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2 O PROBLEMA DA SURPRESA ESTRATÉGICA

2.2 A Falha como Fenómeno Inevitável: A Abordagem Teórica

A interpretação tradicional acerca das falhas cometidas pelos SI e da surpresa estratégica apresenta-se com uma visão algo fatalista. Académicos e profissionais estão convictos que muitos dos problemas que as afectam são de difícil resolução e alguns mesmo incontornáveis, por mais que se identifiquem as causas e se disponha da melhor tecnologia, razão pela qual se designará aqui por escola clássica.

O estudo académico dedicado à questão das falhas iniciou-se pela mão de Roberta Wohlstetter18 com a análise do ataque japonês a Pearl Harbor, mas também se destacam os trabalhos desenvolvidos pelas comissões de inquérito e os relatórios produzidos no apuramento das causas quando se verificou este dramático desastre. Desde então, outros se lhe seguiram, originando assim sucessivas reformas dos SI das principais potências mundiais, quer através do aperfeiçoamento de normas e procedimentos, como de organização, sempre na mira de incrementar a previsibilidade das ameaças e consequentemente, a eficácia dos SI.

18 Autora do estudo Pearl Harbor- Warning and Decision publicado em 1962, é considerada uma obra de

Mas, no entendimento de Richard Betts, esta ideia é uma ilusão, porquanto considera que a qualidade das informações apenas pode ser melhorada marginalmente e não de forma decisiva, pela simples alteração do seu processo de produção. Betts entende que as falhas das informações são mais de ordem política e psicológica do que propriamente organizacional (1978, p. 61). Em reconhecimento do uso que se faz das informações estar menos dependente da burocracia comparativamente aos entendimentos e inclinações que delas se têm, considera que “as falhas de informações não são apenas inevitáveis, como também naturais” não restando outra alternativa para enfrentar a surpresa estratégica senão desenvolver uma “tolerância ao desastre” (Betts, 1978, pp. 88-9).

Outro autor que partilha uma perspectiva pessimista é Michael Handel. Para ele, a ideia de que mesmo na presença de indícios fortes, de esclarecidos conselhos dos académicos, das novas tecnologias e de todo o esforço humano empregue, existe sempre a hipótese de não se conseguir evitar a surpresa (1979, p. 25). Handel identifica três argumentos genéricos para as causas das falhas das informações. O primeiro respeita à inerente dificuldade da actividade em si. Porque não se tratando de uma ciência, nem sempre se obtém o mesmo resultado com o mesmo ambiente e há sempre factores passíveis de não serem controlados. E ainda porque está muito dependente do elemento humano e, por isso, a possibilidade do erro está sempre presente, tornando difícil qualquer tentativa em prever o futuro; O segundo argumento prende- se com a rigidez do processo mental de analistas e decisores, que dificulta a separação da informação relevante do ruído. Por último, todas as acções do adversário visam enganar ou impedir a aquisição da informação necessária (1980, pp. 85-111). Handel perante esta realidade considera que “dado as falhas de informações serem inevitáveis precisamos aprender a viver

com a ambiguidade, e a melhor maneira de evitar a surpresa é ser capaz de conte-la depois de ter ocorrido” (1980, p. 105).

Também a realçar o aspecto da inevitabilidade das falhas é Michael Herman, quando afirma que “os Estados nunca podem compreender completamente os outros” (1996, p. 239). Herman coloca a hipótese das informações não poderem estar sempre certas, porque: existem limitações na pesquisa de informação; há problemas no processo analítico fruto de limitações cognitivas em interpretar todas as provas à luz de juízos preconcebidos resistindo a explicações alternativas; e ainda há os factores pessoais e organizacionais, embora reconheça existirem algumas recomendações práticas que as possam minimizar.

Contudo, existe uma abordagem alternativa que pode ser útil na tentativa de compreender porque as falhas acontecem sem atribuir propriamente a culpa a um actor isolado a uma causa específica, como é o caso da „Teoria do Acidente Normal‟ baseada nos estudos de

Charles Perrow (1999). Este autor trata a temática dos acidentes envolvendo sistemas tecnológicos de alto-risco, e defende que as falhas são mais prováveis de ocorrerem em sistemas que satisfaçam dois critérios. Em primeiro lugar, o da complexidade, onde considera um sistema complexo aquele que contém múltiplos sub-sistemas interagindo de diversos modos possíveis e, posteriormente, toma diversos rumos susceptíveis de produzirem resultados inesperados. E em segundo, o da rigidez, significando isto que um sistema é tanto mais vulnerável à falha quanto maior for o seu grau de dependência entre as partes. Processos deste tipo são os que funcionam apenas numa direcção, como é praticamente o caso do ciclo de produção de informações. Aproveitando a analogia, as falhas em sistemas complexos tal como são os SI, são inevitáveis, porque é impossível prever todas as possíveis falhas uma vez que o problema reside mais no sistema em si do que em erros individuais ou na incompetência (Perrow, 1999, pp. 62-100). Fazendo um paralelismo com as informações, um dos aspectos que mais tende a agravar esta complexidade é o sigilo. Mesmo no interior da própria organização, nem todos conseguem ter uma imagem global de um determinado assunto. E a quantidade de instituições que compõem uma CI, conjugada com a sua interdependência, vai ao encontro da rigidez.

Se existe uma convicção generalizada da surpresa ser inevitável, já há pontos de vista divergentes no que respeita ao peso das causas objectivas das falhas. De seguida, ir-se-á proceder à análise das razões explicativas para a surpresa acontecer e como os SI concorrem para ela. Para esse efeito, efectuar-se-á o estudo centrado nos três tipos de análise que tradicionalmente são considerados, na questão de quem é a responsabilidade? Se dos próprios SI, se dos decisores políticos e estrategas que delas fazem uso, ou se do inimigo. E a nível funcional, onde as causas estão categorizadas em três tipos, problemas com a informação e de comunicação, problemas psicológicos e cognitivos, e obstáculos burocráticos e organizacionais.