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A exclusividade dos deputados na Assembleia da República e os possíveis conflitos

Apêndice I Entrevista à Dr.ª Susana Coroado

CAPÍTULO 3 Uma investigação no campo do lóbi em portugal

3.5. A exclusividade dos deputados na Assembleia da República e os possíveis conflitos

A relação da exclusividade dos deputados com os conflitos de interesse é uma das questões de que Montenegro coloca, para compreender qual seria a melhor solução para este tema. Será que com os deputados em exclusividade, o conflito de interesses desaparecia ou era mitigado? A resposta é complexa, vamos analisar os pontos de vista dos entrevistados.

Os advogados José Miguel Júdice82 e Luís Marques Mendes83 são contra a exclusividade dos deputados. Júdice diz que “no dia em que deputados só possam ser

pessoas em full-time. Como você paga em amendoins, quem é que concorre ao emprego? Macacos!!!”. Para Marques Mendes84 o parlamento “já está tão mau, que

isso significaria matá-lo. O Parlamento já perde qualidade, de eleição para eleição”.

Marques Mendes defende a criação de “círculos uninominais. O povo votava com

conhecimento de quem é o deputado. Assim, como não sabe quem é, vota num partido. E, é isto, que destrói a qualidade da democracia e não permite escolher os melhores”.

Contra a exclusividade dos deputados, revela-se também Paulo Marcos85 “… a

democracia ganha qualidade, se as pessoas tiverem outros interesses profissionais, cá fora. É preciso, é que eles sejam declarados e sejam expressos. Um dos problemas que nós temos, é esta sobre-especialização político-partidária, onde uma grande parte dos atores políticos são profissionais da política…”, exemplifica que “…os últimos três Primeiros-Ministros cujo currículo base é começaram a colar cartazes aos 15 anos, e não mais pararam de «colar cartazes»”. Reforça a ideia de que a classe política deve

ser constituída por “… pessoas mais maduras, experientes, com uma diversidade, quer

de género, quer de experiências sociais, políticas, esses é que vão trazer riqueza à democracia”. Quanto ao representante da CIP86 desconheçe a posição da CIP, por se tratar de uma pergunta política, mas afirmou: “exclusividade ou de não exclusividade, é

uma outra questão, o que nós queremos são pessoas competentes. Agora eu não sei qual é a posição da CIP.”

82

Ver Entrevista Dr. José Miguel júdice – Apêndice E.

83 Ver Entrevista Dr. Luís Marques Mendes – Apêndice S. 84

Ver Entrevista Dr. Luís Marques Mendes – Apêndice S.

85 Ver Entrevista Dr. Paulo Marcos - USI – Apêndice J. 86 Ver Entrevista Dr. Nuno Biscaya - CIP – Apêndice L.

O deputado da AR, Fernando Negrão87 (PSD) é igualmente contra a exclusividade: “Não concordo de todo”, comenta adiantando que “…os deputados em

exclusividade na Assembleia da República (se forem todos) transformam-se em funcionários dos partidos políticos…”, e além disso, “… um deputado que tenha atividades exteriores à função de deputado, para além de não perderem o contacto com a vida real, tem mais liberdade dentro do seu partido para poder divergir das posições oficiais. A última coisa que eu desejo, para um país democrático e para um sistema democrático, é que os deputados se transformem em marionetes das direções dos partidos políticos.”

Os deputados do Bloco de Esquerda defendem a exclusividade na profissão, sendo que José Pureza88, em particular, destaca que: “ o Bloco de Esquerda apresentou

– foi aliás o único partido que apresentou – uma proposta nesse sentido (…) Nós, Bloco, não estamos(…) isolados propriamente, porque há vozes individuais de outras forças políticas que (…) se manifestam favoravelmente a isso, mas a decisão dos grupos parlamentares é de não acompanhar essa perspetiva.” A confirmar esta

afirmação, podemos dar o exemplo, do deputado Duarte Marques89 que foi o único deputado do PSD a defender a exclusividade, desde que, com distinção de vencimento e poder, ao dizer que vê com bons olhos “obrigar à exclusividade ou então diferenciar

bastante os poderes e a remuneração dos que estão em exclusividade e dos que não estão exclusividade.”

Henrique Burnay90 também não concorda com os deputados em exclusividade, defendendo antes “um Registo de Transparência e quem reúne com quem, sobre o quê,

parece-me importante.” A exclusividade dos deputados é um tema diferente, afirma:

“acho inútil querer-se regular a exclusividade ou não dos deputados porque isso mexe

com uma quantidade de outras coisas.”

Na opinião de Luís Montenegro,91 (PSD) a existência de conflitos de interesses não depende do facto de um deputado estar ou não estar, em exclusividade, mas sim da postura que o deputado assume e salienta: “Uma pessoa não é mais honesta ou menos

honesta, por estar em exclusividade ou não estar. Iss,o é como as leis de anticorrupção. Por mais leis que hajam não significa que as pessoas não se desviem delas.” Esta

87

Ver Entrevista Dr. Fernando Negrão – Apêndice P.

88 Ver Entrevista Dr. José Manuel Pureza – Apêndice D. 89

Ver Entrevista Dr.Duarte Marques – Apêndice Q.

90 Ver Entrevista Dr. Henrique Burnay – Apêndice H. 91 Ver Entrevista Dr. Luís Montenegro – Apêndice R.

CAPÍTULO 3 - Uma investigação no campo do lóbi em Portugal

posição é igualmente partilhada por Assunção Cristas92 que defende a “liberdade de

escolha para os deputados”. “Eu acho que seria pobre, ter um parlamento feito de deputados em exclusividade. Acho, que o Parlamento se enriquece, quando as pessoas também podem trazer para o Parlamento, a sua experiência recolhida na sua vida profissional(…)” defende Cristas. Quem igualmente discorda do regime de

exclusividade dos deputados é Nuno Magalhães93, que é da opinião que “deputado não

é uma profissão”. O deputado do CDS acredita “em duas coisas: primeiro, que haja regras de incompatibilidade e de transparência por um lado. Em segundo lugar, e talvez o mais importante, no bom senso do titular do cargo público, de se declarar ou não, impedido de votar esta ou aquela Lei, por ter um interesse direto”. Em sentido

completamente contrário está Pedro Soares,94 (BE) que defende convictamente a exclusividade dos deputados, argumentando que “essa é a melhor forma de separar o

interesse público do interesse privado”. Para justificar o regime de exclusividade, Pedro

Soares95 (BE) exemplifica ainda que “o que acontece muitas vezes, também, é que os

próprios deputados são quem carrega do seu escritório, da sua atividade profissional para o Parlamento, essa informação. E isso é errado!”.

Os eurodeputados quando questionados sobre a hipótese dos deputados estarem em regime de exclusividade para evitar possíveis conflitos de interesses, tem opiniões divergentes. Marisa Matias96 (BE) mostra-se favorável à exclusividade dos deputados e refere: “pergunto-me sempre, como é que alguém consegue ter tempo para fazer mais

alguma coisa quando está no parlamento, para além de ser deputado. Se alguém continua a trabalhar noutra área, como é que nós podemos alguma vez ter a garantia de que não existe conflitos de interesses?”. Por sua vez, Carlos Zorrinho97 (PS) admite que este é um assunto “complicado”, e até contraditório, porque “implica que ao mesmo

tempo que aceitemos o princípio que (a) política é uma escolha profissional boa para sociedade, as duas coisas não jogam”.

Tanto Joaquim Martins Lampreia98 como Susana Coroado99 defendem o exercício da função de deputado em exclusividade. O primeiro afirma “concordo a

92

Ver Entrevista Dr.ª Assunção Cristas – Apêndice T.

93

Ver Entrevista Dr. Nuno Magalhães – Apêndice G.

94

Ver Entrevista Dr. Pedro Filipe Soares – Apêndice F.

95

Ver Entrevista Dr. Pedro Filipe Soares – Apêndice F

96 Ver Entrevista Dr.ª Marisa Matias – Apêndice N. 97

Ver Entrevista Dr. Carlos Zorrinho – Apêndice M.

98 Ver Entrevista Dr. J. Martins Lampreia – Apêndice O. 99 Ver Entrevista Dr.ª Susana Coroado – Apêndice I.

100%... Enquanto essa situação se mantiver [deputados-lobistas] vai ser muito difícil avançar com uma lei muito restritiva,” enquanto Susana Coroado refere que “acho que deveriam de estar em exclusividade. Nós na Transparência [TIAC] ainda não temos uma posição definida, mas claramente tem de haver mais controlo. Poderia ser, por exemplo, não estarem em exclusividade, mas quando tivessem interesses em determinadas matérias, não poderiam legislar sobre elas.” Esta posição prende-se com

o conflito de interesses latente. Um estudo sobre os conflitos de interesses na AR em 2014, concluiu que “O número de conflitos de interesse declarados pelos deputados

cresceu entre a IX e XII legislatura, sendo o caso de PS, PSD e CDS preocupante, chegando a haver deputados com mais de 20 interesses em conflito potencial com o seu mandato” (Mesquita, 2014).

3.6. A influência dos grupos de interesses ou dos grupos de pressão nas decisões