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A experimentação no ensino de Ciências: uma volta ao passado

3. DAS PRÁTICAS REPRODUTORAS ÀS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS INVESTIGATIVAS

3.1 A experimentação no ensino de Ciências: uma volta ao passado

Nesse caso, fazer uma volta ao passado significa compreender como este recurso didático foi pensado, desenvolvido e colocado em prática ao longo do tempo e de que forma ocorreu sua inserção no contexto escolar.

Para se discutir o desenvolvimento de atividades experimentais no ensino de Ciências torna-se relevante abordar a experimentação do ponto de vista histórico. Nesta perspectiva, é importante citar John Locke, que há quase 300 anos explicitava a necessidade de se realizar um trabalho prático na educação dos estudantes (BARBERÁ; VALDÉS, 1996).

Dando um salto no tempo, Petitat (1994) relata que na França do século XVIII já existiam pelo menos 600 locais de experimentação e observação em instituições de ensino. Apesar desses relatos, há informações de que a experimentação foi inserida pela primeira vez no contexto escolar em 1865, no Royal College of Chemistry, na Inglaterra (GALIAZZI, 2000).

Ainda no século XVIII, foi possível observar através do trabalho de Dias (1998), que nos estatutos da Universidade de Coimbra havia uma indicação de associar o estudo da Química ao trabalho prático. Esta ênfase dada às tarefas de laboratório no ensino de Química em Portugal pode ser entendida como resposta a uma demanda do contexto sócio-econômico daquele momento. Afinal, Portugal, do século XVIII, era uma nação possuidora de várias colônias, das quais se extraia uma diversidade de produtos de origem mineral (ouro, diamante etc.) e vegetal (pau-brasil, cana de açúcar etc.). Para esses produtos economicamente mais relevantes foram trazidos conhecimentos técnicos, isto é, um conjunto de processos e operações químicas e físicas de natureza empírica. Estas técnicas eram ensinadas nas escolas jesuítas, que concediam ilegalmente graus de licenciados e mestre em Química, visto que não tinham permissão da Universidade de Coimbra. Os primeiros químicos brasileiros reconhecidos pela coroa portuguesa surgiram ainda no século XVIII, mas estavam ligados a atividades exploratórias da colônia.

Dessa forma, compreende-se que o avanço da Ciência e do ensino de Química no Brasil seja entendido como resposta ao contexto político e social vivenciado na época da colonização Portuguesa. Chassot reafirma em 1996 a abordagem utilitarista dos portugueses

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quanto ao ensino de Química, informando que estas diretrizes mudaram no final do século XVIII, devido a motivos históricos e as orientações para o ensino no Brasil passaram a ser de cunho meramente livresco e orientado para uma retórica humanista, que além de defender o primado da razão, não apoiava as velhas autoridades (igreja e aristocracia), acreditava no progresso cultural e tecnológico e trabalhavam pela educação das massas.

Na passagem do século XIX para o século XX, no panorama mundial, o ensino de Ciências com o foco conteudista passava por dificuldades latentes. No Brasil de 1903, um projeto de lei do Congresso Nacional instituiu a necessidade de se criar laboratórios nos institutos oficiais e equipá-los com materiais apropriados para aulas práticas de Ciências (ALMEIDA JR., 1980). Esse incentivo ao uso da experimentação como proposta metodológica para o ensino de ciência culminou na elaboração de uma lei em 1920, no governo de Washington Luiz.

Voltando ao cenário mundial, na década de 1950, logo após o lançamento do satélite artificial Sputnik pelos soviéticos, no período conhecido como Guerra Fria, os Estados Unidos e seus aliados iniciaram o que consideraram a “Era Dourada do Ensino de Ciências.” (WANG; MARSH, 2002). Nessa época, os projetos educacionais objetivavam reformular os currículos escolares, dando uma ênfase maior ao ensino de Ciências e de Matemática. Para isso, foram elaborados os programas School Mathematics Study Group (SMSG), de 1958, Chemical Estudy Material (CHEMstudy), de 1959, Biological Science Curriculum Studies (BSCS), Physical Science Study Committee (PSSC) e o Chemical Bonding Approach (CBA), de 1959, tendo como objetivo fomentar o desenvolvimento científico para competir com a ex- União Soviética. (NARDI, 2005; BARBERÁ; VALDÉS, 1996; SILVA; ZANON, 2000; GALIIAZZI et alii, 2001).

Assim, mais precisamente no início da década de 1960, o ensino das Ciências recebeu grande impulso com a produção e aplicação de materiais didáticos fundamentados na proposta do método da descoberta e com uma visão extremada do indutivismo. Estes materiais incluíam além dos livros, aparelhagem de laboratório necessária ao desenvolvimento das atividades práticas.

O método da descoberta, que toma a experiência como base para o conhecimento, foi por muito tempo orientador da prática e do discurso de agentes ligados à educação em ciências e se estendeu ao longo de quase todo o século XX (BARBERÁ; VALDÉS, 1996; PEREIRA, 2006). Conforme Gil-Perez (1993), programas, que se baseavam nesse método, buscavam aproximar o ensino de Ciências ao trabalho do cientista, valorizando sobremaneira a atividade experimental no processo de formação dos indivíduos; como se o fato de se estar

frente a um experimento fosse suficiente para despertar no aluno a habilidade de perceber a teoria subjacente ao fenômeno. Barberá e Valdés (1996) também ressaltaram que estes programas objetivavam promover atividades que conduzissem os alunos aos fundamentos conceituais, como, por exemplo, mediante a inserção em aulas de Ciências de atividades experimentais, para desenvolver nos alunos a capacidade de observação e habilidade para a resolução de problemas, entre outros. Frente a uma atividade dessa natureza, o professor atuava como mediador, estimulando e permitindo que os alunos expressassem suas ideias e descobrissem novos conceitos (SILVA et alii, 2010; SUART, et alii; 2010).

A pesquisa nacional em ensino de Ciências teve inicio em 1940 com a criação e o desenvolvimento do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) (BUENO et

alii, 2007). Durante a década de 1940, este instituto buscou dar apoio a atividades escolares, do que hoje chamamos ensino básico, como feiras de ciências, museus e clubes de ciência.

Já nos anos de 1950, os projetos de ensino de Ciências norte-americanos e ingleses foram implementados no Brasil e desenvolvidos mediante o uso de kits para o ensino de Química e Física, tendo como objetivo permitir aos professores das escolas desenvolverem atividades experimentais junto a seus alunos. Os projetos norte-americanos e ingleses foram relevantes para o desenvolvimento da área de educação em Ciências, trazendo implicações positivas para a formação inicial e continuada de professores no Brasil (GONÇALVES, 2005). Apesar da importância desses projetos à época, entende-se que eles estavam permeados de pressupostos hoje duramente criticados. Dentre eles destacamos a experimentação cunhada nas teses empirista-indutivistas como forma de motivação aos alunos (GONÇALVES, 2005).

No período de 1960 e 1970, o governo brasileiro incentivou o desenvolvimento de novos projetos para a área de ensino de Ciências mediante a criação de centros de Ciências em alguns estados da região Sul, Sudeste e Nordeste (SILVA et alii, 2010). Segundo os autores citados, nestes centros o Ministério da Educação oferecia cursos, elaborava materiais de laboratório, dentre outras atividades. Já na década de 80, como parte do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT) foi criado o Subprograma de Educação para a Ciência (SPEC), com ações direcionadas para projetos de formação de professores e, assim, suprir a carência de professores de Ciências.

Atualmente, os programas educacionais não estão preocupados unicamente em promover a experimentação no ensino de Ciências. O foco direciona-se a uma melhora no sistema de ensino de modo geral, com ações voltadas aos materiais didáticos e à formação inicial e continuada de professores, entre outros. No que diz respeito aos materiais, vem-se

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procurando a inserção de abordagens contextualizadas dos conceitos, o uso de atividades experimentais com caráter investigativo, a inclusão de textos motivadores e com visões interdisciplinares, além da introdução de aspectos que privilegiam a relação Ciência- Tecnologia-Sociedade e os aspectos de educação ambiental com seus múltiplos problemas. Paralelamente, são desenvolvidas pesquisas na área de ensino de Ciências, que, de certa maneira, contribuem para a aplicação de melhorias no sistema de ensino ofertado.

Diante desse breve panorama histórico, torna-se possível perceber que a experimentação no ensino de Ciências vem sendo encarada como uma estratégia, ora necessária ora nem tanto, quase um acessório. Essa visão nos aponta para a necessidade de refletirmos sobre a função da experimentação no ensino de Ciências.