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O papel da experimentação no ensino de Ciências

3. DAS PRÁTICAS REPRODUTORAS ÀS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS INVESTIGATIVAS

3.2 O papel da experimentação no ensino de Ciências

No âmbito da educação brasileira, nos últimos anos, políticas públicas instituídas no país vêm sinalizando uma ampla reforma educativa ratificada pela elaboração de documentos de referência como os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1999a; BRASIL, 1999b), as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN+ (BRASIL, 2002), as Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2006) e o Programa Nacional de Educação Ambiental - ProNEA (BRASIL, 2005). Neles, encontramos discussões específicas sobre o que se propõe em termos de Educação em Ciências e Educação em Química. Ao discutir a Educação em Ciências e em Química, tais documentos colocam em foco o uso da experimentação, mediante articulação teoria- experimento, contextualização e interdisciplinaridade (SILVA et alii, 2010).

Os PCN (BRASIL, 1999b) ressaltam a importância do desenvolvimento de competências e habilidades pelos estudantes tanto quanto a aprendizagem dos conceitos científicos, tendo em vista a atual dinâmica social. Esses parâmetros indicam quais as competências e as habilidades que devem ser estimuladas nos alunos:

O aprendizado não deve ser centrado na interação individual de alunos com materiais instrucionais, nem se resumir à exposição de alunos ao discurso professoral, mas se realizar pela participação ativa de cada um e do coletivo educacional numa prática de elaboração cultural. (p. 7).

O aprendizado em química pelos alunos de Ensino Médio implica em que eles compreendam as transformações químicas que ocorrem no mundo físico de forma abrangente e integrada e assim possam julgar com fundamentos as informações advindas da tradição cultural, da mídia e da própria escola e tomar decisões autonomamente, enquanto indivíduos e cidadãos. Esse aprendizado deve possibilitar ao aluno a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de um

conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas. (p. 31).

No processo coletivo da construção do conhecimento em sala de aula, valores como o respeito pela opinião dos colegas, pelo trabalho em grupo, responsabilidade, lealdade e tolerância têm que ser enfatizados, de forma a tornar o ensino de química mais eficaz, assim como para contribuir para o desenvolvimento de valores humanos que são objetivos concomitantes do processo educativo. (p. 32).

Em suma, para os PCN, o ensino de Química precisa colocar em pauta conhecimentos que sejam relevantes e que façam sentido ao aluno mediante uma visão mais ampla do conhecimento, de modo que promova uma compreensão do mundo físico e contribua para a construção da cidadania.

Outro documento relevante na Educação em Química são os PCN+, que enfatizam a importância da experimentação no ensino da Química. Contudo, ressaltam que a experimentação, por si só, não assegura a aprendizagem em nível teórico-conceitual significativa e duradoura, mas cumpre papel essencial, ajudando no desenvolvimento de novas consciências e de formas mais plenas de vida na sociedade e no ambiente. Faz parte das orientações dos PCN+ a necessidade de não se negligenciar a experimentação nas aulas e não tratá-las com caráter superficial, mecânico e repetitivo, visto ser esta uma atividade promotora de aprendizados efetivamente articuladores do diálogo entre saberes teóricos e práticos, processuais e relevantes para os sujeitos em formação (BRASIL, 2002).

Barberá e Valdés (1996) confirmam que organizadores curriculares e professores seguem empreendendo esforços para inserir a experimentação em suas aulas, convencidos de que esta promova uma dimensão especial ao ensino de Ciências, ou seja, que vá além do que se pode obter escutando as explicações do professor ou observando demonstrações em laboratório. Contudo, para se aprender Ciências de maneira profunda, as atividades experimentais devem ser trabalhadas de forma investigativa, em que o fazer e o pensar sejam definidos como princípios norteadores de tal atividade didática. Do ponto de vista construtivista, esses autores dizem que a função da experimentação está na sua capacidade de promover a troca conceitual pelos alunos, oportunizando-os modificar o saber cotidiano originado dos fenômenos observados por conhecimentos científicos mais sofisticados (BARBERÁ; VALDÉS, 1996).

Segundo Silva et alii (2010), ao longo da história, as teorias científicas foram elaboradas com o intuito de explicar fatos e fenômenos observados na natureza ou mesmo recortes destes fenômenos, reproduzidos em laboratório. Logo, se pode inferir que no contexto educacional a experimentação deve permitir a articulação entre o que se observa (o fenômeno) e as teorias já constituídas.

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Um aspecto dessas teorias é a sua potencialidade para explicar fenômenos análogos, isto é, a sua capacidade de generalização. Quanto maior o número de fenômenos comparáveis que uma determinada teoria consegue explicar, maior é o seu grau de generalização. A capacidade de previsão é também outra característica das teorias científicas, ou seja, que fenômenos podem ser previstos por ela e que ainda não foram observados. Assim, uma teoria que explica um único fenômeno é uma teoria com capacidade de generalização e previsão restritas (p.236-236).

De acordo com investigações acerca do papel das atividades experimentais no ensino de Ciências, é comum entre os professores a concepção de que as atividades experimentais confirmam as teorias científicas, motivam e facilitam a aprendizagem. Essa é uma visão simplista e reducionista dos professores, que pode refletir uma falta de compreensão do que seja a Ciência e de suas construções abstratas e transitórias (HODSON, 1994; PONTONE JR., 1998; TUNES et alii, 1999; SILVA et alii, 2010).

Então, as atividades experimentais de caráter comprobatório não atendem as necessidades para o processo ensino-aprendizagem, visto que são entraves ao “desenvolvimento do pensamento analítico, teoricamente orientado, o que possibilita a fragmentação de um fenômeno em partes, o reconhecimento destas e a sua recombinação de um modo novo” (SILVA et alii, 2010, p. 259-260).

Contudo, a realidade escolar tem apontado a ausência de experimentação como um dos problemas relacionados à qualidade no ensino de Ciências. É farta a literatura em que se relata diversos obstáculos como fatores limitantes para a inserção da experimentação no ensino de Ciências, indo desde a falta de infraestrutura até a carga horária excessiva dos professores (HODSON, 1994; BARBERÁ; VALDÉS, 1996; PONTONE JR., 1998; WEISSMANN 1998; BERGOLD; VIZCARRA, 2005; SILVA et alii, 2010).

O que foi falado aponta para a necessidade de uma reflexão/reformulação profunda nos cursos de formação de professores sobre que atividades experimentais podem ser consideradas recursos didáticos adequados para promoção do processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, a experimentação precisa ser cuidadosamente planejada e, para isso, é imprescindível que o professor considere a natureza da Ciência, tenha objetivos de aprendizagem bem definidos e clareza sobre o papel da experimentação.

Nesse contexto, a experimentação assume nova função pedagógica. Com intuito de não se desvincular teoria e experimento, salienta-se a necessidade de repensar o laboratório didático e ampliar a concepção do que é um laboratório de ensino e ultrapassar a concepção da experimentação pela experimentação.