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5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

BOCA DE LOBO

(Ha) (m) (Hab.) (Hab./Ha) (l/hab/dia) (KW/h) (no.) (boa/precária

)

Vila Yolanda Pires 4.2 1644 1500 357 40 < 80 23 (1)/(7)

Alto do Cruzeiro 15.9 5238 11519 725 80 80 35 (7)/(14) Conjunto dos Comerciários 4.1 525 2146 523 162 180 7 (19)/(11) Vila Laura 33.3 5963 2380 71 248 320 21 (33)/(44) Horto Florestal 24.4 3874 270 11 729 1800 18 (63)/(48) TOTAL 81.9 17244 17815 218 252 (MÉDIO) (MÉDIO) 595 104 (123)/(124)

órgãos públicos e com a polícia.

A tipologia construtiva das moradias sugere que a comunidade é formada por população de faixas de renda distintas, variando de muito baixa a média-baixa. Nessa última faixa insere-se um número mínimo de habitantes, cujas moradias estão localizadas na parte alta da Vila. A grande maioria tem renda familiar inferior a um salário mínimo. A Vila Yolanda Pires se formou como tantas outras na cidade na década de 80. Nesse período, a crise da moradia se ampliou, obrigando verdadeiros contingentes populacionais a invadir terras ociosas do município. GORDILHO (1991) observa que nessa época o número de invasões cresceu, o que demonstra o agravamento do problema habitacional. Com o processo de pauperização vivenciado na época, as famílias tiveram que abandonar suas antigas moradias devido ao alto custo dos aluguéis. Assim, ao lado do movimento campo- cidade, ocorreu também uma ”migração urbana” dos bairros pobres periféricos em direção a espaços desocupados, que passou a chamar-se de “invasão”. Portanto, a Vila Yolanda Pires é um dos tantos exemplos de “ocupação” territorial desse período, como alternativa à crise habitacional e ao processo de exclusão social.

A ocupação da Vila, iniciada em 1985, se deu de forma isolada e lenta por uma ou duas famílias, passando depois a ser organizada sob a liderança de uma mulher. Após o desmatamento, lote a lote, barracos de madeira, lona e outros materiais foram sendo erguidos com recursos próprios. Por diversas vezes a invasão foi alvo de ataques por parte da polícia, que atendia a ordens da Prefeitura Municipal de Salvador e do Governo do Estado da Bahia. A ação da polícia consistia na retirada dos moradores através do desmonte dos barracos, o que muitas vezes levava a conflitos, espancamentos e prisões. Pelo menos uma morte ocorreu nesses confrontos com a polícia, após os quais, os moradores, teimosamente, voltavam a erguer os barracos com os poucos recursos que lhes sobravam. Assim, a comunidade se auto-erguia em meio aos conflitos internos e externos e em meio às freqüentes ameaças de retirada iminente.

progressista, assumiu o Governo do Estado. Uma nova política foi iniciada no trato da questão de invasão de terras. Após manifestações no Palácio do Governo e audiência com o governador, a comunidade da Vila Yolanda Pires (nome da então primeira dama do Estado) obteve a permissão de permanecer na área ocupada, com a garantia da suspensão da ação da polícia.

A partir desse momento a Vila começa a ser amplamente ocupada, tendo início um intrincado e conflituoso processo de divisão da terra sob o comando da Associação de Moradores. Esse processo só veio a ganhar o seu contorno final com a ampliação da ocupação. Cada invasor tinha direito a um lote cuja área não deveria ultrapassar 50m2. Sob a orientação da associação, o local era determinado

e a ocupação, concedida. Logo, logo, esse processo se sofisticou, quando entrou em cena o chamado “corretor”, este também um invasor que trabalhava em comum acordo com a associação. O papel do “corretor” era definir o local da ocupação, medir o terreno e arrecadar o dinheiro correspondente à escavação da encosta para a implantação do barraco. Assim, cada novo ocupante pagava um valor um pouco abaixo do salário mínimo, que pretensamente correspondia ao custo da escavação. O dinheiro ia para as mãos do “corretor”, que mora no local até hoje. Do relato dos moradores, ficou evidente um certo apadrinhamento de parentes no processo de ocupação.

A ocupação também se deu em meio a confrontos internos na luta pela posse dos lotes. Relatos dos moradores indicam conflitos graves e uma pressão forte das lideranças para a saída daqueles tidos como marginais, ao invés de “pais de família em busca da moradia”.

Os conflitos internos e externos, no entanto, não impediram que a comunidade avançasse para além da conquista da terra e da moradia (abrigo). Alguns serviços básicos, como a água e a luz, chegaram ao local através dos tão conhecidos “gatos”, apesar de toda a sua precariedade. Foram também construídos acessos, escadas e caminhos, além de redes improvisadas de esgoto. Já no início da década de 90, as casas de taipa e madeira começaram a ser substituídas por

recentemente, a área fosse incluída no Programa Viver Melhor, do Governo do Estado, o qual pretende realizar a urbanização de toda a área.

A influência das lideranças locais na organização da população é marcante, sendo fundamental na manutenção da ocupação (invasão). A Associação de Moradores tem um papel importante na regulação da posse dos lotes, promoção de reparos nos “gatos” e intervenção nos conflitos internos, muitas vezes relacionados aos limites dos lotes e ao resguardo dos caminhos para a passagem da futura infra-estrutura. Além disso, a segurança dos moradores é garantida por mecanismos internos extremamente particulares, que vão desde a conversa à própria coerção. Cabe também à associação mobilizar os moradores para reivindicar melhorias para o bairro. As lideranças têm perfeito conhecimento das atribuições dos órgãos e demonstram desenvoltura ao encaminhar suas reivindicações. Assim, a capacidade de luta, organização e mobilização, facilitada pela dimensão da Vila, faz com que haja, nitidamente, um processo de gestão daquele espaço.

No entanto, apesar de a comunidade demonstrar alta capacidade de organização, nota-se que seu entendimento quanto às questões de classe e ao processo cruel de desigualdades sociais vivenciado em nosso país é restrito, pois se encerra nos limites da Vila e de sua problemática. Tal característica, no entanto, não é peculiaridade da Vila, mas fruto de uma tendência de desesperança e despolitização dos movimentos sociais – que, ao contrário do que parece, estão vivos, mas com o olhar no presente, no imediato, na sobrevivência.

5.2.1.2 CARACTERÍSTICAS AMBIENTAIS URBANAS MORADIA

As moradias são, na sua grande maioria, em alvenaria de bloco sem revestimento (60% dos trechos de vias). As casas em madeira e taipa somam 13%. Existe um processo incipiente de verticalização, que visa a ampliar a área construída e abrigar outros entes da família. O lote médio é de 32m2. De uma forma geral, a moradia é precária, apesar de existirem casas de bom padrão, situadas nas

ruas de cumeada.

conservação péssimo, indicando sua precariedade. Em 93% dos trechos de vias a cobertura das edificações é de telha de cimento amianto e em 7%, de laje de concreto, sendo que cerca de 80% do total encontravam-se em péssimo estado.

A ocupação predominante é residencial (cerca de 76,7% dos trechos de vias). A atividade comercial é extremamente limitada no interior da Vila. Conta-se com poucas casas comerciais, que vendem alguns gêneros alimentícios, material de limpeza e, principalmente, bebidas. Todavia, nas proximidades da Vila encontram-se bons estabelecimentos comerciais, a exemplo de mercados populares e supermercados.

INFRA-ESTRUTURA URBANA

O sistema interno de vias consiste em escadarias (36,7%) e em becos e caminhos (30%). Cerca de 53% das vias existentes na Vila não dispõem de pavimentação e apenas 17% são asfaltadas, sendo estas as que contornam a comunidade. Internamente, apenas duas escadarias são pavimentadas. Metade das calçadas existentes (situadas exclusivamente nas vias que contornam a Vila) encontra-se em péssimo estado. O fornecimento de energia elétrica se dá de forma clandestina em 70% dos trechos de vias. Tal situação leva a uma série de riscos graças à precariedade das ligações e às freqüentes quedas de tensão. Não existe iluminação pública em 80% das vias. No entanto, a população buscou alternativas para essa situação instalando lâmpadas na frente das casas. Além disso, em alguns caminhos, encontram-se postes improvisados pelos moradores.

O processo de ocupação – iniciado com a retirada da cobertura vegetal, cortes e aterros – a alta declividade do local e a falta de serviços de saneamento (drenagem, esgoto e lixo) provocaram vários deslizamentos de terra, que atingiram algumas moradias. Isso levou a prefeitura a classificar a área como de risco e a realizar o relocamento de algumas famílias. De acordo com o levantamento realizado, 70% dos trechos dispõem de encostas não estáveis. Tal situação é reconhecida pela população, que relata receio de ficar em casa durante o período de chuvas.

Tipologia ocupacional e construtiva da Vila Yolanda Pires

Vista de um poste para iluminação pública improvisado pelos moradores da Vila Yolanda Pires

O abastecimento de água da área é feito através de ligações clandestinas (“gatos”) em 77% dos casos, a partir de vários pontos da rede de distribuição da EMBASA, contando com fornecimento regular (24h/dia). Tal situação tem acarretado constantes problemas, como vazamentos (10% das vias), contato da rede com esgotos (7%) e afloramento da rede no pavimento (27%), contribuindo assim para a contaminação da água consumida pela população. Avalia-se que o consumo de água seja de cerca de 40l/hab/dia12, o que é considerado baixo.

Cerca de 73% dos trechos de vias não dispõem de drenagem urbana, aumentando os riscos de deslizamentos de terra. Em épocas de chuva, as águas pluviais, juntamente com os esgotos, transbordam do canal existente, alagando as casas situadas na cota mais baixa. Essa situação se tem agravado devido ao assoreamento do canal pelo lançamento de lixo e depósito de material das encostas.

A área não conta com rede pública de esgotamento sanitário. A maior parte dos esgotos é conduzida por um canal situado no interior da Vila. Em 47% das vias existe rede construída pelos moradores, 68% da qual, no entanto, se encontram em péssimo estado. Em 7% das vias, a população lança os esgotos na rede de drenagem. Existem residências que não dispõem de instalações hidráulico- sanitárias, utilizando-se de buracos escavados no local e do tradicional ”balão” para a disposição dos dejetos.

A coleta de lixo é inexistente em 60% das vias. Em 37%, a coleta é porta a porta e alternada (nas ruas que contornam a Vila), realizada por caminhão compactador. Na via interna principal, a coleta é feita com carrinho de mão, em dias alternados. Assim, a limpeza urbana é extremamente precária, justificando a presença de lixo em 60% das vias e 23 pontos de lixo. O acúmulo de resíduos determina a proliferação de vetores transmissores de doenças, como ratos, baratas, mosquitos etc.

12Valor encontrado por MORAES (1993), em pesquisa realizada em nove comunidades da periferia de Salvador.

Vista da situação de saneamento na Vila Yolanda Pires

A Vila não dispõe de rede telefônica, exceto nas moradias situadas nas ruas de cumeada que contornam a comunidade.

N

ão há serviço de telefone público. A população utiliza os aparelhos existentes em ruas próximas, mas se ressente de freqüentes quebras.

A população se sente satisfeita com o serviço de transporte. Quatro pontos de ônibus e um total de 30 linhas servem a comunidade, o que permite boa mobilidade e fácil conexão (de 10 a 15 minutos) com diversos pontos da cidade. No entanto, em conversas com os moradores, percebeu-se que uma boa parte se locomove a pé, não só pelo custo da passagem, mas também pela localização central da Vila.

A Vila não dispõe de espaços públicos. Os encontros entre adultos ocorrem nos dois bares existentes no local. As crianças usam os caminhos e a rua principal interna. As assembléias dos moradores ocorrem num largo situado no final da escadaria principal de acesso à Vila. No Solar Boa Vista, uma outra área antes muito utilizada pelos moradores, recentemente levantaram-se muros que dificultam o acesso da população.

PAISAGEM URBANA

Devido ao processo de ocupação da área e à própria necessidade de terra para assentar as famílias que se dirigiram para o local, toda a cobertura vegetal foi retirada, exceto em algumas encostas mais íngremes, nas quais ainda se pode ver um bambuzal.

A paisagem da Vila é a de um bairro ainda em intenso processo de construção, erguido pelo povo segundo suas próprias concepções de uso do espaço e divisão da terra e com os poucos recursos que, por milagre, lhe sobram – erguido, afinal, com ousadia e coragem, por brasileiros que se vêem obrigados a enfrentar o medo da polícia e da encosta para sobreviver com suas famílias, num país que insiste em excluí-los da vida.

Ela representa não apenas uma questão social (pois não se deve apenas à precariedade das moradias, que leva a rua ser a extensão da casa), mas, principalmente, uma questão cultural: o povo baiano faz da rua o local privilegiado de convivência para os bate-papos, as fofocas, as brincadeiras, as cervejinhas e os jogos. A rua é também o espaço político onde ocorrem os encontros para decisão de assuntos ligados à comunidade ou a um novo grupo de samba.