seguindo o preceito do melhor interesse da criança. Injusto, para não dizer absurdo, é que crianças fiquem anos e anos institucionalizadas à espera de um lar brasileiro que pode não chegar. Até porque o padrão procurado pelos estrangeiros difere em relação ao almejado pelos brasileiros. Assim preconiza Nazo (2000, p. 256):

Adotantes brasileiros procuram para adoção crianças de tenra idade, até dois anos ou três, no máximo, de preferência de olho azul, preocupam-se com as influências genéticas, parecem especialistas e, portanto, veladamente praticam discriminações. Já os adotantes estrangeiros são mais generosos: não se preocupam com a idade e a origem dos adotáveis; não separam irmãos de sangue, adotando-os conjuntamente; se houver criança portadora de deficiência física e/ou mental, isso não constitui barreira ao ato generoso da adoção.

Madaleno também faz um contraponto entre os padrões fenotípicos buscados por brasileiros e estrangeiros, ao aduzir que,

[...] viceja no Brasil uma preferência por crianças recém-nascidas, de saúde perfeita, com notória predileção por menores de tez clara e de olhos azuis, enquanto há inúmeros estrangeiros e mesmo brasileiros vivendo no exterior, interessados na adoção de brasileiros e que sabidamente, desconsideram essas exigências, e como dispõem, no mais das vezes, de melhores condições financeiras, de maior acesso à saúde e à educação, podem proporcionar aos adotados uma formação privilegiada e integral.

Válido mencionar as condições de um país como o Brasil, que não cuida de suas crianças como deveria. Tal fato pode ser visualizado em nossas cidades, as quais estão apinhadas de jovens portadores das mais variadas necessidades. Se a influência do Estado fosse eficaz, proporcionando uma melhoria da qualidade de vida das pessoas, dando-lhes condições básicas de vida, talvez o número de pessoas institucionalizadas diminuísse. Corroborando com esse pensamento Costa (2000, p. 269) afirma:

A melhor distribuição da renda e a implementação de políticas sociais básicas visando proteger e orientar as famílias excluídas do processo de desenvolvimento, nas quais se encontram as crianças adotáveis, irão permitir que elas próprias cuidem melhor de seus filhos, prevenindo o abandono e a institucionalização. A educação, requisito essencial de qualquer projeto de desenvolvimento econômico, deve ser incluída nesta análise, pois, indubitavelmente, melhora o nível de vida, especialmente do sexo feminino. As mulheres de melhor nível de instrução, além de terem mais condições de cuidar, têm menor número de filhos.

Logicamente deve-se buscar a manutenção do jovem em sua família de origem. Mas não se deve olvidar as inúmeras possibilidades que poderiam ser dadas àqueles que fossem adotados por estrangeiros.