• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – EXECUÇÃO DE PROCESSOS COLETIVOS E A ORIGEM DA

1.2 PANORAMA GERAL DA EXECUÇÃO DE PROCESSOS COLETIVOS

1.2.3 A EXECUÇÃO PADRÃO DOS DIREITOS INDIVIDUAIS

A sistemática atualmente adotada está prevista nos artigos 95 a 100 do Código de Defesa do Consumidor. O procedimento padrão que se desenvolve é que a sentença fixe genericamente a responsabilidade dos réus pelos danos causados, sendo que as vítimas, seus sucessores ou demais legitimados em lei poderão promover a liquidação e execução dessa sentença.

Nesse sentido, é possível afirmar que ela consiste no procedimento especial estruturado sob a fórmula de repartição da atividade jurisdicional em duas fases: uma, que constitui o objeto da ação coletiva, na qual a cognição se

79 No direito nacional fundamentais os estudos de: ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões

estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista de Processo. v. 38, n. 225, p. 389–410, 2013. JOBIM, Marco Félix. Medidas estruturantes: Da Suprema Corte Estadunidense ao Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. FERRARO, Marcella Pereira. Do processo bipolar a um processo coletivo-estrutural. 213 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná. VIOLIN, Jordão. Protagonismo judiciário e processo coletivo estrutural: o controle jurisdicional de decisões políticas. Salvador: Juspodivm, 2013. Na doutrina internacional ver: FISS, OWEN. The Forms of Justice. Harvard Law Review, v. 93, n. 1, p. 1-58, 1979 e CHAYES, Abram. The Role of the Judge in Public Law Litigation. Harvard Law Review, v. 89, n. 7, p. 1.281-1.316, 1976. EISEMBERG, Theodore. YEAZELL, Stephen C. The Ordinary and the Extraordinary in Institutional Litigation. Harvard Law Review, v. 93, p. 465-517, 1980.

80 VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva, p. 96.

81 Sobre liquidação em ações coletivas ver: PIZZOL, Patrícia Miranda. Liquidação nas ações

coletivas. São Paulo: LEJUS, 1998.

limita às questões fáticas e jurídicas que são comuns à universidade dos direitos demandados; e outra, a ser promovida em uma ou mais ações posteriores, propostas em caso de procedência da ação coletiva em que a atividade cognitiva é complementada, mediante juízo específico sobre as situações individuais de cada um dos lesados.83

O professor Teori Albino Zavaski chega a afirmar que essa primeira fase seria a “ação coletiva propriamente dita” em que as questões enfrentadas são as relativas ao núcleo de homogeneidade dos direitos individuais afirmados na demanda.84

Diferentemente do que se verifica na execução dos direitos difusos e coletivos, a tutela dos interesses individuais homogêneos costuma ser ressarcitória, voltada ao pagamento de valores e não uma tutela específica, embora também exista essa possiblidade como, por exemplo, nos casos de

recall.85

Porém, mesmo com a previsão da possibilidade da promoção de uma execução coletiva, opta-se usualmente por esse procedimento bifásico, em que a ação coletiva só ocorre na fase de conhecimento, morre com uma sentença condenatória e deixa a execução a cargo dos indivíduos. Tal opção acaba retirando muito da força e efetividade da tutela coletiva, mina a técnica coletiva, justamente por contradizer uma caraterística fundamental que é aptidão para a molecularização de demandas.86

Assim, parte da doutrina nomeia isso como uma “pulverização de direitos”.87 Trata-se da análise individualizada pelo Poder Judiciário de

interesses ou de questões cuja apreciação poderia ocorrer de maneira conjunta, uma vez que há “similitude” fática entre eles. Há correlação entre interesses, tanto por meio de uma justaposição plena, quanto mediante a existência de questões de intersecção entre os direitos postos em jogo. Em outras palavras,

83 ZAVASKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de

Direitos. 6. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 151.

84 ZAVASKI, T. A. Idem, p. 151.

85 ALMEIDA, Gustavo Milaré. Execução de Interesses Individuais Homogêneos: Análise crítica e

propostas. São Paulo, 2012. 247 f. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo. f. 112.

86 GAGNO, Luciano Picoli. Tutela mandamental e efetividade dos direitos individuais

homogêneos. Revista dos Tribunais, vol. 953, p. 223-257, 2015. p. 224.

87 Trata-se de termo especialmente adotado e justificado por: MENDES, Aluísio Gonçalves

Castro; OSNA, Gustavo; ARENHART, Sérgio Cruz. Cumprimento de sentenças coletivas: da pulverização à molecularização. Revista de Processo, v. 222, p. 41-64, 2013.

pode se manifestar de maneira parcial ou global, condicionando também, os desafios postos ao operador do direito.88

A pulverização é muito criticada à medida que se opõe à efetiva prestação jurisdicional, ao gerar milhares de litígios onde poderia haver apenas um. Perde-se em recursos físicos e humanos, indo em contramão à gestão mais prática e voltada à eficiência, que acaba contribuindo para o esgotamento do Poder Judiciário.89

Isso ajuda a demonstrar como a proteção coletiva dos “direitos individuais homogêneos” não vem impactando a realidade brasileira da forma como poderia, muito devido a interpretações restritivas de suas balizas legais, além dos resquícios de um apego individualista ainda muito presente no processo, especialmente nessa separação de direitos que deveriam ser tratados de maneira conjunta.90

A pulverização, assim, representa verdadeira desatenção à gestão de recursos físicos e humanos disponíveis à jurisdição. A opção pela coletivização, além de garantir a isonomia entre os sujeitos, poderia estender o tratamento igualitário também àqueles que não ingressariam pessoalmente em juízo. Em uma realidade como a brasileira, parece ser o passo decisivo na concretização do acesso à Justiça, ao se permitir que o sujeito seja tutelado sem a necessidade de adotar iniciativas, muitas vezes fora de seu alcance.91

Nesse sentido, há tendência a buscar técnicas que justamente promovam a execução que esteja em maior sintonia com os objetivos fundamentais dos direitos individuais homogêneos. Priorizam-se técnicas que, não necessariamente, demandem ação por parte dos indivíduos lesados pela conduta originaria da ação, inclusive incentiva-se que os próprios réus tomem as medidas necessária para a reparação dos sujeitos lesados, quando eles forem facilmente identificáveis.92 Em casos de lesões a clientes de bancos, por

88 MENDES, Aluísio Gonçalves Castro; OSNA, Gustavo; ARENHART, Sérgio Cruz. Cumprimento

de sentenças coletivas: da pulverização à molecularização. Revista de Processo, v. 222, p. 41- 64, 2013. p. 44.

89 MENDES, A. G. C.; OSNA, G.; ARENHART, S. C. Idem, p. 47.

90 MENDES, A. G. C.; OSNA, G.; ARENHART, S. C. Idem, p. 55.

91 MENDES, A. G. C.; OSNA, G.; ARENHART, S. C. Idem, p. 62.

92 Trata-se de opção abertamente defendida por Luciano Picoli Gagno em: GAGNO, Luciano

Picoli. Tutela mandamental e efetividade dos direitos individuais homogêneos. Revista dos Tribunais, vol. 953, p. 223-257, 2015.

exemplo, a própria instituição financeira poderia efetuar os depósitos em conta corrente.

Trata-se, sobretudo, da utilização de técnicas que não necessitem da utilização da ação executiva individual de iniciativa do lesado. Ainda que essa seja a alternativa mais fácil dentro do atual sistema, não é de longe a mais eficiente e, tampouco, a mais alinhada aos objetivos fundamentais da tutela coletiva.