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A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA CONSTRUÇÃO DE INDICADORES

2.1 ASPECTOS TEÓRICOS DA QUALIDADE AMBIENTAL URBANA

2.2 AVALIAÇÃO DA QUALIDADE AMBIENTAL URBANA 1 A QUALIDADE AMBIENTAL URBANA E O MOVIMENTO DOS

2.2.2 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA CONSTRUÇÃO DE INDICADORES

A experiência brasileira na construção de indicadores de QA é recente. Um dos exemplos é o trabalho de COMUNE et al. (1982), publicado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, onde os autores propõem um sistema de indicadores de qualidade de vida urbana - QVU que envolve aspectos sociais, econômicos e ambientais. Sugere-se um indicador único de QVU mediante o emprego de um sistema de ponderação determinado pela técnica estatística de análise multivariada. Assim, os autores selecionam 17 indicadores sócio-econômicos que cobrem oito itens da QVU (habitação, comunicação, saúde, educação, renda, emprego, assistência social e consumo de bens duráveis). Para cada indicador são propostos índices – assim, por exemplo, o indicador consumo de bens duráveis é obtido pela quantidade de domicílios com geladeira, fogão e automóveis dividido pelo número total de domicílios. A fonte de dados foi o Censo Demográfico e Predial. Observou-se a ausência, admitida pelos autores, de indicadores ambientais e de participação social.

RODRIGUES (1991), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, filiando-se a uma linha distinta da anterior, propõe um índice que agrupa aspectos relevantes da qualidade de vida. Através do IDS - Índice de Desenvolvimento Social, a autora pretende avaliar “(...) a forma pela qual os resultados do desenvolvimento econômico revertem em benefícios para a sociedade como um todo ou frações dela” (40 p). O IDS corresponde a um novo índice para países em desenvolvimento, em substituição ao IDH, discutido anteriormente. O IDS busca avaliar o grau de acesso da população às condições de remuneração, saúde, educação, habitação, alimentação, transporte e outros serviços que caracterizam a QV. Esse índice é composto por: esperança de vida ao nascer (anos), taxa de alfabetização de adultos (%), grau de distribuição de todos os rendimentos auferidos pela população economicamente ativa remunerada (índice GINI). Apesar da “força” desses indicadores para avaliar a qualidade de vida, nota-se a ausência de uma

abordagem dos aspectos da qualidade ambiental, assim como da participação democrática, limitando-se ainda a um tratamento quantitativo.

Um outro enfoque que vem sendo dado ao tratamento de indicadores é o seu desenvolvimento em setores específicos dos serviços públicos, a exemplo do setor de saneamento. Podem-se citar os trabalhos de AJZENBERG et al. (1986) e de GARCIAS et al. (1994). AJZENBERG et al. (1986) desenvolveram indicadores de caráter social para a definição de prioridades de obras de saneamento: atendimento (de água e esgoto); saúde (mortalidade infantil e geral e por doenças infecto- contagiosas); sócio-econômicos (renda per capita e percentual da população de baixa renda). Tais indicadores foram agrupados em um único, através de ponderações e interpolação linear. Os resultados foram então agrupados em faixas de prioridades.

Preocupados com a qualidade dos serviços de infra-estrutura urbana e saneamento e visando a contribuir no processo de planejamento, GARCIAS et al. (1994) propuseram 76 indicadores de qualidade estabelecidos com base na visão sistêmica, considerando aspectos econômicos, sociais e de saúde pública.

“Os indicadores de saneamento foram determinados levando-se em consideração a correlação entre os indicadores específicos de saneamento (serviço de abastecimento de água, esgoto, drenagem urbana e de resíduos sólidos) e os indicadores gerais compostos pelos demográficos, sociais, de saúde e econômico. Os indicadores de qualidade dos serviços urbanos de saneamento resultaram da interação destes indicadores, retratando os atributos esperados dos serviços de saneamento” (GARCIAS et al: 1994, 716 p).

Apesar das dificuldades na obtenção de dados confiáveis, os autores ressaltam que o método é valioso como indicador das condições dos serviços de saneamento oferecidos à população e permite estabelecer a ordem de grandeza da deficiência do serviço. Mesmo restringindo-se ao setor de saneamento, os autores

demonstram a viabilidade de se trabalhar com sistemas de indicadores para a avaliação da qualidade do serviço.

ROJAS e OLIVEIRA (1994), ao discutir uma abordagem metodológica para a determinação da qualidade de vida, propõem dois caminhos: a coleta de informações secundárias sobre o meio ambiente e as condições de vida junto a órgãos governamentais e a de informação primária sobre meio ambiente, condições de vida e saúde junto à comunidade. Os resultados são posteriormente agrupados através de uma análise relacional. Segundo as autoras,

“ambas as aproximações (ou direções) investigativas

acrescentam a atenção acerca da percepção das populações, de modo que os juízos de valor são tomados não só a partir de critérios técnicos ‘objetivos’, como a partir de critérios de subjetividade” (ROJAS e OLIVEIRA: 1994, 7p).

Esse trabalho tem o grande mérito de admitir que a realidade pode ser apreendida por diferentes mecanismos (objetivos e subjetivos) e que estes se complementam, deixando clara a necessidade de incorporação dos aspectos subjetivos através da percepção da comunidade sobre sua realidade.

SOUTO et al. (1995, 21 p), preocupados em “(...) avaliar as mudanças na qualidade de vida e o desempenho das políticas públicas, especialmente as desenvolvidas pelas instâncias de poder local”, propõem um Índice Municipal, tendo como referência o IDH. Esse índice é composto por dez indicadores: renda média mensal do chefe do domicílio em salários mínimos, chefes de domicílios com renda até dois salários, número de cômodos, número de habitantes por domicílios, domicílios com até três cômodos, água inadequada, esgoto inadequado e lixo inadequado, taxa de analfabetismo em maiores de 15 anos e percentual de crianças que residem em domicílios cujo chefe tem menos de um ano de estudo. Seguindo a mesma linha, os autores também discutem a construção do Índice Social Municipal de São Paulo, o qual agrega os dez indicadores já citados e incorpora outros seis, relacionados com a saúde e educação, a saber: percentual de crianças no pré- escolar, taxa global de evasão escolar nas escolas de 1º e 2º graus, taxa total de

retenção no ensino publico de 2º grau, percentual do total de matrícula no 2º grau em escolas públicas e privadas, coeficiente de mortalidade infantil por 1000 nascidos vivos e leitos por 1000 habitantes. Apesar da relevância dos indicadores sugeridos, aspectos importantes da qualidade de vida urbana, como transporte, segurança e poluição ambiental, entre outros, são negligenciados. Segundo os autores, essa limitação deve-se à indisponibilidade de dados.

BALASSIANO et al. (1993), estudando um indicador que relacione a qualidade de vida ao sistema de transporte, propõem um índice calculado através do

“valor teórico obtido a partir da soma de todas as

externalidades positivas e negativas percebidas pela comunidade, devidamente ponderadas pelo número de pessoas afetadas e pelo grau relativo de importância ou sensibilidade delas em relação a cada um dos impactos verificados” (33p).

Para os autores a expressão seria do tipo:

QVt = a1 . b1. I1 + a2 . b2 . I2 + ... + an . bn . In onde,

Qvt = contribuição do transporte na qualidade de vida

ax = peso relativo a importância, intensidade ou sensibilidade

do impacto

bx = número de pessoas afetadas pelo impacto

Ix = impacto ambiental x, precedido do sinal “+” se for positivo e

“-” se for negativo.

ORNSTEIN (1992), ao promover pesquisas sobre a avaliação pós- ocupação do ambiente construído, apresenta uma metodologia de avaliação que envolve a perspectiva tanto dos técnicos como dos usuários. O método procura avaliar o ambiente construído a partir de questões colocadas a técnicos e usuários. As freqüências das respostas são lançadas num diagrama de Paretto, cuja escala pode variar de 0 a 9. A média da escala indica o valor mínimo que todas as variáveis devem assumir. Apesar de a avaliação não se dirigir ao espaço urbano, sua

metodologia mostra-se interessante, pois os diagramas permitem análises mais rápidas e verificação dos itens que estão abaixo do nível desejado.

O mais relevante dos trabalhos que incorporam a dimensão ambiental no campo da avaliação da qualidade de vida foi recentemente desenvolvido em Belo Horizonte, num esforço conjunto entre a Prefeitura Municipal dessa cidade e a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). A intenção foi construir um Índice de Qualidade de Vida Urbana para Belo Horizonte - IQVU/BH que avaliasse a qualidade de vida em diversos espaços da cidade, procurando refletir os diferenciais intra-urbanos da distribuição dos recursos urbanos e a acessibilidade da população a tais recursos. O IQVU/BH pretendeu contribuir no processo de gestão municipal orientando as políticas públicas (Prefeitura de Belo Horizonte, 1996). A idéia básica foi centrar os indicadores no local urbano para onde se destinam os recursos urbanos, e não no indivíduo. A intenção do IQVU/BH foi

“medir a qualidade de vida urbana, quantificando um dos seus aspectos essenciais: a oferta de equipamentos, bens e serviços urbanos à população, de forma a propiciar-lhe a satisfação de suas necessidades básicas [...]. O índice procura incorporar uma medida de acessibilidade a tal recurso” (NAHAS e MARTINS: 1995, 4p).

O índice é composto por variáveis e componentes e as informações, tanto qualitativas como quantitativas, são estruturadas num modelo matemático. O modelo de cálculo prevê uma articulação entre índices setoriais através da ponderação das variáveis. Cada índice setorial incorpora índices de oferta local e acessibilidade aos serviços. O modelo prevê onze variáveis: abastecimento, assistência social, cultura, educação, esportes, habitação, infra-estrutura urbana, meio ambiente, saúde, segurança e serviços urbanos.

Inegavelmente, tanto o processo de construção/discussão do IQVU/BH quanto a própria proposta representam um salto significativo na tentativa de mensurar a qualidade de vida urbana. Isto pelos seguintes aspectos: 1) incorporação da interdisciplinaridade, da integração institucional e da participação ao método de

pesquisa; 2) intenção de subsidiar/instrumentalizar a gestão pública em nível local; 3) tentativa de incorporar os diferenciais intra-urbanos de qualidade de vida; 4) intuito de contemplar não só a oferta de serviços, mas também a acessibilidade. No entanto, em se tratando de qualidade de um espaço urbano, o IQVU/BH negligencia os atores sociais que estão produzindo esse espaço, seus desejos, suas concepções de qualidade de vida, suas prioridades e suas subjetividades. Não podemos esquecer que há distintas percepções da qualidade de vida, a depender de cada grupo social, de cada cultura e, inclusive, de quem está pesquisando e administrando. Além disso, a tentativa de construção de um modelo matemático/quantitativo parece não ser suficiente para definir a qualidade de um espaço. Esse processo deve incorporar quem mora no lugar. Uma outra limitação inerente a qualquer intenção de mensurar a qualidade de um ambiente está na dificuldade de operacionalizar a obtenção dos dados setoriais, face à deficiência dos sistemas de informação e aos zoneamentos diferenciados de cada instituição.

2.2.3 AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO PRODUZIDO SOBRE O