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3 ESTUDO DE CASOS

3.3 Análise Comparada

Com estes estudos de casos demonstrou-se que, as causas das falhas aqui evidenciadas comparadas com as relacionadas à surpresa clássica, enquadram-se na teoria da surpresa estratégica. Conclui-se então, da manutenção na íntegra da sua validade com a diferença que as suas limitações até se agravaram não obstante a evolução tecnológica, quando se enfrentam ameaças não-convencionais. Consideradas as variáveis onde se situam as falhas, poder-se-á afirmar no caso do ataque de 11SET, o sistema de informações dos EUA e respectivo executivo pecou por defeito, enquanto na avaliação feita acerca do Iraque possuir ADM, pecou por excesso (ver tab. 2). Em suma, os SI operarem com justo equilíbrio é uma aspiração puramente idealista.

Tal como previsto no modelo preconizado por Betts, verificou-se que as conclusões das investigações apontam para problemas significativos ocorridos na pesquisa, na análise e no uso que os decisores fizeram dela. Porém, como os relatórios oficiais estão vincadamente marcados por um viés político, por uma retrospectiva excessiva e ocultam muita informação relevante,

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O DOE quando obteve esta informação, apesar de fazer saber que os tubos não reuniam as características necessárias, fez notar que uma das sanções impostas pela ONU proibia o Iraque de importar qualquer material destinado ao uso militar convencional, logo esta tentativa de ocultar a compra não deveria discriminar as duas principais hipóteses (SSCI, 2004, pp. 20-1 e 106).

em especial os relativos ao Iraque (o que só reforça a suspeita sobre o poder político), não nos é permitido validar o seu modelo piramidal invertido onde considera os decisores políticos como os principais responsáveis da surpresa. Quanto muito, poderá especular-se no caso do 11SET, o problema foi predominantemente uma falta de informação relevante (pesquisa).

Casos/Variáveis Ataque de 11SET Inexistência de ADM no Iraque Direcção e

Planeamento

Limitada. A fraca liderança não permitiu o respeito pelas prioridades e que fossem afectados os recursos necessários.

Vigorosa. A orientação dada pautou-se por

uma enorme rigidez assente nos pressupostos da sua existência e por isso a sua condução centrou-se na produção de informações que os confirmassem.

Informação Adquirida

Reduzida. As fontes humanas eram escassas, a pesquisa de imagens inútil e a de comunicações pouco significativa.

Elevada. Entre os óbices principais da

informação obtida contam-se: a falsidade, a ambiguidade, a obsolescência e a rejeição.

Relacionamento dos Indícios

Fraco. Havia indícios que possibilitariam

perspectivar o evento, nomeadamente: as reuniões secretas, as ligações à Al Qaeda, as viagens, o interesse invulgar por escolas de voo, o teor das conversas telefónicas, vigilância de edifícios federais...

Forte. Houve um excessivo aproveitamento

de indícios, inclusive os mais ambíguos, que favorecessem a construção do argumento da existência e desenvolvimento de ADM.

Imaginação Escassa. Não conceberam que ataques contra interesses dos EUA fossem dirigidos a alvos no seu território e caso tal ocorresse seria por células residentes.

Grandiosa. Como forma de ultrapassar a

falta de provas concretas e a ambiguidade dos indícios, as estimativas foram sempre feitas imaginando uma realidade que condizia com os pressupostos iniciais.

Informação Contrária

Reduzida. Foi obtida insuficiente informação que permitisse desafiar a sabedoria convencional.

Elevada. O problema residiu no elevado

nível de rejeição a que esta foi sujeita.

Partilha da Informação

Escassa. Em grande parte, devido à fraca

coordenação e relação entre as agências que compõem o sistema de informações (diferenças de cultura, rivalidades de competências).

Elevada. Quer entre os vários SI da CI dos

EUA, como entre SI de vários Estados. Porém, muita era pouco credível, ou quando o era, por ser contrária aos objectivos políticos, foi rejeitada.

Intensidade dos alertas

Fraca. De entre todos os relatórios apresentados, apenas um alertou para a iminência de um ataque em território dos EUA, mesmo assim foi bastante vago.

Forte. Em virtude das estimativas terem sido sempre feitas com base no pior cenário, os alertas pautaram-se por um enorme alarmismo.

Reacção Política

Apática. A inacção política foi quase sempre uma constante, devido em grande parte à desvalorização que o executivo fez da ameaça. A falta de decisão perante os alertas mesmo sendo pouco objectivos.

Exacerbada. Verificou-se uma intensa

pressão sobre a CI, em paralelo com uma excessiva preocupação em controlar a informação de maneira a torná-la conforme com os seus intentos ao ponto de criar dois órgãos para o efeito: o WHIG e o OSP.

Tabela 2: Análise comparativa da intensidade das variáveis causais das falhas.

Enquanto no do Iraque, pela forma como foram produzidas e disseminadas as informações (em particular da CIA), a forma como a administração Bush interpretou a falta de informação em conjugação com os comportamentos de alguns membros do executivo e seus assessores face à CI, tudo indicia que a falha foi essencialmente política. Ela foi resultado de um objectivo estratégico bem definido em ordem a uma agenda política pré-determinada, mas que seria necessário fundamentá-la à custa dos SI. Este facto veio comprovar o quanto é difícil

a separação entre uma falha de informações e uma falha política, sugerindo que ambas são indissociáveis. Mas também, como nos alerta Dennis Gormley, as “informações de baixa

qualidade são mais susceptíveis à manipulação” (2004, p. 9).

A verdadeira novidade é-nos trazida pelo 11SET no âmbito dos problemas da partilha das informações, onde uma parte da falha residiu no relacionamento entre as informações estratégicas e as informações de segurança. Se antes, existia uma clara separação entre aquilo que eram as missões de uns e de outros, as ameaças transnacionais como o terrorismo transnacional, vêm agora exigir uma estreita colaboração entre eles e com isso, toda uma alteração de mentalidades e das arquitecturas vigentes.

No que concerne às implicações estratégicas dos dois casos aqui analisados, tiveram uma magnitude apenas comparável à II Guerra Mundial. O 11SET levou os EUA a lançar a sua “Guerra Global contra o Terrorismo” (GWOT) apadrinhada por tantos outros Estados ocidentais e criando inclusive solidariedades com quem competem tradicionalmente - Rússia e China. Enquanto o caso das ADM no Iraque, envolveu cerca de quatro dezenas de Estados56 num conflito ilegal e injusto, tornou a região do médio-oriente ainda mais instável, acicatou as rivalidades entre o mundo árabe e ocidental de matriz cristã, e aumentou a fricção entre os EUA e as grandes potências da Eurásia – França, Alemanha, Rússia e Irão. Estes acontecimentos, que marcaram indelevelmente as actuais RI, vieram evidenciar as fragilidades dos SI e por em causa o seu papel na segurança do Estado e até na segurança internacional. Mas também as suas relações com os decisores políticos. Aos SI foi-lhes atribuída a maior parte da culpa do sucedido, transformando-os em autênticos «bodes expiatórios», ocasionando mais uma vez, como aconteceu com Pearl Harbor, um profundo debate interno sobre o seu funcionamento e consequentemente suscitando transformações legislativas no sector de segurança e organizacionais nas CI de alguns Estados, com particular destaque para os EUA, Reino Unido, Canadá, Espanha, Portugal entre outros (Born e Leigh, 2005, p. 13).

Estes dois acontecimentos, em resultado do efeito cumulativo de fracassos operacionais e decisões políticas desadequadas, contribuíram drasticamente para o descrédito da imagem dos SI. Contudo, em caso algum este estigma de desconfiança deve exceder o reconhecimento da sua importância, e muito menos alastrar às instituições políticas, pois tal implicaria uma perda de apoio e resultaria numa clara perda de eficácia. A solução equilibrada para este problema, vulgarmente adoptada pelos regimes democráticos, é sujeitar os seus SI a mecanismos de controlo específicos tutelados por diversas instituições (DCAF, 2006). É o que

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Quatro países participaram com tropas durante a fase inicial da invasão, que decorreu de 20 de Março a 1 de Maio. Os EUA tinham no teatro de operações 248000 efectivos, Reino Unido - 45000, Austrália -2000, e a Polónia - 194, 36 outros países foram envolvidos após a primeira fase.

será abordado no capítulo seguinte, onde se procurará compreender em que medida a democracia pode limitar esta actividade.