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Apêndice I Entrevista à Dr.ª Susana Coroado

CAPÍTULO 1 Dos conceitos do lóbi aos modelos de lóbi americano e europeu

1. Enquadramento teórico

1.4. Lóbi em Portugal

O lóbi é prática corrente aceite e legitimada nas principais democracias modernas, embora continue a ser uma atividade não reconhecida – nem regulamentada – em Portugal. O termo lóbi, no nosso país, mantém-se associado a uma conotação

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pejorativa, como explica Sofia Branco (2007), num artigo publicado em 9 de julho de 2007, no Jornal Público, que “passa por uma cultura que estranha e deturpa os objectivos do lobbying”.

Olhado com desconfiança em Portugal, tal como noutros países do sul da Europa – Espanha, Itália e Grécia –, o lóbi é todavia, “uma atividade perfeitamente legítima em qualquer país democrático, que permite à sociedade civil defender legalmente os seus interesses perante os poderes políticos com toda a transparência” (Lampreia e Guéguen, 2008, p. 11).

A discussão em torno da regulamentação da atividade de lóbi em Portugal foi lançada no início de 2007, ano em que duas agências de comunicação solicitaram junto da Assembleia da República uma acreditação permanente, à semelhança da que é concedida aos jornalistas (Leite, 2007). A pretensão foi rejeitada e justificada com a falta de regulamentação do lóbi em Portugal, mas também por os jornalistas estarem sujeitos a um código de ética e lutarem pela liberdade de imprensa (Leite F. A., 2007) e (Lusa, 2008).

Para aumentar o debate sobre o tema, a 19 de Junho de 2007, Lisboa acolheu o primeiro seminário nacional dedicado ao lóbi. Findo o encontro, foi entregue a Jaime Gama, então presidente do Parlamento, um documento que propunha a discussão com vista ao reconhecimento e à regulamentação da atividade em Portugal. Jaime Gama, “prometeu que o assunto seria analisado até ao fim da sessão legislativa” (Branco, 2007), porém, tal não sucedeu. Volvidos dois anos, o tema entrou novamente para a agenda política, por iniciativa da Universidade de Aveiro e do eurodeputado Armando França, com a realização do seminário sobre “A Actividade Lobística na União Europeia”. Nesse mesmo ano, o então governo de José Sócrates (PS) manifesta intenção de regulamentar o lóbi na vigência da legislatura (Correio da Manhã, 2009), no entanto, até à data Portugal continua sem qualquer avanço nesta matéria.

Só em 2014, o tema voltou à “ordem do dia”, com a realização do debate “Conversas com Lobistas”, promovido pela Associação Portuguesa de Empresas de Comunicação (APCE) (Lopes, 2014).

Em 2015, o então secretário de Estado-adjunto do Ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional Pedro Lomba (PSD) afirmou ao “Diário Económico” que o Governo está preparar uma proposta para regulamentar o lóbi e que “o Executivo já começou a preparar as bases” (Bastos I. D., 2015a). Pretende-se criar um registo de transparência que acredita os lobistas, em que é declarado o interesse que representam

acompanhado de um conjunto de regras de conduta da atividade (Bastos I. D., 2015a).

O objetivo era “criar um quadro legal” à semelhança do que existe nos EUA e com regras de transparência como as que existem no Parlamento Europeu (Pereira, 2015). No final da legislatura, e quando tudo indicava que a proposta de regulamentação da atividade lobista seria votada, a discussão foi suspensa em Conselho de Ministros. Conforme noticiou o “Observador”, em 2015, o Executivo considerou “insuficiente” a

regulamentação do lóbi apenas por decreto-lei, na medida em que deixaria de fora os

deputados – o Estatuto dos Deputados só pode ser alterado através de lei da Assembleia da República e era impossível introduzir mais temas na agenda da última sessão plenária (Pereira, Governo desiste de regulamentar lobbying, 2015).

O ex-ministro Miguel Relvas em entrevista ao “Expresso” afirmou que “legalizar o lóbi e deixar os deputados de fora não é possível. Para fazer assim, é melhor não fazer nada”, ou seja, a legalizar o lóbi seria para todos os que praticam essa

atividade, incluindo os deputados (Pereira, 2015). Já em 2016, e antecipando-se ao atual

Governo (PS) em funções, cujo programa eleitoral inclui a promessa de legalizar o lóbi (Socialista, 2015: 26), os deputados do CDS-PP apresentaram o Projeto De Lei nº 225/XIII-1ª de 2016. Este, prevê a criação de um Registo de Transparência e de um Código de Conduta para os lobistas, tal qual sucede junto do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia (Assembleia da República, 2016) (Projeto lei 225/XIII-1.ª, 2016 - Anexo 1).

Assunção Cristas, atual líder do CDS-PP, defende que a regulamentação da atividade do lóbi

é uma das formas de reforçar a transparência nas relações entre os entes públicos, de um lado, e os particulares e as instituições da sociedade civil, por outro, e uma forma de trazer ao conhecimento das entidades públicas os interesses públicos e privados que compõem o feixe de ponderações associadas a cada procedimento decisório (Projeto de Lei 225/XIII-1.ª, 2016)9 (Assembleia da República, 2016)

Este Projeto de Lei que pretende regulamentar a atividade de representação de interesse, designada por “lobbying”, parece ser bastante equilibrado e representaria um importante avanço para o nosso país, no que respeita à regulamentação e legalização de uma prática, até agora considerada obscura, o que contribuiria para o aumento da transparência. A influência por parte de diversas entidades, organizações e particulares,

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tais como cidadãos e empresas, junto do poder legislativo e executivo é uma realidade em Portugal, cujo debate importa trazer para a esfera pública.

No que respeita ao setor privado, a contratação de lobistas para defender os seus interesses mantém-se, em geral, ausente da cultura empresarial (Duarte, 2003, p. 86).

A exceção à regra, são as grandes empresas como a “TAP” e a “EDP” que, reconhecendo a importância de defender os seus interesses fora de Portugal, têm recorrido à contratação destes serviços em Washington, para fazer lóbi junto da administração norte-americana. Igualmente, sub-representadas estão as empresas portuguesas em Bruxelas (Coroado, 2014, p. 14). De acordo com Joaquim Martins Lampreia, em Portugal o poder do lóbi é uma questão controversa e problemática, com uns a favor (grupos económicos) e outros contra (ONGs ambientais), os quais têm alguma relutância no entendimento da indústria do lóbi e “reclamam do poder crescente do lóbi da Indústria” (Lampreia, 2005, p. 111).

O lobista português reconhece que o lóbi continua a ser em Portugal um assunto tabu, que incomoda tanto governantes como governados, apesar de em Bruxelas os lóbis serem considerados uma extensão da própria sociedade civil, “permitindo a esta defender os seus interesses, de forma profissionalizada, perante as instituições europeias” (Lampreia e Guéguen, 2008, p. 11).

O lóbi enquanto transmissor de mensagens ao poder político pode ser considerado “um instrumento de persuasão consciente dos agentes políticos, no sentido em que a intenção de influenciar é a verdadeira essência do fenómeno político” (Martins, 2010, p. 27), daí a atualidade da questão em torno da ida de Durão Barroso para a Goldman Sachs (Rapazote, 2016).

Esta atividade permanece mal conotada no nosso país, olhada com desdém e confundida com a troca de favores, tráfico de influências ou mesmo atos de corrupção. Tradicionalmente, o lóbi não faz parte “dos nossos hábitos de relacionamento da sociedade civil com os poderes instituídos” (Lampreia e Guéguen, 2008, p. 154).

Após 42 anos de democracia, Portugal continua a ter uma postura defensiva no que respeita a esta prática. O problema, defende o lobista, é que essa postura acaba por nos sair cara. Ou seja, Portugal acaba por perder representatividade, sobretudo no principal centro de decisão da Europa, por falta de competitividade. Isto mesmo é confirmado pelo estudo europeu intitulado a “Participação na Tomada de Decisões da UE: Portugal numa Perspetiva Comparativa”, da autoria de Richard Rose e Alexander Trechsel (2014), segundo o qual, Portugal não exerce pressão suficiente, não só sobre os

comités consultivos, nem tão pouco sobre o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia ou o Conselho (Trechsel e Rose, 2014, pp. 191-193).

Ao invés, de seguir uma estratégia institucionalizada articulada com outros canais institucionais, o lobbying português é fraco e coordenado informalmente, o que resulta num “impacto significativamente negativo na estratégia portuguesa em Bruxelas” (Albuquerque, 2014).

Para Joaquim Martins Lampreia (Lampreia e Guéguen, 2008, p. 155), Portugal continua a defender os seus interesses de uma forma “muito amadora” e “à antiga portuguesa”, ao dar preferência à rede de relações pessoais, como contactar um eurodeputado amigo, para levar as suas preocupações às instituições europeias. A estratégia, porém, não passa da boa intenção, ficando a mensagem comprometida logo à partida. Defender os interesses nacionais através de lobistas profissionais “é um aspeto que a maioria dos Estados-membros já compreendeu, incluindo os recém-chegados países do Leste, (…) enquanto Portugal teima em continuar a tentá-lo através de métodos obsoletos” (Lampreia e Guéguen, 2008, p. 155).

A possibilidade de fazer pressão junto dos decisores políticos é, para os autores, um apanágio da democracia e, por isso, consideram que é mais do que tempo, de em Portugal se “democratizar a influência” (Lampreia e Guéguen, 2008, p. 12).

Na opinião do lobista português, enquanto o nosso país não reconhecer e regulamentar o lóbi como atividade profissional, continuaremos também nesta matéria, na cauda da Europa.

O país já esteve, porventura, mais longe de proceder à legalização do lóbi, mas este passo não se afigura fácil de dar. É preciso muita coragem política. É preciso ir contra os “poderes instituídos”. Ou seja, enquanto uma boa parte dos deputados na Assembleia da República não estiver em regime de exclusividade de funções é muito difícil que este assunto seja alvo de debate, porque na prática já existem “deputados- lobistas” no hemicíclo.

Talvez por recomendação da União Europeia, e uma eventual mudança na opinião pública, os nossos políticos se sintam pressionados a enveredar por este processo.

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