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CAPÍTULO 2 – CY PRES E FLUID RECOVERY

2.3 A FLUID RECOVERY

2.3.2 PROBLEMAS DA FLUID RECOVERY E PREFERÊNCIA PELA CY

Apesar de, à primeira vista, a fluid recovery parecer o esforço mais coerente e produtivo para se investir os recursos oriundos das sobras das class

167 MACCALL, J. STURDEVARD, P. KAPLAN, L. HILLEBRAND, G. Op. Cit, p. 800.

168 MULHERON, Rachael. The Class Action in Common Law Legal Systems: A Comparative

Perspective, p. 219.

169 MULHERON, R. Idem, p. 219.

actions, em sua forma mais comum, por meio dos mecanismos de preço, ela

possui diversos problemas e gera controvérsias.

Notadamente seu uso está condicionado à analise não só da estrutura e capacidade econômica da empresa, passando pelo funcionamento do mercado (monopolista ou competitivo) em que se pretende aplicar a fluid recovery, mas também dos padrões de consumo.

No que tange aos mecanismos de não preço é possível afirmar que, em resumo, independentemente da estrutura de mercado que o réu opere, sua alocação é neutra. Isso é, a distribuição supostamente realiza a transferência de renda, mas não afeta a cadeia produtiva da empresa, ou seja, quantas unidades são produzidas ou como o réu vende cada unidade.

Apenas a título de exemplo, para a aplicação de mecanismo de reparação de não preço em que apenas há o pagamento direto de soma fixa à classe, a maioria das indústrias estará inserida em um mercado e não poderá estabelecer o preço acima do padrão, senão o consumo de seu produto provavelmente caíra. Assim, o preço de mercado limita o preço que o réu pode cobrar por cada um de seus produtos. Uma vez que valor do dano for pago, não se afeta o custo adicional de produção de unidade, bem como, a princípio, as decisões de distribuição do réu também não serão afetadas pelo pagamento da recuperação.

Em oposição a esse esquema, os mecanismos de preços, devido à forma de distribuição, afetam diretamente o preço do produto a ser vendido, uma vez que geralmente operam coercitivamente na redução no preço da mercadoria ou serviço. Se não for determinada, também, qual deve ser a conduta do réu nessa operação, ele provavelmente irá ajustar a distribuição de modo a maximizar sua rentabilidade e esse ajuste poderá lesar os consumidores; a menos que a Corte, de maneira ativa, molde a conduta do réu.

Assim, pode-se analisar a possível produção de efeitos por meio de duas situações: quando não há intervenção da Corte ou quando há especificação judicial para se manter o equilíbrio de distribuição no mercado.

Em cenário em que não há nenhuma intervenção da Corte para regular a produção e distribuição, provavelmente a firma irá cortar a produção. Porque diminuir o preço por unidade não produzirá a renda necessária para assegurar os lucros antigos. Ademais, como o réu está cobrando menos por um produto do

que seus competidores, os consumidores provavelmente buscarão consumi-lo. Como a distribuição do bem será deficiente, alguns usuários poderão ficar em filas ou mesmo viajar para os lugares onde haja o produto com o preço reduzido, porém, outros não o farão. Cabe a cada comprador sopesar a conveniência e a economia com seu tempo e esforço, mas em geral parece que os consumidores se beneficiarão muito pouco devido aos inconvenientes.171

Em segundo cenário, em que haja a obrigação de manter o equilíbrio de distribuição no mercado, o Judiciário pode ordenar que o réu produza a mesma quantidade que teria produzido na ausência da redução de preço. Os consumidores irão buscar consumir mais desse produto do que está disponível, uma vez que em geral consome-se mais quando o preço é menor; entretanto é difícil avaliar se precisamente aqueles consumidores que foram lesados serão os beneficiados com a redução de preço.

Os mecanismos de preço em geral parecem atrativos porque não demandam nova estrutura administrativa e porque corrigem automaticamente a alocação de recursos. Ademais, conseguem combinar, ainda que grosseiramente, a classe dos recebedores com a classe dos consumidores lesados.

Entretanto tem mais méritos quando aliada à supervisão judicial, que parece simples a princípio, mas é extremamente complexa. Em primeiro lugar, a Corte deve ter conhecimento preciso do funcionamento da empresa e de suas etapas de produção. Porque se os custos das matérias-primas do réu flutuarem, corre-se o risco de se forçar o réu a fazer distribuição incorreta de danos e isso não pode ser averiguado se, por exemplo, a Corte mantém o preço do produto constante.172

Se, por outro lado, a Corte permitir que o preço do produto acompanhe as mudanças nos preços das matérias-primas, também deverá se engajar em monitoramento cuidadoso desses preços e isso coloca grande fardo, tanto nos réus que irão gastar recursos compilando relatórios, como também nas próprias Cortes, que terão de filtrar quantidade imensa de informações.

171 DURAND, Anna. Op. Cit., p. 187.

Além disso, há grande dificuldade em definir o nível adequado de redução de preço. Geralmente o índice escolhido é a média do aumento ilegal, porém algumas vezes outros fatores devem ser levados em conta.

Um dos principais fatores é definir qual o período da redução de preço. Ao decidir pela redução de preço por curto período, a redução será maior e, provavelmente, também será a demanda dos consumidores. Quanto maior a quantidade demandada, maiores serão os custos e inconvenientes que os consumidores irão incorrer para buscar obter o produto. Ao contrário, em redução por longo período, o percentual do preço reduzido será maior, mas ainda assim haverá desvantagens: quanto maior o período, mais tempo o réu se beneficiará do montante ganho indevidamente. Além disso há a probabilidade de vários consumidores saírem do mercado sem receber compensação plena.173

Para definir o percentual adequado de redução de preço também é importante analisar a sensibilidade da demanda do consumidor. Se ela for insensível, a redução não afetará a quantidade do produto que será demandada e esse método não será eficiente. Assim, é importante que a Corte analise os padrões de consumo dos autores para determinar o método que terá a maior probabilidade de melhor compensá-los, de modo que será necessário imensa quantidade de informações econômicas sofisticadas.174

Coletar e analisar esse tipo de informação aumenta os custos operacionais dos mecanismos de preço como forma de distribuição dos danos. Ademais, defende-se que o julgamento se essa opção beneficiaria ou não a classe deveria ser feita caso a caso.

Além disso, há a preocupação com a estabilidade econômica da empresa e com os investidores ao se optar por esse mecanismo: sempre há a possibilidade de prejudicar os investidores e outros setores criando-se falsos incentivos e frustrando expectativas. Isso leva alguns autores a afirmarem que a

fluid recovery como redução de preço beneficia a classe lesada não mais do que

outras práticas.175

Ressalte-se que ao propor uma distribuição de fluid recovery, deve haver especial atenção à escolha do meio que seja accountable à Corte. Não somente

173 DURAND, A. Idem, p.198.

174 DURAND, A. Idem, p. 198-199.

no uso do fundo, mas também na prestação de informações e na promoção dos propósitos constitucionais e proteção dos interesses das pessoas lesadas pela conduta ilegal.176

Nesse sentido, verifica-se que houve clara preferência na aplicação de

non price mechanisms da fluid recovery, que implicam na maioria das vezes a

transferência de recursos, seja diretamente à própria classe, seja a terceiros. Na maioria das vezes, esses terceiros são instituições filantrópicas, de modo que a utilização do termo fluid recovery começou a ser criticada, por ser muito genérica e foi preferida a utilização do termo cy pres para designar essas transferências, devido à própria origem do instituto – dos trusts de caridade.