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Apêndice I Entrevista à Dr.ª Susana Coroado

CAPÍTULO 1 Dos conceitos do lóbi aos modelos de lóbi americano e europeu

1. Enquadramento teórico

1.5. Qual a relação entre lóbi e a corrupção?

Num relatório do Banco Mundial sustenta-se que a corrupção é “o maior obstáculo ao desenvolvimento económico e social” (Morgado e Vegar, 2003, p. 57).

O Banco Mundial defende que a

corrupção desenvolve-se num ambiente onde o poder de membros individuais da sociedade, medido em termos de acesso aos poderosos e em poder financeiro, suplanta o respeito pelas Leis (…) uma alta desigualdade reduz o crescimento económico, que por sua vez impede a redução da pobreza (…) afecta o modo como o dinheiro público é aplicado, divergindo o investimento de sectores menos lucrativos, como a educação, para outros de altos lucros, como a construção (Morgado e Vegar, 2003, p. 57).

Pode resumir-se, assim, e de acordo com esta análise, que a corrupção é um grave problema, não só democrático, mas também económico contribuindo de uma forma negativa para o desenvolvimento dos países. Uma posição que é corroborada por Morgado quando afirma que:

ao reproduzir-se impunemente, a corrupção vai contaminando toda a estrutura pública, criando uma subversão desreguladora, porque a complexa teia de interesses e cumplicidades criada vicia o desenvolvimento do país e do próprio mercado (Morgado, 2003: 58).

A Transparency Internacional (TI), uma organização privada existente desde 1993, presente em mais de 100 países, dedica-se ao combate à corrupção e tem como missão “combater a corrupção e promover a transparência, a prestação de contas e integridade em todos os níveis e em todos os setores de atividade”. Os seus principais valores são: “a transparência, prestação e contas, integridade, solidariedade, coragem justiça e democracia”10

.

De acordo com um estudo de 2015 da TI elaborado em 168 países, conclui-se que os países com menor índice de corrupção são a Dinamarca, Finlândia e Suécia. Portugal encontra-se em 28º lugar, ao lado de países como o Botswana, o Butão e Polónia (cf. Quadro 1).

Quadro 1. Dados do Corruption Perceptions Index de 2015 CORRUPTION PERCEPTIONS INDEX 2015

Rank Country/territory 2015 Score 2014 Score 2013 Score 2012 Score

28 Portugal 63 63 62 63

10(Consultar:http://www.transparency.org/whoweare/organisation/mission_vision_and_values/0/,

http://www.transparency.org/cpi2015#results-table, consultado dia 03 de março 2016. Para o presidente da TI, José Ugaz “a corrupção pode-se combater se trabalharmos em conjunto. Para acabar com o abuso de poder, corrupção e iluminar os negócios secretos, os cidadãos têm de dizer aos governos, já chega” (Transparency International, 2015).

Quando se prevê que 80% das legislação dos países membros da União Europeia tem origem no direito comunitário (Nonon e Clamen, 1999, p. 16), é de extrema importância que a legislação emanada da União Europeia vá ao encontro dos interesses nacionais. “A corrupção é uma das armas mais frequentemente utilizadas, umas vezes sem disfarce, outras vezes revestindo aparente legalidade” (Moreira, 1979, p. 155), principalmente em países em vias de desenvolvimento, onde é justificada como “um meio de criar uma classe média” (Moreira, 1979).

Segundo o estudo “Lóbi a Descoberto: O Mercado de Influências em Portugal” (2014), realizado pela TIAC11 – Transparência e Integridade Associação Cívica em colaboração com o o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e apresentado em Novembro de 2014, o reconhecimento do lóbi constitui um importante contributo para reduzir a corrupção (Coroado, 2014). Para a Transparency International e a TIAC a “criação de regras e limites para a prática do lóbi e a transparência desta

atividade são ferramentas essenciais de combate à corrupção e da responsabilização dos agentes públicos e privados” (TIAC, 2015b).

No estudo acima referenciado, a TIAC produziu 8 importantes recomendações ao Parlamento português para a regulamentação da indústria do lóbi em Portugal:

 O Parlamento deveria regular a indústria do lóbi em Portugal, reconhecendo a existência de sociedades de lóbi e incluindo na categoria de lobistas outras profissões e empresas, como agências de comunicação, profissionais de corporate affairs, associações empresariais, organizações da sociedade civil e advogados” com a “adopção de códigos de conduta;

 Os lobistas deveriam instituir os seus códigos de conduta e mecanismos de auto-regulação”;

 … tornar públicas as agendas de todos os decisores políticos e públicos, os gabinetes ministeriais e quadros dirigentes da Administração Pública…;

 …impor exclusividade aos deputados em funções (…) e aumentar os periodos de quarentena pós-funções…;

 Reforçar competências e recursos da Comissão Parlamentar de Ética;

 O Governo e a generalidade da administração pública deveria recorrer a concurso público para a contração de consultoras jurídicas e financeiras…;

 O Governo e o Parlamento deveriam criar um mecanismo de “pegada legislativa” que permita o acompanhamento do processo legislativo, bem como as contribuições das partes interessadas;

 Decisores públicos devem ser mais inclusivos (…) alargando a participação no processo à sociedade civil (Coroado, 2014, p. 8) e (TIAC, 2015b).

11

TIAC -Organização não governamental que tem como missão combater a corrupção, representante em Portugal da rede global anti-corrupção Transparency International.

CAPÍTULO 1 - Dos conceitos do lóbi aos modelos de lóbi americano e europeu.

O custo da ausência de regulamentação do lóbi em Portugal, não raras vezes significa que “a pressão faz-se, mas na sombra, (…) sem regras definidas, sem caras assumidas e sem códigos de conduta” (Bastos I. D., 2015).

Segundo o estudo da TIAC, os lóbis mais fortes em Portugal são o da banca, o da energia e o da construção civil (Coroado, 2014, p. 8). De facto, o grupo financeiro é considerado o mais influente em Portugal e isso reflete-se, por exemplo, na escolha dos governantes: “dos últimos 19 ministros das Finanças, 14 trabalharam em bancos ou instituições financeiras” (Coroado, 2014, pp. 8,28).

Referindo ainda, este mesmo estudo, a saída à posteriori de governantes para o privado também revela a predominância das entidades bancárias: 54% dos governantes já tiveram cargos na Banca (Coroado, 2014, pp. 8,28).

Embora, em Portugal a atividade não esteja regulamentada, em vários ocasiões o próprio Estado já recorreu à contratação destes serviços para defender os interesses do país. A mais mediática, porventura, foi a contratação de um lobista para fazer pressão junto dos EUA a favor da autodeterminação de Timor-Leste. Também em 2011, aquando do bailout a Portugal, o Governo português contratou empresas de consultadoria estrangeiras, para melhorar a imagem internacional de Portugal nos mercados financeiros internacionais, antes e depois de recorrer à ajuda financeira internacional (Antunes, 2010; Pereira, 2011). Esta contratação do Brunswick Group por ajuste direto custou 63 mil euros por 3 meses de trabalho. Já em 2010, o governo de José Sócrates também tinha contratado a Kreab Gavin Anderson (kGA) por 330 mil euros igualmente por um período de 3 meses (Antunes, 2010) e (Pereira, 2011). Ao comportar-se desta forma, o Estado português manifesta uma posição ambivalente em relação à prática do lóbi, uma vez que não reconhece a sua existência legal em Portugal, pese embora em alguns momentos-chave da sua história recorra a esta atividade para defender os seus interesses/imagem a nível internacional.

A manutenção deste status-quo é contraproducente para uma efetiva participação da sociedade civil na vida pública e contribui, de certo modo, para o descrédito da classe política.