• Nenhum resultado encontrado

Apêndice I Entrevista à Dr.ª Susana Coroado

CAPÍTULO 1 Dos conceitos do lóbi aos modelos de lóbi americano e europeu

1. Enquadramento teórico

1.8. O papel do lóbi no aumento da transparência em democracia

A transparência é um valor cada vez mais importante nas democracias modernas, com os cidadãos a exigirem, com toda a legitimidade, mais informação sobre os interesses que estão por trás das decisões políticas, legislativas e administrativas. Que implicações tem para a qualidade da democracia a inexistência de regulamentação das práticas de lóbi?

No estudo efetuado por Coroado (2014, p. 6), no Preâmbulo do mesmo, Luís de Sousa considera que a ausência de regulação do lóbi acarreta pesadas consequências ao contribuir para “este clima geral de descrédito da democracia e de capitulação percecionada dos órgãos de soberania perante o poder económico” (Sousa, in Coroado,

2014, p. 6). Segundo o estudo “Lóbi a Descoberto – O Mercado de Influências em

Portugal”, da autoria de Susana Coroado, a prática lobista é uma realidade no nosso país, sendo, grosso modo, praticada por sociedade de advogados e agências de comunicação junto do decisor político, sem qualquer controlo por parte da opinião pública (Coroado, 2014, p. 8). E a falta de transparência, torna a condução da política permeável a práticas menos lícitas, como o tráfico de influências, o clientelismo, o favoritismo ou até mesmo a corrupção, práticas bastante nefastas para os valores democráticos.

De acordo com o estudo, efectuado em 2014 sobre a “Qualidade da Democracia em Portugal”, solicitado pelo Barómetro da Qualidade da Democracia em que foram inquiridos 1 254 portugueses com mais de 15 anos, as principais conclusões nesta matéria são as seguintes: “73% dos portugueses considera que a democracia é preferível a qualquer outro regime” (Lobo, 2014, p. 5). No entanto, a desconfiança nos políticos é enorme, sendo que “61% dos portugueses tende a concordar que seria preferível que as

decisões mais importantes fossem tomadas por técnicos e não por políticos” (Lobo, 2014, p. 6). Contudo, os portugueses na sua globalidade entendem que a democracia em Portugal tem qualidade, uma vez que “para todas as dimensões da Democracia [satisfação das necessidades básicas de todos; igualdade perante a lei; poucas desigualdades entre ricos e pobres; liberdade para criticar o governo; eleições livres e regulares e a participação plena de todos na vida social e política do País] há um consenso superior a 90% de toda a população” (Lobo, 2014, p. 7). O que não deixa de ser contraditório, já que “73% dos portugueses declara-se pouco ou nada satisfeito com a forma como funciona a democracia portuguesa” (Lobo, 2014, p. 8), com destaque para

CAPÍTULO 1 - Dos conceitos do lóbi aos modelos de lóbi americano e europeu.

os mais idosos e a população com menor escolaridade, o que é justificado pelos efeitos da crise económica nestes grupos sociais mais vulneráveis.

Também no estudo da TIAC acima referido, a falta de confiança nos políticos, a ineficácia governativa, a corrupção e as diferenças sociais foram os principais motivos apontados para a decepcionante perceção da qualidade da democracia (Coroado, 2014, p. 12). O “puxar de cordelinhos” ou a famosa “cunha” é uma prática generalizada na

sociedade portuguesa, sendo, muitas vezes, “difícil distinguir entre meras relações pessoais e a prática de lóbi” (Coroado, 2014, p. 19). A inexistência de regulação desta matéria dá azo à perceção de que “as ligações empresariais dos deputados fazem-se sentir em múltiplos sectores, e principalmente naqueles em que a promiscuidade com o Estado é mais rentável, das obras públicas ao ambiente, das finanças à saúde” (Morais, 2011, p. 40), pelo que poderá afirmar-se que o lóbi é feito dentro do Parlamento pelos próprios deputados.

Sem exclusividade de funções, os deputados podem manter, em paralelo, a sua atividade profissional privada. De acordo com o “Estatuto dos Deputados” (Anexo 2), Artigo 19º, “estes não podem ser prejudicados (…) no seu emprego permanente por virtude do desempenho do mandato” ( Assembleia da República, 2009, p. 8).

Mas com um regime de prevenção de conflitos de interesses “demasiado permissivo” (Cerejo, 2012), o risco de conflito de interesses é grande e controverso (Campos, 2016).

Em 2014, num debate organizado pela Associação Portuguesa de Empresas de Comunicação (APCE), intitulado “Conversas com Lobistas”, o deputado e presidente da comissão parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, José Mendes Bota, reconheceu que “há membros da política que são decisores e ao mesmo tempo são concorrentes dos lobistas profissionais”, defendendo, por isso, que os deputados exerçam a sua função em regime de exclusividade. Há que evitar que se confunda “o decisor político com o lobista e o facilitador”, o que leva a que “se suscitem suspeições de que estejam lá [na AR] para servir outros interesses”, argumentou José Mendes Bota em entrevista dada ao jornal o “Público” em 13 de outubro de 2014 (Lopes, 2014).

Geradora de desconfiança é também a contratação de ministros por empresas privadas, após cessarem funções governativas ou ainda a oferta de presentes a membros do Governo. É o caso recente do ex Vice-Primeiro-ministro Paulo Portas, que foi contratado pela construtora “Mota Engil” conforme notícia do dia 24 de junho de 2016 publicada no “Diário de Notícias” (Diário Notícias, 2016) e o caso da antiga ministra

das Finanças Maria Luís de Albuquerque contratada pela “Arrow Global Company” (Cavaleiro, 2016). A comunicação social, em 20 de novembro de 2015, também noticiou que o antigo primeiro-ministro José Sócrates usufruiu, alegadamente, de férias pagas por um amigo (Coelho, 2015). Estes são alguns exemplos de casos noticiados com ex-governantes, mas dos quais não se conhece a conclusão ou veracidade dos factos.

No estudo “Pegada Legislativa – Um Guia para Leis Transparentes” (2014), a

Transparency International adverte que a “influência indevida pode fazer com que

políticas e legislação fiquem à mercê de interesses privados em vez do interesse público. Este é um risco particularmente relevante quando estão em causa grandes empresas com muitos recursos” (Berg, 2015, p. 5).

Escrutinada pelos meios de comunicação sociais, a queda do “império” do banqueiro Ricardo Salgado é um exemplo paradigmático do envolvimento pernicioso do poder financeiro na esfera pública, com graves consequências na opinião pública. As investigações em curso apontam para suspeitas de tráfico de influências, entre outras ilicitudes, no relacionamento com o poder político (TSF, 2012) (Negócios, 2012).

A Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do “BES” e do “GES” confirmou a existência de ocultação de passivos dentro do grupo e a tentativa de provisão através da emissão de títulos de dívida, à revelia das melhores práticas comerciais. Esta investigação concluiu ainda, que a gravidade do colapso deste grupo económico se deveu à estrutura complexa, com teias e cascatas de relações empresariais extensíveis a diversos países e, portanto, sujeitas a diferentes entidades de supervisão e modos de concretização das funções de auditoria. Para evitar situações semelhantes, a Comissão de Inquérito recomenda um conjunto de medidas de melhoria do sistema financeiro, que visam a criação de uma cultura de exigência; remoção de conflitos de interesses; acesso, clareza, transparência e partilha de informação e reforço da articulação e coordenação das entidades fiscalizadoras (Saraiva, 2015, pp. 252,398).

Após a reprodução até à exaustão de expressões como: “O BES é o banco de todos os regimes” ou “O BES é o regime” (Guerreiro, 2013), é crescente a necessidade de apostar na transparência, na integridade e na igualdade de acesso aos decisores políticos, na medida em que “a falta de demarcação entre o poder financeiro e os políticos faz com que o interesse privado muitas vezes prevaleça sobre o interesse público” (Arrontes, 2013).

CAPÍTULO 1 - Dos conceitos do lóbi aos modelos de lóbi americano e europeu.

Definir as formas de acesso e os termos em que o poder político ouve os grupos de interesse “representaria um importante avanço na clarificação das práticas de lóbi e daria início a um processo de reconstrução da confiança dos cidadãos na política do país” (Coroado, 2014, p. 9). A regulação do lóbi pode ser, por isso, considerada mais um importante mecanismo ao dispor das democracias para minimizar os riscos de influência indevida dos decisores políticos e aumentar a integridade do processo legislativo perante os cidadãos.

O director executivo da TIAC João Paulo Batalha entende que:

A falta de regras claras para a regulação do lóbi cria um problema sério de desigualdade de acesso e situações de favorecimento na conclusão das políticas públicas. Enquanto não regularmos esta atividade a nível europeu, não estaremos em condições de garantir aos cidadãos que as decisões dos responsaveis públicos são tomadas em função do interesse público, e não de interesses privados de grupos de pressão poderosos e bem organizados (TIAC, 2015a).

Para tornar mais transparente e aberto ao escrutínio público os processos de decisão políticos, a TI defende inclusivamente a instituição de uma “pegada legislativa” – “que registe de forma pública todos os contributos externos dados ao processo legislativo, bem como os contactos mantidos entre lobistas e responsáveis públicos” (TIAC, 2015a).

O director executivo da TIAC defende que:

para assegurarmos que as decisões públicas estão livres de influências indevidas, é necessário uma regulação específica para a atividade de lóbi, que assegure transparência, integridade e igualdade de acesso. Mais do que isso, precisamos de ter uma pegada legislativa que permita ao cidadão comum saber quem foi ouvido no processo legislativo e que contributos foram recolhidos junto de grupos de interesses. Por outro lado, as regras sobre conflitos de interesses e portas giratórias tem de ser apertadas e implementadas de forma eficaz, o que hoje não acontece. Não podemos permitir que os políticos possam proteger os interesses de alguns poucos, à custa dos sacrifícios de quase todos (TIAC, 2014).

“A pegada legislativa” pode melhorar os resultados das políticas públicas e eventualmente reduzir os riscos de corrupção. Clarificar o processo de tomada de decisão e identificar quem são os responsáveis políticos, ao mesmo tempo, garantir o acesso um maior número e mais representativo de partes interessadas e ainda reduzir o risco de corrupção (Berg, 2015).