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4 DA ADOÇÃO INTERNACIONAL

4.1 Noções gerais e históricas

A adoção internacional pode ser conceituada como aquela em que o interessado em adotar tem domicílio em um país e o adotando tem residência habitual em outro. O Estatuto da Criança e do Adolescente traz o conceito de adoção internacional em seu art. 51:

Art. 51: Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no Artigo 2 da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto nº 3087, de 21 de junho de 1999.

O Código Civil de 1916 não trazia nenhuma disposição expressa a respeito da adoção por estrangeiros. Assim, não havia diferenciação entre o procedimento utilizado por aqueles adotantes brasileiros ou estrangeiros, fossem eles residentes no país ou no exterior. Como a adoção regulada pelo Código mencionado realizava-se mediante escritura pública, bastava que adotante e pais do adotado (ou este nos casos que requeriam seu consentimento) efetuassem a adoção e a registrassem em um cartório local. Vê-se, neste tempo, o quanto o procedimento era mal regulamentado, o que poderia ocasionar a compra e venda de crianças, bem como o sequestro delas, sem maiores controles.

Somente com a introdução do Código de Menores de 1979 (Lei 6697/79) houve uma primeira regulamentação no que tangia à adoção transnacional. Em seu art. 20, esta Lei preconizava que o estrangeiro residente ou domiciliado fora do País só poderia requerer a adoção de crianças e adolescentes brasileiros se estes estivessem em situação irregular, qual seja, a falta, ação ou omissão dos pais ou responsável, e que tal situação afigurasse-se como não eventual. Além disso, só era cabível conceder aos estrangeiros a adoção simples, que apresentava características já mencionadas neste trabalho8. Assim, permanecia em relação à adoção por estrangeiros o caráter contratual do instituto, já que permanecia a existência do consentimento entre adotante e adotado e a constituição do fato por intermédio da escritura pública. Até este período, era extremamente comum a adoção privada, ou seja, sem o aval da Justiça, ocorrendo, inclusive, a chamada “adoção à brasileira” por estrangeiros, que registravam as crianças como se fossem suas e as levavam para o exterior. Recorde-se também o fato de a adoção poder realizar-se por procuração, sem nem mesmo ser necessários a presença dos postulantes no País.

Com a revogação do Código de Menores de 1979 e a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, a adoção internacional veio à tona como assunto maior e melhor regularizado. Diversas novidades trazidas pela novel legislação tornaram mais rigoroso o procedimento da adoção por estrangeiros, evitando, assim, fatos desagradáveis, para não dizer preocupantes, como o tráfico de crianças, sequestro e venda de órgãos. Entre as disposições que advieram com a Lei 8069/90 estão: a proibição da adoção por procuração (art. 39); a necessidade do cumprimento por parte do adotando de um período de convivência com o brasileiro a ser adotado, que variava de 15 dias, se as crianças tivessem menos de dois anos, e de 30 dias, se elas tivessem mais de dois anos; a permissão da saída dos pais adotivos com a criança para fora do País somente se daria com o fim dos procedimentos relativos à adoção9, pois de acordo com o texto antigo do art. 51, §4º, do ECA, “antes de consumada a adoção não será permitida a saída do adotando do território nacional”; a exigência da comprovação por parte do postulante da possibilidade da realização do procedimento da adoção, a ser dada por

8 Para relembrar as principais características da adoção simples, e realizar um contraponto com a adoção plena, que ao tempo do Código de Menores de 1979 só era concedida aos brasileiros interessados em adotar, ver o tópico denominado “A História da Adoção no Brasil”, que se encontra no segundo capítulo deste trabalho. 9 Também visando precaver a criança do fato de ter sido adotada por pessoa inidônea ou incapaz de oferecer a ela os cuidados devidos, o ECA previa, em sua disposição anterior às modificações trazidas pela Lei 12010/2009, que o recurso cabível contra sentença que deferisse a adoção à estrangeiro residente fora do país seria a apelação, recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo (art. 198, inc. VI, ECA). Segundo Madaleno (2011, p. 635) “[...] o motivo era e segue sendo, o de que na concessão meramente de efeito devolutivo, o adotando poderia sair para o exterior, não havendo como recuperá-lo na hipótese de a apelação ser acolhida, para devolvê-lo, por exemplo, ao poder familiar da mãe recorrente e que dele havia sido destituída”.

autoridade competente do domicílio do adotante, e que este tenha sido aprovado por estudo psicossocial realizado em seu país de origem, fatos a serem analisados pelas comissões estaduais judiciárias de adoção, sendo estas responsáveis pela análise da documentação trazida e pelo fornecimento do laudo de habilitação (arts. 51 e 52, ECA) ; e, por fim, a excepcionalidade da adoção, pois o art. 31 diz que “a colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção”.

A Convenção de Haia relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia em 29 de maio de 1993, foi incorporada em nosso ordenamento jurídico através do Decreto 3087/99. De acordo com Bordallo (2010, p. 258),

A Convenção de Haia foi elaborada no sentido de sanar os problemas relacionados à corrupção, busca de lucro com a adoção, falsificação de registros de nascimento, compra de crianças dos pais biológicos, entre outros, além de tentar uma regulamentação uniforme no que concerne aos requisitos para reconhecimento das adoções pelos diversos países que recebiam as crianças adotadas. Os objetivos da Convenção são expostos em seu art. 1º, pretendendo, com eles, estabelecer uma nova legislação multilateral para todos os Estados Contratantes que se propõem a solucionar os problemas apontados pela Convenção. Visa interromper os abusos que se davam em algumas situações de adoção internacional, assegurando que os interesses dos menores prevaleçam em qualquer situação.

Desta forma, tanto o ECA quanto a Convenção de Haia são responsáveis pela legislação da adoção internacional, não se configurando a revogação do Estatuto pelo advento da Convenção.

O Código Civil de 2002 não regulava a adoção transnacional, pois em seu art. 1629 estabelecia que “a adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições que forem estabelecidos em Lei”, como já previra o Estatuto da Criança e do Adolescente.

A Lei 12010/2009, denominada por alguns doutrinadores como Nova Lei da Adoção, incorporou algumas das disposições trazidas pela Convenção de Haia ao Estatuto da Criança e do Adolescente, alterando o conteúdo dos artigos 51 e 52 do ECA e acrescentando novos dispositivos, especialmente no que tange ao procedimento a ser obedecido pelos estrangeiros e brasileiros residentes fora do Brasil. O objetivo desta Lei, segundo Madaleno (2011, p. 632) foi “[...] solucionar a enorme confusão causada na tentativa de integração do Estatuto com as normas oriundas da Convenção de Haia”. Já na opinião de Bordallo (2010, p. 258) afiguram-se desnecessários os conteúdos advindos da Nova Lei, já que “[...] nada mais são do que repetição das regras existentes na Convenção de Haia, que vigia e vige em nosso ordenamento”.